tremeu e sua mao procurou a de Brant. Embora seus dedos se fechassem em torno dela, ele parecia nem reparar: tinha os olhos ainda voltados para o ceu fendido. Ate mesmo Kumar parecia intimidado, embora fosse o primeiro a falar.

— Uma das colonias deve ter nos descoberto. Brant sacudiu a cabeca de um lado para outro, sem muita conviccao.

— Por que se importariam? Eles devem ter os velhos mapas, sabem que Thalassa e quase toda um oceano. Nao faria sentido nenhum vir aqui.

— Curiosidade cientifica? — sugeriu Mirissa.

— Para ver o que aconteceu conosco? Eu sempre disse que deviamos consertar aquele sistema de comunicacao… Era uma antiga controversia, sempre retomada a intervalos de algumas decadas. Um dia, acreditava a maioria das pessoas, Thalassa realmente reconstruiria o grande prato da Ilha Ocidental, destruido quando Krakan entrara em erupcao ha quatrocentos anos. Enquanto isso, havia muita coisa mais importante ou simplesmente mais divertida.

— A construcao de uma nave estelar e um projeto enorme — disse Brant, reflexivo.

— Nao acredito que nenhuma colonia o fizesse a menos que fosse obrigada. Como a Terra… Sua voz ficou em silencio. Depois de tantos seculos ainda era um nome dificil de pronunciar. E como se fossem apenas uma pessoa, voltaram-se para o leste,

onde a rapida noite equatorial avancava atraves do mar. Algumas das estrelas mais brilhantes ja emergiam, e acabando de se elevar acima das palmeiras encontrava-se o grupo pequeno e inconfundivel do Triangulo. Suas tres estrelas eram quase da mesma magnitude mas uma intrusa muito mais brilhante tinha reluzido por algumas semanas proxima a ponta sul da constelacao. Sua carcaca encolhida era ainda visivel num telescopio de medio alcance. Mas nenhum instrumento poderia mostrar as cinzas orbitantes que um dia foram o planeta Terra.

2. O PEQUENO NEUTRO

Mais de mil anos depois, um grande historiador chamara o periodo de 1901 a 2000 de „o seculo em que tudo aconteceu”. E acrescentou que as pessoas da epoca teriam concordado, mas por motivos totalmente errados.

Elas teriam indicado, frequentemente com justificado orgulho, as conquistas cientificas da epoca como sendo as do ar, da liberacao de energia atomica, da descoberta dos principios basicos da vida, da revolucao da eletronica e das comunicacoes, do principio da inteligencia artificial e, o mais espetacular de tudo, da exploracao do sistema solar e do primeiro pouso na Lua. Mas, como o historiador mostrou, com precisao, nem uma pessoa em mil teria ouvido falar numa descoberta cuja importancia transcenderia a todos esses acontecimentos, ameacando torna-los inteiramente irrelevantes.

Parecia tao inofensivo e tao distante das questoes humanas quanto a primeira chapa fotografica enevoada que, do laboratorio de Becquerel, levou, em apenas cinquenta anos, a bola de fogo sobre Hiroxima. De fato, tratava-se de um subproduto da mesma pesquisa, iniciado com identica inocencia.

A natureza e um guarda-livros muito minucioso e sempre equilibra os seus livros. Por isso os fisicos ficaram extremamente intrigados quando descobriram certas reacoes nucleares nas quais, depois que todos os fragmentos eram somados, alguma coisa parecia estar faltando do outro lado da equacao.

Como o guarda-livros que repoe rapidamente o dinheiro desviado, para se manter um passo adiante dos auditores, os fisicos se viram forcados a inventar uma nova particula. Para justificar a discrepancia encontrada ela teria que ser uma particula muito peculiar, sem massa ou carga eletrica, e tao fantasticamente penetrante que passaria, sem nenhum inconveniente perceptivel, atraves de uma muralha de chumbo com bilhoes de quilometros de espessura.

A este fantasma foi dado o nome de „neutrino”, formado pela palavra neutron e mais bambino. Parecia nao existir qualquer esperanca de algum dia se detectar entidade tao impalpavel, mas em 1956, atraves de feitos heroicos de instrumentacao, os fisicos captaram os primeiros especimes. Isso constituiu tambem um triunfo para os teoricos, que agora viam suas equacoes, tao inverossimeis, verificadas.

A maior parte do mundo nem soube, nem se importou, todavia, a contagem regressiva para o dia do juizo final tinha comecado.

3. O CONSELHO DA VILA

A rede local de comunicacoes de Tarna nunca operava com mais do que 95 % do seu potencial, mas, por outro lado, nunca acontecia menos de 85 % dela funcionarem ao mesmo tempo, em qualquer ocasiao. Como a maior parte do equipamento em Thalassa, fora projetada por genios ha muito mortos, de modo que colapsos catastroficos fossem virtualmente impossiveis. Mesmo que muitos componentes falhassem, o sistema ainda assim continuaria a funcionar razoavelmente bem, ate que alguem se irritasse o suficiente para fazer os consertos.

Os engenheiros chamavam isso de „degradacao graciosa”, uma expressao que, segundo alguns ceticos, descrevia de modo bastante preciso o estilo de vida lassiano.

De acordo com o computador central, a rede oscilava agora em torno dos seus 90 % de funcionabilidade e a prefeita Waldron teria ficado satisfeita com muito menos. A maior parte do vilarejo lhe havia telefonado durante a ultima meia hora e pelo menos cinquenta adultos e criancas se aglomeravam na sala do conselho, numero muito superior ao que ela fora planejada para alojar em pe, para nao falar de assentos. O quorum para uma assembleia normal era de doze pessoas, e as vezes eram necessarias medidas draconianas para reunir ate mesmo esse numero de corpos aquecidos num unico lugar. Os outros 548 habitantes de Tarna preferiam observar e votar, quando se sentiam suficientemente interessados, a partir do conforto de suas proprias casas.

Tinha havido tambem dois telefonemas do governador da provincia, um do gabinete do presidente e outro do servico noticioso da Ilha do Norte, todos fazendo o mesmo pedido totalmente desnecessario. Cada um tinha recebido a mesma resposta curta: e claro que nos avisaremos, se acontecer alguma coisa, e obrigado pelo seu interesse.

A prefeita Waldron nao gostava da agitacao e sua carreira politica, moderadamente bem-sucedida, fora baseada na capacidade de evitar isso. Algumas vezes, e claro, isso era impossivel. Seu veto dificilmente teria desviado o furacao do ano 09, que ate agora fora o acontecimento

mais notavel do seculo.

— Todo mundo quieto! — gritou ela. — Reena, deixe essas conchas ai. Alguem teve um bocado de trabalho para arruma-las! E hora de voces irem para a cama, de qualquer maneira! Billy, saia da mesa! Ja!

A velocidade surpreendente com que a ordem foi restaurada demonstrou que pelo menos dessa vez os cidadaos estavam ansiosos para ouvir o que a prefeita tinha para dizer. Ela desligou o bip insistente de seu fone de pulso direcionando a chamada para o centro de mensagens.

— Francamente, eu nao sei mais do que voces e nao e provavel que tenhamos outras informacoes por varias horas ainda. Com certeza aquilo era algum tipo de espaconave que ja tinha reentrado, eu suponho que o correto seria dizer que tinha entrado, em nossa atmosfera, quando passou sobre nos. Suponho que, ja que nao existe nenhum outro lugar para se descer em Thalassa, ela presumivelmente retornara as Tres Ilhas mais cedo ou mais tarde. Isso pode levar horas se ela estiver dando a volta em torno do planeta.

— E tentativa de contacta-los pelo radio? — Alguma perguntou alguem ansiosa.

— Sim, mas ate agora nao tivemos sorte. Sera que nao deveriamos tentar? — perguntou uma voz.

Um breve silencio se estabeleceu na assembleia, e o conselheiro Simmons, principal critico da prefeita, bufou de aborrecimento.

— Isso e ridiculo. Nao importa o que facamos, eles poderao nos encontrar em dez minutos. De qualquer modo e provavel que saibam exatamente onde estamos.

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