riscos desnecessarios. Talvez nao devesse dividir os seus homens em grupos tao pequenos, procurando cobrir um territorio tao vasto. Mas nunca esquecia os dias que passavam rapidos e os misterios que os rodeavam, ainda a espera de solucao. Crescia nele a certeza de que alguma coisa ia acontecer e de que seriam forcados a abandonar Rama antes mesmo de este chegar ao perielio — o momento da verdade, quando inevitavelmente teria de ocorrer qualquer mudanca de orbita.

— Escutem com atencao, Cubo, Roma, Londres… todo mundo — disse ele. — Quero que se comuniquem comigo de meia em meia hora durante a noite. De agora em diante devemos estar preparados para receber quaisquer visitantes a qualquer momento. Alguns deles podem ser perigosos, mas precisamos evitar incidentes a todo custo. Todos voces conhecem as nossas diretrizes nesse ponto.

Isto era bem verdade, e fazia mesmo parte do treinamento de todos ali — mas talvez nenhum deles tivesse acreditado que o tantas vezes debatido «contato fisico com seres inteligentes de outros mundos» ocorreria no seu tempo, e muito menos que eles proprios o experimentariam.

O treinamento era uma coisa; a realidade, outra; e ninguem podia ter certeza de que os velhos instintos humanos de autodefesa nao dominariam o campo numa emergencia. Contudo, era essencial fiar-se nas boas intencoes de toda entidade que encontrassem no interior de Rama, ate o ultimo momento possivel — e mesmo alem. O Comandante Norton nao queria ser lembrado pela Historia como o homem que desencadeara a primeira guerra interplanetaria.

Poucas horas depois as aranhas eram centenas e andavam por toda a planicie. Pelo telescopio podia-se ver que o continente meridional tambem estava infestado por elas — mas, ao que parecia, nao a ilha de Nova Iorque.

Ja nao prestavam atencao aos exploradores, e depois de algum tempo os exploradores passaram a prestar pouca atencao a elas — se bem que, por momentos, o Comandante Norton notasse um lampejo predatorio no olho de sua Medica-chefe. Tinha certeza de que nada lhe agradaria mais do que ver uma das aranhas ser vitima de um acidente infeliz, e nao a julgava incapaz de facilitar tal acontecimento no interesse da ciencia.

Todos estavam mais ou menos convencidos de que as aranhas nao podiam ser inteligentes; tinham o corpo pequeno demais para conter muita massa cerebral, e era mesmo dificil imaginar onde armazenavam tanta energia para movimentar-se. Seu comportamento era curiosamente propositado e coordenado; pareciam'andar por toda parte, mas nunca visitavam duas vezes o mesmo lugar. Norton tinha frequentemente a impressao de que andavam buscando alguma coisa; mas, fosse la o que fosse, nao pareciam te-la descoberto.

Iam ate o Cubo central, sempre desprezando as tres grandes escadarias. Era dificil explicar como conseguiam galgar as secoes verticais, mesmo numa gravidade quase nula; Laura supunha que estivessem munidas de discos de succao.

Foi entao que, com visivel deleite de sua parte, conseguiu o tao almejado especime. O Controle Central comunicou que uma aranha havia tombado da escarpa vertical e jazia no primeiro socalco, morta ou incapacitada. Laura foi da planicie ate la num tempo recorde que nunca seria batido.

Quando chegou na plataforma, descobriu que, a despeito da baixa velocidade do impacto, a criatura quebrara todas as suas patas. Ainda tinha os olhos abertos, mas nao reagia a nenhum estimulante externo. Laura achou que ate um cadaver humano fresco mostraria mais vida; assim que conseguiu levar a sua presa para dentro da Endeavour, comecou a trabalhar com o seu equipamento de dissecacao.

A aranha era tao fragil que por pouco nao se desfez em pedacos sem a cooperacao dela. Laura desarticulou as pernas, depois ocupou-se com a delicada carapaca, que se fendeu ao longo de tres circulos maximos e abriu-se como uma laranja descascada.

Apos alguns momentos de perfeita incredulidade — pois nao havia nada que pudesse reconhecer ou identificar — tirou cuidadosamente uma serie de fotografias, e por fim apanhou o seu escalpelo.

Por onde comecar? Teve vontade de fechar os olhos e cravar o instrumento ao acaso, mas isso seria muito pouco cientifico.

A lamina penetrou quase sem resistencia. Um segundo depois, o berro impublicavel da Medica-chefe Ernst foi refletido por todos os ecos da Endeavour.

34 SUA EXCELENCIA LASTIMA…

Como todos os senhores sabem — disse o Embaixador de Marte, — muita coisa aconteceu depois de nossa ultima reuniao. Temos muito que discutir… e decidir. Por isso, lamento particularmente que nosso colega de Mercurio nao esteja aqui hoje.

Esta ultima frase nao era bem veridica. O Dr. Bose nao lamentava particularmente a ausencia do Embaixador de Mercurio. Teria sido muito mais exato dizer que estava preocupado. Todos os seus instintos diplomaticos lhe diziam que algo estava acontecendo e, embora suas fontes de informacao fossem excelentes, nao tinha o menor indicio sobre o que pudesse ser.

A carta em que o Embaixador se desculpava era muito cortes e inteiramente incomunicativa. Sua Excelencia lastimava que assuntos urgentes e inevitaveis o impedissem de comparecer a reuniao, tanto em pessoa como por video. O Dr. Bose achava muito dificil imaginar coisa mais urgente — ou mais importante — do que Rama.

— Dois de nossos membros tem declaracoes a fazer. Eu gostaria de dar a palavra em primeiro lugar ao Professor Davidson.

Houve um zunzum alvorocado entre os outros cientistas integrantes do Comite. A maioria deles pensava que o astronomo, com o seu conhecido ponto de vista cosmico, nao era o homem mais indicado para ser Presidente do Conselho Consultivo Espacial. Dava, por vezes, a impressao de que as atividades da vida inteligente eram uma lamentavel irrelevancia no majestoso universo de estrelas e galaxias, e que era de mau gosto dar-lhes excessiva atencao. Isso nao lhe atraira as simpatias de exobiologistas como o Dr. Perera, que assumia a posicao diametralmente oposta.

Para esses, a unica finalidade do universo era produzir inteligencia, e costumavam referir-se com escarnio aos fenomenos puramente astronomicos. «Simples materia inanimada» era uma de suas expressoes favoritas.

— Senhor Embaixador — comecou o cientista, — estive analisando o singular comportamento de Rama nestes ultimos dias e desejaria apresentar minhas conclusoes. Algumas delas sao inquietantes.

O Dr. Perera pareceu surpreendido, depois um tanto enfatuado. Aprovava cordialmente tudo que inquietasse o Professor Davidson.

— Em primeiro lugar, houve a notavel serie de ocorrencias quando aquele jovem tenente voou para o hemisferio sul. Quanto as descargas eletricas em si, embora espetaculares, nao tem importancia; e facil demonstrar que continham relativamente pouca energia. Mas coincidiram com uma mudanca na velocidade de Rama e em sua atitude — isto e, sua orientacao no espaco. Isso sim, deve ter envolvido uma enorme quantidade de energia; as descargas que quase custaram a vida ao Sr… ha… Pak nao passavam de um pequeno subproduto — talvez incomodo, e que precisava ser minimizado por aqueles gigantescos para-raios do Polo Sul.

«De tudo isso tiro duas conclusoes. Quando uma espaconave — e como tal devemos considerar Rama a despeito de suas fantasticas dimensoes — quando uma espaconave faz uma mudanca de atitude geralmente significa que ela esta se preparando para uma mudanca de orbita. Devemos, portanto, levar muito a serio a opiniao daqueles que acreditam que Rama talvez traga o proposito de se converter num novo planeta do sistema solar em vez de voltar para as estrelas.

«Se isso for verdade, a Endeavour deve evidentemente estar pronta para largar (e este o termo que se usa para as espaconaves?) a qualquer momento. Pode ser que esteja correndo grave perigo enquanto continuar fisicamente ligada a Rama. Imagino que o Comandante Norton ja se tenha capacitado dessa possibilidade, mas acho que devemos enviar-lhe uma advertencia adicional.»

— Muito obrigado, Prof. Davidson. Pois nao, Dr. Solomons?

— Eu gostaria de fazer um comentario a esse respeito — disse o historiador da Ciencia. — Rama parece ter feito uma mudanca de rotacao sem usar jatos ou dispositivos de reacao. Isso so deixa duas possibilidades, segundo me parece.

«A primeira e que tenha giroscopios internos, ou um equivalente. Devem ser enormes; onde estao?

«A segunda possibilidade, que subverteria toda a nossa Fisica, e que ele tenha um sistema de propulsao

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