hidrogenio, eles descobriram que alguma coisa muito estranha acontecia quando o eletron solitario orbitava o nucleo. Longe de viajar numa curva perfeita ele se comportava como se estivesse sendo sacudido por ondas incessantes numa escala submicroscopica. Embora fosse dificil compreender tal conceito, existiam flutuacoes no proprio vacuo.

Desde o tempo dos gregos, os filosofos se dividiam em duas escolas. A daqueles que acreditavam que o funcionamento da Natureza ocorria de modo uniforme e a dos que argumentavam ser isso uma ilusao, e que tudo acontecia, na realidade, sob a forma de discretos pulos ou solavancos, pequenos demais para serem percebidos na vida diaria. O estabelecimento da teoria atomica constituiu um triunfo para a segunda escola de pensamento, e quando a Teoria Quantica de Planck demonstrou que mesmo a luz e a energia vinham em pequenos pacotes, e nao em fluxos continuos, a discussao ficou decidida.

Em ultima analise, o mundo natural era granulado, descontinuo. E mesmo que a olho nu uma cachoeira e a queda de um monte de tijolos parecessem muito diferentes, ambas as situacoes era identicas. O pequeninos „tijolos” de H2O eram muito pequenos para serem vistos sem o auxilio de instrumentos, mas podiam ser facilmente visualizados com as ferramentas dos fisicos.

E agora a analise ia mais um passo a frente. O que tornava a estrutura granular do espaco tao dificil de ser percebida nao era apenas sua escala submicroscopica, mas a sua total violencia. Ninguem poderia realmente imaginar um milionesimo de centimetro, mas pelo menos o numero em si, a ordem de grandeza de um milhao nao era algo desconhecido em certas atividades humanas, como estatisticas de populacao e orcamentos. Dizer que sao necessarios um milhao de virus para abranger a distancia de um centimetro ja transmite algum significado a mente. Mas um bilionesimo de centimetro, que era comparavel ao tamanho do eletron, ja constituia alguma coisa muito alem da capacidade de compreensao. Podia, talvez, ser percebido com a razao, mas nao emocionalmente.

E, no entanto, a escala dos acontecimentos na estrutura do espaco era inacreditavelmente menor do que essa — a tal ponto que, em comparacao, uma formiga e um elefante teriam virtualmente o mesmo tamanho. Se alguem a imaginasse como uma massa de espuma borbulhante (algo enganoso, mas um primeiro passo em direcao a verdade), entao essas bolhas seriam…

… um milesimo de um milionesimo de um milionesimo de um milionesimo de um milionesimo de um milionesimo….. de um centimetro de diametro.

E agora imagine essas bolhas estourando continuamente, com energias comparaveis as das bombas nucleares, e entao reabsorvendo essa energia e cuspindo-a de novo, e assim sucessivamente, por toda a eternidade. Esta, numa simplificacao grosseira, foi a imagem desenvolvida para a estrutura fundamental do espaco por alguns fisicos do final do seculo XX. Que tais energias intrinsecas pudessem um dia ser aproveitadas parecia algo completamente ridiculo naquela epoca.

Havia surgido, algumas geracoes antes, a ideia de liberar as forcas recem descobertas no nucleo do atomo. No entanto, isso acontecera em menos de meio seculo. Dominar as „flutuacoes quanticas” que guardavam as energias do proprio espaco seria uma tarefa mais dificil em muitas ordens de magnitude, mas o premio correspondente seria tambem muito maior.

Entre outras coisas, ela daria a humanidade a liberdade sobre o universo. Uma espaconave poderia ser acelerada praticamente para sempre, ja que ela nao necessitaria mais de qualquer combustivel. O unico limite pratico de velocidade seria, paradoxalmente, aquele enfrentado pelos primeiros avioes, ou seja, a friccao provocada pela atmosfera a sua volta. O espaco entre as estrelas continha quantidades apreciaveis de hidrogenio e outros atomos, o que comecaria a criar problemas bem antes de se atingir o limite final representado pela velocidade da luz.

A propulsao quantica poderia ter-se tornado realidade em qualquer data apos o ano 2500 e, se assim fosse, a historia da raca humana teria sido totalmente diferente. Infelizmente, como acontecera muitas vezes antes no oscilante progresso da ciencia, observacoes erradas e teorias incorretas retardaram o salto final durante quase mil anos.

Os seculos febris dos Ultimos Dias produziram muita arte brilhante, embora frequentemente de natureza decadente, mas muito pouco conhecimento que fosse de fato novo. Alem disso, nessa altura o longo registro de fracassos tinha convencido quase todo mundo de que o aproveitamento das energias armazenadas no espaco, assim como o moto-perpetuo, era algo impossivel mesmo em teoria, e mais ainda na pratica.

Entretanto, tal qual o moto-perpetuo, ainda nao se provara que era impossivel, e ate que isso fosse demonstrado sem margem de duvida, ainda restaria alguma esperanca.

Apenas 150 anos antes do fim, um grupo de fisicos em Lagrange Um, um satelite de pesquisas em gravidade zero, anunciou que tal prova fora encontrada. Existiam razoes fundamentais pelas quais as imensas energias do superespaco, ainda que fossem bem reais, nunca poderiam ser aproveitadas. Ninguem estava absolutamente interessado no esclarecimento desse beco escuro e sem saida da ciencia.

Um ano depois, um pigarro de embaraco escapou de Lagrange Um: um pequeno erro fora encontrado na prova. Era o tipo de coisa que acontecera com frequencia no passado, embora nunca com implicacoes tao fantasticas.

Um sinal de menos fora acidentalmente convertido num sinal de mais. E, instantaneamente, o mundo inteiro havia mudado. A estrada para as estrelas se abria, cinco minutos antes da meia-noite. (N. do T. Clarke aqui faz uma referencia ao relogio dos teoricos do apocalipse nuclear, no qual meia-noite representa o fim do mundo.)

III–ILHA DO SUL

10. PRIMEIRO CONTATO

„Talvez eu devesse ter feito uma abordagem mais suave”, pensou Moises Kaldor, „todos eles pareciam em estado de choque. Todavia isto por si so ja era muito revelador. Mesmo que estas pessoas fossem tecnologicamente atrasadas (olhem so aquele carro!), elas devem perceber que somente um milagre de engenharia poderia ter-nos trazido da Terra a Thalassa. Primeiro, eles vao se perguntar como foi que nos conseguimos, e entao comecarao a se indagar por que.

Esta, de fato, foi a primeira pergunta que ocorreu a prefeita Waldron. Estes dois homens num pequeno veiculo eram obviamente apenas a vanguarda. La em cima, em orbita, deviam existir milhares.

E a populacao de Thalassa, gracas a regulamentos estritos, ja se encontrava a 90 % do ideal ecologico…

— Meu nome e Moises Kaldor — disse o mais velho dos dois visitantes.

— E este e o Tenente-comandante Loren Lorenson, assistente engenheiro-chefe na nave estelar Magalhaes. Pedimos desculpas por estes trajes-bolha. Voces devem compreender que eles se destinam a nossa mutua protecao. Embora estejamos em missao de paz, nossas bacterias podem agredir. „Que voz linda”, pensou a prefeita Waldron com razao. Ja tinha sido a voz mais conhecida de um mundo, consolando e as vezes provocando milhoes nas decadas antes do Fim.+++

O olhar inquieto da prefeita nao permaneceu, porem, muito tempo em Moises Kaldor. Ele tinha, obviamente, bem mais de sessenta anos, e era um pouco velho demais para ela. O homem mais jovem lhe agradara muito mais, embora ela duvidasse de que se acostumaria aquela palidez. Loren Lorenson (que nome charmoso!) tinha quase dois metros de altura, e seu cabelo era tao louro que chegava a ser prateado. Ele nao era tao robusto quanto Brant, mas era certamente mais belo. A prefeita Waldron julgava muito bem homens e mulheres e classificou Lorenson imediatamente. Nele havia inteligencia e determinacao, e ate mesmo certa dureza. Ela nao gostaria de te-lo como inimigo, mas estava muito interessada em te-lo como amigo. Ou coisa melhor… Ao mesmo tempo, nao duvidava que Kaldor fosse uma pessoa muito mais bonita. Em seu rosto e em sua

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