retornasse em sua trajetoria, rumo as estrelas. Mesmo assim, fora necessario roubar combustivel a tres outras naves do Servico de Observacao solar, as quais agora flutuavam a deriva, esperando que as naves — tanques fossem reabastece-las. Norton receava que os comandantes da Calypso, Beagle e Challenger nao tornassem a lhe falar tao cedo.

Mesmo com esse excedente de propulsor, a perseguicao fora longa e ardua. Rama ja estava no interior da orbita de Venus quando a Endeavour o alcancou. Nenhuma outra nave poderia ter feito o mesmo; o privilegio era unico, e nao se podia perder um so momento das proximas semanas. Um milhar de cientistas, na Terra, teriam de bom grado hipotecado suas almas em troca dessa oportunidade; agora, tudo que podiam fazer era observar os acontecimentos na TV, mordendo o beico e pensando em quao melhor poderiam ter feito aquele servico. Talvez tivessem razao, mas nao havia alternativa. As leis inexoraveis da mecanica celeste haviam decretado que a Endeavour seria a primeira e a ultima de todas as naves criadas pelo homem que entraria em contato com Rama.

As indicacoes que recebia da Terra pouco contribuiam para aliviar as responsabilidades de Norton. Se fosse preciso tomar decisoes numa fracao de segundo, ninguem poderia ajuda-lo; o periodo de atraso nas comunicacoes com o Controle da Missao pelo radio ja era de dez minutos e continuava a crescer. Quantas vezes ele invejou os grandes navegadores do passado, que podiam interpretar as suas ordens lacradas sem a supervisao constante de um posto de comando! Quando eles cometiam um erro, ninguem ficava sabendo.

Contudo, sentia-se ao mesmo tempo contente porque algumas decisoes podiam ser delegadas a Terra. Agora que a orbita da Endeavour havia coalescido com a de Rama, os dois seguiam em direcao ao Sol como um so corpo; dentro de quarenta dias alcancariam o perielio e passariam a vinte milhoes de quilometros do Sol. Tal proximidade nao era nada confortavel; muito antes disso, a Endeavour teria de gastar todo o combustivel que lhe restava a fim de se desviar para uma orbita mais segura. A tripulacao disporia, talvez, de tres semanas para fazer suas exploracoes antes de separar-se para sempre de Rama.

Depois disso, o problema seria da Terra. A Endeavour ficaria virtualmente a merce das forcas cosmicas, arrastada numa orbita que podia fazer dela a primeira nave espacial a alcancar as estrelas — dentro de cinquenta mil anos, aproximadamente. Nao havia razao para inquietar-se, prometera o Controle da Missao. De um modo ou de outro, e sem olhar aos custos, a Endeavour seria reabastecida — mesmo que fosse necessario enviar naves- tanques empos dela e abandona-las no espaco depois que houvessem transferido todo o propulsor que continham. Rama era um premio que valia qualquer risco, abaixo de uma missao suicida.

E, naturalmente, a coisa podia chegar ate esse ponto. O Comandante Norton nao tinha ilusoes a respeito. Pela primeira vez em cem anos, um elemento de total incerteza se introduzira nos negocios humanos. A incerteza era uma das coisas que nem os cientistas nem os politicos podiam tolerar. Se esse fosse o preco da sua resolucao, a Endeavour e a sua tripulacao seriam sacrificaveis.

5 A PRIMEIRA AEV[1]

RAMA estava silencioso como um tumulo — e talvez o fosse. Nenhum sinal de radio, em qualquer frequencia; nenhuma vibracao que os sismografos pudessem captar, alem de microssismos indubitavelmente causados pelo crescente calor do Sol; nenhuma corrente eletrica; nenhuma radioatividade. Uma quietude quase agourenta; seria de crer que ate num asteroide houvesse mais barulho.

Que e que nos esperavamos? pensou Norton. Um comite de recepcao? Nao sabia se havia de sentir-se desapontado ou aliviado. Em todo caso, era a ele que parecia caber a iniciativa.

As ordens que tinha recebido eram para esperar durante vinte e quatro horas, depois sair e explorar. Ninguem dormiu muito nesse primeiro dia; os proprios membros da tripulacao que nao estavam de servico passaram o tempo controlando os instrumentos que tenteavam em vao, ou simplesmente contemplando pelas vigias a paisagem friamente geometrica. Este mundo esta vivo? perguntavam-se e tornavam a perguntar-se. Esta morto? Ou simplesmente adormecido?

Na primeira excursao, Norton levou consigo apenas um companheiro — o Capitao-de-corveta Karl Mercer, seu valente e talentoso oficial de Sustentacao da Vida. Nao tencionava em absoluto distanciar-se da nave a ponto de ficar fora do alcance da vista e, se houvesse algum contratempo, era pouco provavel que um grupo maior oferecesse mais seguranca. Tomou, contudo, a precaucao de levar mais dois membros da tripulacao que, ja metidos nos seus trajes espaciais, esperavam na eclusa de ar.

Os poucos gramas de peso que lhes davam os campos gravitacional e centrifugo combinados nao ajudavam nem impediam; tinham de confiar exclusivamente nos seus jatos. Logo que fosse possivel, disse Norton de si para si, armaria uma cama-de-gato com cabos de amarracao entre a nave e as casamatas, de modo que os exploradores pudessem mover-se de um lado para outro sem desperdicio de propulsores.

A mais proxima casamata ficava a apenas dez metros da eclusa de ar, e a primeira preocupacao de Norton foi verificar se o contato nao havia causado nenhum dano a nave. O casco da Endeavour repousava contra a parede curva com uma pressao de varias toneladas, mas essa pressao estava uniformemente distribuida. Mais tranquilo, ele pos-se a flutuar em volta da estrutura circular, procurando determinar qual seria o seu objetivo.

Apenas havia Norton percorrido alguns metros quando notou uma interrupcao na parede lisa, aparentemente metalica. A principio julgou que se tratasse de uma especie de decoracao, pois nao parecia ter nenhuma funcao util. Seis sulcos ou fendas radiais sanavam profundamente o metal e, dentro deles, havia seis barras cruzadas como os raios de uma roda, sem aro, com um pequeno cubo no centro. Mas nao havia meio de fazer girar a roda, pois estava embutida na parede.

Notou entao, com uma excitacao crescente, que havia escavacoes mais profundas nas extremidades dos raios, perfeitamente torneadas de modo a receber dedos (garras? tentaculos?). Se uma pessoa se colocasse assim, apoiando-se contra a parede, e puxasse o raio assim…

Macia como seda, a roda deslizou para fora da parede. Com inexprimivel assombro — pois estava virtualmente convencido de que quaisquer partes moveis teriam sido soldadas pelo vacuo ha muitos seculos — Norton viu-se de repente com uma roda de malaguetas nas maos. Era como se fosse o capitao de algum velho navio a vela, manejando o leme do seu barco.

Ainda bem que o para-sol do seu capacete nao permitia que Mercer lhe observasse a expressao…

Estava surpreendido, mas tambem sentia raiva de si mesmo; talvez ja houvesse cometido o primeiro erro. Estariam soando agora sinais de alarma no interior de Rama, ou o seu ato irrefletido fizera disparar algum mecanismo implacavel?

Mas a Endeavour nao comunicou nenhuma alteracao; os seus sensores ainda nada detectavam alem de leves crepitacoes termicas e dos movimentos do proprio comandante.

— Bem, Capitao… Vai girar a roda?

Norton pensou mais uma vez nas instrucoes recebidas. «Siga o seu alvitre, mas proceda com cautela.» Se consultasse o Controle da Missao sobre cada um de seus movimentos, nunca chegaria a parte alguma.

— Qual e o seu diagnostico, Karl? — perguntou a Mercer.

— Trata-se, evidentemente, do controle manual de uma eclusa de ar… com certeza um sistema auxiliar de emergencia para os casos de falha de forca. Nao posso imaginar nenhuma tecnologia, por mais avancada que seja, que nao tome tais precaucoes.

«E seria a prova de falhas», disse Norton la no seu intimo. «So poderia ser operado se nao houvesse possibilidade de perigo para o sistema…»

Segurou duas hastes opostas do molinete, firmou os pes no chao e testou a roda. Esta nao se moveu.

— Me ajude aqui — pediu a Mercer.

Cada um dos dois segurou um raio; fizeram quanta forca tinham, mas nao conseguiram produzir o menor movimento.

Nao havia, e claro, motivo para supor que os relogios e os saca-rolhas girassem, em Rama, no mesmo sentido que na Terra…

— Vamos experimentar o sentido contrario — sugeriu Mercer. Desta vez nao houve resistencia. A roda girou quase sem esforco, descrevendo um circulo completo. Ai, entao, com muita suavidade, o mecanismo engatou.

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