entrei, ou, por outra, fui projectada para o interior; por um pouco nao. Cai de joelhos!
Na farmacia estava so o farmaceutico e um medico ainda novo.
Minha mae disse ao medico:
— E minha filha! Quero que a examine!
O medico mandou-me entrar para uma divisao das traseiras onde estava a marquesa dos servicos de urgencia e perguntou a minha mae:
— Diga-me o que ela tem… Devo examina-la porque?
— Acaba de ser desonrada pelo noivo e diz que nao, esta porca! Quero que a examine — gritava a minha mae — e que me diga a verdade!
O medico estava divertido e mordiscava o bigode, sorrindo:
— Mas nao e um diagnostico que me pede, e uma informacao.
— Chame-lhe como quiser — respondeu minha mae, berrando sempre —, mas quero que a examine! E ou nao medico? Tem ou nao a obrigacao de examinar as pessoas quando elas lhe pedem?
— Calma! Calma! Como te chamas? — perguntou o medico.
— Adriana — respondi.
Estava envergonhada, mas nao muito. As cenas da minha mae e a minha docilidade eram bem conhecidas em todo o bairro.
— Mas mesmo que isso tenha acontecido — insistia o medico, que parecia perceber o meu embaraco e tentava evitar o exame—, que mal pode haver? Eles casam-se e pronto… tudo acabara bem.
— Meta-se na sua vida!
— Calma! Calma! — repetia, divertido, o medico. Depois, dirigindo-se a mim, disse-me:
— Vamos! Visto que tua mae acha que isto e indispensavel… despe-te, nao demora muito tempo, depois deixo-te em paz.
Enchi-me de coragem e disse:
— Muito bem! E verdade! Fui desonrada! Mas vamos para casa, mae!
— Nao, minha filha, nao! — disse ela com ar autoritario. — Tens de te deixar examinar!
Resignada, despi a saia e deitei-me na marquesa. O medico examinou-me e disse a minha mae:
— Tinha razao… Ja nao esta virgem… E agora, esta contente?
— Quanto lhe devo? — perguntou minha mae, puxando do porta-moedas.
Entretanto, eu tinha descido da marquesa e vestira-me. O medico recusou o dinheiro e perguntou- me:
— Gostas do teu noivo?
— Com certeza — respondi.
— Quando se casam?
— Ele nunca se casara com ela! — gritou minha mae. Mas eu cortei tranquilamente:
— Logo que tenhamos os papeis arranjados.
Devia ser possivel ler-se nos meus olhos uma grande confianca, tao ingenua e tao pura, que o medico, com um riso amigavel e dando-me uma palmadinha na cara, empurrou-nos para fora.
Eu esperava que, quando tornassemos a entrar em casa, minha mae me cobrisse de insultos e mesmo me tornasse a bater. Bem longe disso, vi, pelo contrario, aquela hora avancada, acender o gas e comecar a cozinhar para mim, sem dizer palavra. Pos a frigideira ao lume, voltou a sala, desembaracou um canto da mesa dos trapos que la estavam e pos a toalha. Eu tinha-me sentado no diva, para onde ela me arrastara pelos cabelos, e olhava-a em silencio. Estava aparvalhada. Nao so nao me repreendia como a sua cara deixava transparecer uma estranha satisfacao, que ela tentava esconder. Quando acabou de por a toalha, foi a cozinha, depois tornou a voltar trazendo um prato na mao e disse-me:
— Agora vais comer!
Para dizer a verdade, eu tinha bastante fome. Levantei-me e fui sentar-me, um pouco atrapalhada, na cadeira que minha mae me indicou a seguir. No prato estavam dois ovos e um bocado de carne assada.
— Mas isto e muito! — disse-lhe.
— Come… vai fazer-te bem — respondeu-me. — Precisas de comer!
Era uma coisa extraordinaria este seu bom humor, um pouco malicioso talvez, mas nada hostil. Quase com bom modo, acrescentou, passado um momento:
— O Gino nem sequer pensou em dar-te de comer?
— Nos adormecemos — respondi. — E depois ja era muito tarde.
Ela nada disse, e ficou de pe a ver-me comer. Era sempre assim que ela fazia: servia-me e ficava a ver- me comer, depois, por sua vez, ia comer para a cozinha.
Durante muito tempo nao comeu comigo a mesa. Comia sempre menos do que eu: ou eram as minhas sobras, ou qualquer coisa diferente e pior. Eu era para ela uma especie de objecto precioso e delicado que era preciso tratar com todo o cuidado, o unico objecto precioso que possuia.
Ja ha muito tempo que esta servidao admirativa e lisonjeadora nao me perturbava. Mas desta vez a sua serenidade, o seu ar contente, inspiravam-me uma penosa inquietacao. Ao fim de uns instantes comecei a falar:
— Tu zangaste-te — disse-lhe — por eu ter feito isto, mas ele prometeu casar comigo… nao tardara a faze-lo.
— Nao me zanguei… naquele momento enfureci-me porque esperei toda a noite e estava em cuidado… Mas agora come, e nao penses mais nisso.
O seu tom de evasiva e falsa calma, que fazia lembrar a maneira como se fala as criancas quando nao se quer responder as suas perguntas, inquietou-me ainda mais:
— Porque? Nao acreditas que ele case comigo?
— Com certeza que acredito! Mas agora come!
— Nao, tu nao acreditas!
— Acredito, nao tenhas medo! Va, come!
— Nao como mais se nao me dizes o que se passa contigo! — declarei, exasperada. — Porque estas com um ar tao contente?
— Nao, nao estou com um ar contente.
Agarrou no prato vazio e levou-o para a cozinha. Esperei que ela voltasse, e disse outra vez:
— Entao, porque estas contente?
Olhou-me longamente em silencio e depois respondeu com uma gravidade ameacadora:
— E verdade, sim. Estou contente.
— E porque?
— Porque agora tenho a certeza de que Gino ja nao casara contigo e te vai deixar!
— Porque nao ha-de casar? Era preciso que tivesse uma razao!
— Nao casara e abandonar-te-a! Vai divertir-se a tua custa e nao te dara nem uma cabeca de alfinete, um esfomeado como ele e. E depois larga-te!
— E e por isso que estas tao contente?
— Com certeza. Agora estou certa de que nao casara contigo!
— Mas em que pode isso satisfazer-te? — gritei indignada e ao mesmo tempo aborrecida.
— Se quisesse casar contigo nao te teria desonrado — disse ela bruscamente. — Eu estive noiva dois anos do teu pai, e ate ao dia do casamento ele apenas me deu um ou outro beijo. Ele vai divertir-se e depois abandonar-te… Podes ter a certeza… E estou contente por ele te abandonar, porque se casasse contigo estavas perdida!
Nao podia deixar de reconhecer que certas coisas que ela me dizia eram verdadeiras. Os olhos encheram- se-me de lagrimas.
— Eu bem sei que nao queres que eu constitua familia. Tu queres que eu venha a ter a mesma sorte que a Angela.
Angela era uma rapariga do bairro que, depois de ter estado noiva duas ou tres vezes, acabou por se entregar abertamente a prostituicao.
— Que tenhas uma boa situacao e o que eu quero — respondeu com um ar obstinado. E, levantando os pratos, levou-os para a cozinha para os lavar.