— Concordo inteiramente com o conselheiro — disse a prefeita Waldron, apreciando essa rara oportunidade. Qualquer nave colonia certamente tera os mapas de Thalassa. Eles podem ter mil anos, mas indicarao o local do Primeiro Pouso.

— Mas alienigenas. suponha, apenas suponha, que se trate de A prefeita suspirou, julgava que a tese tinha morrido de exaustao ha seculos.

— Nao existem alienigenas — disse ela com firmeza.

— Pelo menos nenhum com inteligencia suficiente para viajar pelas estrelas. E claro que nunca poderemos ter cem por cento de certeza, mas a Terra pesquisou durante mil anos com todos os instrumentos concebiveis.

— Existe outra possibilidade — disse Mirissa, que estava de pe junto com Brant e Kumar no fundo da sala. Todas as cabecas se

voltaram em direcao a ela, o que deixou Brant ligeiramente aborrecido. A despeito de seu amor por Mirissa, havia ocasioes em que desejava que ela nao fosse tao bem informada, e que a familia dela nao estivesse encarregada dos arquivos pelas ultimas cinco geracoes.

— Qual e, querida? Agora era a vez de Mirissa ficar aborrecida, embora ela escondesse muito bem sua irritacao. Nao gostava de ser tratada de modo condescendente por alguem que nao era de fato muito inteligente, embora fosse indubitavelmente astuta, ou talvez a palavra melhor fosse ardilosa. O fato de que a prefeita Waldron estivesse sempre olhando para Brant nao incomodava Mirissa, que apenas achava graca e chegava a sentir certa simpatia pela mulher mais velha.

— Pode ser outra semeadora robo, como aquela que trouxe os padroes geneticos de nossos ancestrais para Thalassa.

— Mas agora? Tao tarde? — Por que nao? Os primeiros semeadores so podiam atingir uma baixa porcentagem da velocidade da luz. A Terra continuou a aperfeicoalos ate ser destruida. Como os ultimos modelos eram quase dez vezes mais rapidos, os primeiros foram ultrapassados em coisa de um seculo. Assim muitos deles ainda devem estar a caminho. Nao concorda, Brant? Mirissa tinha sempre o cuidado de inclui-lo em qualquer debate, e se possivel fazer com que ele pensasse te-lo originado. Ela estava bem ciente dos sentimentos de inferioridade dele e nao desejava de modo algum aumenta-los. As vezes ser a pessoa mais inteligente de Tarna era algo um pouco solitario, embora ela se comunicasse frequentemente com meia duzia de seus iguais nas Tres Ilhas. Mas raramente desfrutava dos encontros pessoais que mesmo depois de todos estes milenios nenhuma tecnologia de comunicacoes pudera igualar.

— E uma ideia interessante — disse Brant.

— Voce pode estar certa.

— Embora Historia nao fosse o seu forte, Brant Falconer tinha o conhecimento tecnico a respeito da complexa cadeia de eventos que levara a colonizacao de Thalassa.

— E o que devemos fazer? — ele perguntou.

— Se for outra nave semeadora e ela tentar nos colonizar novamente? Diremos — muito obrigado, mas hoje nao? Houve alguns risinhos nervosos, entao o conselheiro Simmons observou pensativamente: — Tenho certeza de que saberiamos lidar com uma nave semeadora, se fossemos obrigados a faze-lo. E nao acham que os robos seriam suficientemente inteligentes para cancelar o programa ao verem que o trabalho ja esta feito? — Talvez, mas eles podem julgar-se capazes de fazer um servico melhor. De qualquer modo, seja uma reliquia da Terra ou um modelo recente de uma das colonias, deve ser um robo de algum tipo. Nao havia necessidade de entrar em detalhes, todos conheciam a fantastica dificuldade e o custo de um voo interestelar „tripulado”. Mesmo que fosse tecnicamente possivel, era de todo inutil. Robos poderiam fazer o trabalho mil vezes mais barato.

— Robo ou reliquia, o que vamos fazer com ela? — quis saber um dos moradores.

— Pode nao ser problema nosso — disse a prefeita.

— Parece que todos estao achando que a nave vai se dirigir para o Primeiro Pouso, mas por que deveria? Afinal, a Ilha do Norte e um local muito mais provavel. A prefeita ja havia sido desmentida outras vezes, mas nunca tao rapidamente. O som que cresceu no ceu de Tarna nao era um trovao distante, ecoando da ionosfera, mas o penetrante assovio de um jato em voo baixo. Todos correram para fora da sala do Conselho, numa pressa inconveniente, mas so os primeiros a sair tiveram tempo de ver uma asa delta rombuda eclipsando as estrelas enquanto se dirigia intencionalmente para o local ainda sagrado como o ultimo elo com a Terra. A prefeita Waldron parou brevemente para entrar em contato com a Central e em seguida se reuniu aos outros, aglomerados do lado de fora.

— Brant, voce pode chegar la primeiro. Pegue o aviao. O engenheiro mecanico-chefe de Tarna piscou os olhos. Era a primeira vez que recebia uma ordem tao direta da prefeita. Entao ele pareceu um tanto envergonhado.

— Um coco furou uma das asas ha dois dias e eu nao tive tempo de consertar devido ao problema com as armadilhas para peixes. De qualquer forma ele nao esta equipado para voo noturno. A prefeita lancou-lhe um olhar severo.

— Espero que meu sarcasticamente. carro esteja funcionando — disse — E claro — respondeu Brant com a voz magoada.

— Abastecido e pronto para seguir. Era fora do comum que o carro da prefeita fosse a algum lugar. Era possivel caminhar por toda a extensao de Tarna em vinte minutos e todo o transporte local de comida e equipamento podia ser confiado aos pequenos carros de andar na areia. Em setenta anos de servico oficial o carro tinha rodado menos de cem mil quilometros e, descontando-se a possibilidade de acidentes, ainda estaria funcionando bem durante pelo menos mais um seculo. Os lassanianos tinham experimentado, com bom humor, a maioria dos pecados, mas a obsolescencia planejada e o consumismo nao estavam entre eles. Ninguem teria imaginado que o veiculo fosse mais velho do que qualquer um dos passageiros, quando ele iniciou a mais historica jornada que jamais faria.

4. TOCSIN

Ninguem ouviu o primeiro toque do sino do funeral da Terra — nem mesmo os cientistas que haviam feito a descoberta fatal no subsolo profundo de uma mina de ouro abandonada no Colorado.

Era uma experiencia ousada, totalmente inconcebivel antes da segunda metade do seculo XX. Uma vez detectado o neutrino, era facil perceber que a humanidade logo teria uma nova janela para o universo. Uma coisa tao penetrante, que passava atraves de um planeta com a facilidade da luz atravessando uma placa de vidro, podia ser usada para olhar no coracao dos sois.

Especialmente o Sol. Os astronomos acreditavam compreender as reacoes que moviam a fornalha solar, da qual toda a vida na Terra dependia, em ultima analise. Nas enormes pressoes e temperaturas que corriam no nucleo do Sol, o hidrogenio se fundia em helio numa serie de reacoes que liberavam vasta quantidade de energia. E, incidentalmente, neutrinos como subproduto. Como os trilhoes de toneladas de materia em seu caminho nao constituiam maior obstaculo do que um fio de fumaca, estes neutrinos solares fugiam de seu berco a velocidade da luz. Apenas dois segundos depois eles emergiam no espaco e se dispersavam no universo. E por mais planetas ou estrelas que encontrassem, a maioria ainda teria escapado a captura por qualquer fantasma pouco substancial de materia „solida”, quando o proprio Tempo chegasse ao seu final.

Oito minutos depois de deixarem o Sol, uma minuscula fracao da torrente solar atravessou a Terra e uma fracao ainda menor foi interceptada pelos cientistas no Colorado. Eles tinham enterrado seu equipamento a mais de um quilometro de profundidade, de modo que todas as formas de radiacao, com poder inferior de penetracao, seriam filtradas e poderiam prender os raros e genuinos mensageiros do interior do Sol. Contando os neutrinos capturados, eles esperavam estudar em detalhes as condicoes de um local que, como qualquer filosofo teria provado, estava para sempre barrado ao conhecimento ou a observacao humana. O experimento funcionou e os neutrinos solares foram detectados.

Entretanto eles eram muito poucos. Devia ter havido tres ou quatro vezes mais do que a macica instrumentacao conseguiu capturar.

Certamente alguma coisa estava errada e durante a decada de 1970 °Caso dos Neutrinos Perdidos chegou

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