parecia ter olhares senao para mim. Os seus olhos melancolicos e cheios de desejo nao largavam por um instante a minha cara e o meu corpo; realmente o seu olhar dava-me a sensacao de um dedo que ele passasse lentamente sobre toda a minha pessoa. Nao direi que esta atencao me desgostasse, mas embaracava-me.

Pouco a pouco senti-me no dever de me ocupar dele e de lhe falar. Estava sentado com as maos sobre os joelhos; num dos dedos brilhava, com uma alianca, um anel ornado com um brilhante.

— Que anel tao bonito! — disse-lhe estouvadamente. Ele baixou os olhos para o anel sem mexer a mao e respondeu:

— Era o anel do meu pai. Tirei-lhe do dedo quando morreu.

— Oh! — disse para me desculpar. Depois acrescentei, indicando a alianca: — E casado?

— Com certeza que sim! — respondeu com uma especie de ar complacente. — Tenho mulher e filhos.

— E bonita a sua mulher? — perguntei timidamente.

— Menos que voce — disse-me sem sorrir, em voz baixa e enfatica, como se anunciasse uma verdade importante. E a mao em que brilhava o anel tentou agarrar a minha. Desembaracei-me rapidamente dela e perguntei, para dizer qualquer coisa:

— Vive com ela?

— Nao — respondeu-me. — Ela mora em… — e disse o nome de uma longinqua cidade de provincia — e eu aqui. Vivo so… Espero que venha visitar-me.

Fingi nao me aperceber desta entrada, insinuada de uma maneira tragica e convulsa, e perguntei:

— Porque… nao gostaria de viver com a sua mulher?

— Estamos legalmente separados — explicou-me, amuando. — Quando me casei era um garoto… foi minha mae quem arranjou o casamento… Sabe bem como estas coisas se passam… uma rapariga de boa familia, com um belo dote… sao os pais que combinam o casamento, mas sao os garotos que se devem casar! Viver com uma mulher… voce seria capaz de viver com uma mulher como esta?

Tirou a carteira do bolso do peito, abriu-a e estendeu-me uma fotografia. Vi duas garotinhas com ar de gemeas, morenas, palidas, todas vestidas de branco. Atras delas, com as maos pousadas nos seus ombros, uma mulherzinha morena e palida, com os olhos unidos como os de um mocho e expressao maldosa.

Devolvi-lhe a fotografia. Ele tornou a guarda-la na carteira e depois disse-me num sopro:

— Nao… queria viver consigo.

— O senhor nao me conhece de lado algum! — respondi, desconcertada com a sua obsessao.

— Conheco-a muito bem. Ha um mes que a sigo. Sei tudo a seu respeito.

Falava e continuava a ficar respeitosamente distante. Mas incessantemente a sua paixao dilatava-lhe os olhos.

— Estou noiva! — declarei-lhe.

— Gisela disse-me — pronunciou com voz estrangulada.

— Mas nao falemos do seu noivo, que importa? — e fez um pequeno gesto com a mao, de afectada indiferenca.

— Mas a mim importa-me, e muito — continuei. Olhou-me e repetiu:

— Gosto imensamente de si.

— Ja dei por isso.

— Agrada-me enormemente — prosseguiu. — Talvez nem se aperceba de que maneira me agrada.

Falava realmente como um louco. Mas o que me tranquilizava era ele estar sentado longe de mim e nao tentar mais pegar-me na mao.

— Nada ha de mau em que eu lhe agrade — disse-lhe.

— E eu, agrado-lhe?

— Nao.

— Tenho dinheiro — disse ele com a cara crispada. Tenho muito dinheiro para a fazer feliz. Se vier ter comigo, vera que nao tera de se arrepender!

— Nao preciso do seu dinheiro — respondi com calma, quase com indiferenca.

Pareceu nao ouvir e disse, olhando-me:

— Voce e muito bela!

— Obrigada.

— Tem uns lindissimos olhos.

— Acha?

— Acho… e a sua boca e tambem muito bonita… quereria beija-la.

— Porque me diz essas coisas?

— O seu corpo tambem o gostaria de cobrir de beijos… todo o seu corpo.

— Porque me fala dessa maneira? Estou noiva e casaremos dentro de dois meses.

— Desculpe, mas da-me prazer falar destas coisas. Faca de conta que nao e consigo. — Ainda estamos muito longe de Viterbo?

— Estamos quase a chegar… Almocaremos la. Prometa-me que se sentara ao meu lado a mesa.

Desatei a rir, porque no fim de contas uma paixao tao violenta lisonjeava-me:

— Esta bem — disse eu.

— Vai sentar-se ao meu lado como agora — prosseguiu ele. — Contento-me em respirar o seu perfume.

— Mas eu nao uso perfume! — exclamei.

— Hei-de oferecer-lhe um frasco, deixe estar! — respondeu.

Tinhamos chegado a Viterbo e o carro abrandou a velocidade para entrar na cidade. Durante todo o trajecto, Gisela e Ricardo, sentados a nossa frente, tinham-se conservado em silencio. Mas quando comecamos a percorrer lentamente as ruas repletas de gente, Gisela voltou-se para tras e disse-me:

— Como vai isso ai, com os dois? Tu julgas, se calhar, que nos nada vimos?

Astarito ficou calado, mas eu protestei:

— Tu nao podias ter visto coisa alguma… temos vindo somente a conversar!

— Esta bem! Esta bem! — respondeu.

Fiquei profundamente admirada e um pouco irritada tanto com a atitude de Gisela como com o silencio de Astarito.

— Mas se eu te digo… — confirmei.

— Esta bem! Esta bem! — repetiu ela. — Nao estejas com medo! Nos nada diremos ao Gino!

Entretanto tinhamos chegado a praca e descido do automovel.

Comecamos a passear ao longo das ruas pelo meio do povo endomingado sob o sol de Outubro, doce e brilhante. Astarito nao me largava um instante, sempre grave, ate mesmo sombrio, com a cabeca hirta, emergindo do seu alto colarinho, uma mao no bolso e a outra a baloucar. Tinha o ar nao tanto de me seguir, mas de me vigiar. Gisela, pelo contrario, ria alto com Ricardo; muitas pessoas voltavam-se para nos observar.

Entramos numa pastelaria e tomamos vermute ao balcao. Reparei, de repente, que Astarito murmurava por entre dentes nao sei que ameacas e perguntei-lhe o que se passava.

— E aquele imbecil que esta ali a porta a olhar para si com uma insistencia descarada! — respondeu-me, furioso.

Voltei-me e vi com efeito um rapazola louro, que olhava para mim encostado a porta do cafe.

— Que mal tem isso? — disse eu alegremente. — Olha-me!… E depois?

— Mas eu sou muito capaz de lhe partir a cara!

— Se o fizer nunca mais lhe falarei e nunca mais o conhecerei! — disse-lhe, aborrecida. — Nao tem esse direito! O senhor nao representa coisa alguma na minha vida!

Ele nao respondeu e foi a caixa pagar o vermute. Saimos da pastelaria e recomecamos o nosso passeio. O sol, o burburinho, o movimento das ruas, todas essas caras coradas e sadias de provincianos punham-me de bom humor. Quando chegamos a uma pracazinha fora do centro, ao fundo de uma rua perpendicular, eu exclamei de repente:

— Olhem! Se eu tivesse uma casinha como aquela — e mostrava uma bonita casinha de dois andares junto de uma igreja —, seria bem feliz de viver aqui!

— Meu Deus! Meus Deus! — gritou Gisela. — Viver na provincia! Entao em Viterbo. Eu nao anuia a isso

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