nem que me pagassem em ouro!

— Depressa te aborrecerias, Adriana — disse Ricardo.

— Quem se habitua a viver na cidade ja nao pode viver na provincia.

— Voces estao enganados! — disse eu. — Gostaria bem de viver aqui… com alguem que gostasse de mim… Quatro quartos, uma trepadeira, quatro anelas… De nada mais precisava.

Eu falava sinceramente, porque me via ja com Gino nesta simples casita de Viterbo.

— Que diz? — perguntei dirigindo-me a Astarito.

— Consigo tambem la viveria! — disse-me a meia voz para que os outros nao o ouvissem.

— O teu defeito, Adriana, e seres demasiadamente modesta… Na vida, quando nao se deseja muito, nada se consegue!

— Mas eu nada quero… — respondi.

— Nada, entao? Nem casar com o Gino? — perguntou Ricardo.

— Isso sim!

Comecava a fazer-se tarde; as ruas iam ficando desertas; entramos num restaurante. A sala do res-do- chao estava cheia, principalmente com aldeoes de fatos domingueiros, que a circunstancia de ser dia de feira tinha trazido a Viterbo.

Gisela ficou de mau humor e disse que o cheiro que havia ali lhe fazia faltar o ar e perguntou ao patrao se nao podiamos comer no andar superior. O patrao disse que sim, que era possivel e, precedendo-nos, fez-nos subir uma escadinha de madeira e entrar numa sala estreita e comprida com uma so janela, que dava para um beco. Abriu as persianas e fechou a janela. Depois estendeu a toalha numa mesa rustica que ocupava a maior parte da sala. Lembro-me de que as paredes eram cobertas por um velho papel fora de moda, rasgado em varios sitios, com flores e passaros, e que do outro lado da mesa havia um pequeno armario envidracado cheio de pratos.

Enquanto isto se passava, Gisela girava pela sala examinando tudo, espreitando ate o beco pela janela. Acabou por abrir uma porta que parecia dar acesso a outra sala. Depois de lhe deitar uma olhadela, dirigindo-se ao dono da casa, perguntou com um ar natural o que vinha a ser aquela outra sala.

— E um quarto — respondeu o proprietario. — Se alguem quiser descansar depois do almoco…

— Nos havemos de ir, hem, Gisela?! — disse Ricardo com o seu risinho parvo.

Gisela fingiu nao percebeu. Olhou mais uma vez o quarto e puxou a porta com cuidado sem no entanto a tornar a fechar. Ver uma sala de jantar tao pequenina e tao intima agradou-me e tambem fingi nao reparar para a porta aberta nem tao-pouco para o olhar de cumplicidade que julguei surpreender entre Gisela e Astarito. Tomamos os nossos lugares a mesa; sentei-me ao lado de Astarito, como lhe tinha prometido, mas ele nem sequer deu por isso: parecia tao preocupado que nem podia falar. Passado um momento, o hoteleiro trouxe os acepipes e o vinho. Eu tinha muita fome, atirei-me ao almoco com tal sofreguidao que todos comecaram a rir. Gisela aproveitou a ocasiao para me arreliar; como de costume, a proposito do meu casamento.

— Come! Come! — recomendava-me ela. — Nao e com o Gino que tu comeras tanto nem tao bem!

— Porque? — disse eu. — Gino ganha muito bem a sua vida!

— Sim… mas voces comerao todos os dias feijao.

— Os feijoes sao tao bons como qualquer outra coisa! — disse Ricardo rindo. — Vou mandar vir um prato deles para nos!

— Es uma idiota, Adriana! — continuou Gisela. — Tu precisas de um homem de meios, serio, arrumado, que pense em ti e nada te negue que te permita realcar a tua beleza. E afinal enrolaste-te com o Gino!

Nao respondi. De cabeca baixa, continuava a comer. Ricardo observava, rindo:

— Eu, no lugar de Adriana, a nada renunciaria… nem ao Gino, visto que e dele que gosta tanto, nem ao homem serio. Ficaria com os dois… E talvez ate que o Gino nao achasse mal!

— Ah! Isso nao! Se ele soubesse que eu tinha dado hoje este passeio com voces era o bastante para romper o noivado!

— E porque? — perguntou Gisela, irritada.

— Porque ele nao gosta que eu ande contigo!

— Porco, nojento, ordinario! Reles pobretao! — gritou Gisela com raiva. — Gostaria realmente de experimentar procura-lo e dizer-lhe: a Adriana continua a dar-se comigo. Hoje passamos todo o dia juntas. Anda, vai romper o noivado!

— Nao! Nao! — replicava eu, apavorada. — Nao faras isso!

— Era uma sorte para ti!

— Seria… mas nao o facas! — pedi de novo. — Se es um pouco minha amiga, nao o lacas!

Durante toda esta conversa, Astarito nao disse palavra, nem sequer comeu. Tinha os olhos constantemente fixos em mim e o seu olhar, carregado de intencoes, grave e desesperado, incomodava-me mais do que eu queria. Desejaria pedir-lhe que nao me olhasse daquela maneira, mas temia a troca de Gisela e de Ricardo. Foi pelo mesmo motivo que nao tive coragem de protestar quando Astarito, aproveitando o momento em que pousei a minha mao esquerda sobre o banco, a apertou na sua com forca, obrigando-me a comer so com a direita. Fiz mal, porque de repente Gisela gritou, rindo:

— Em palavras es muito fiel ao Gino, mas em accoes. Julgas que nao vos vejo, a ti e ao Astarito, de maos dadas debaixo da mesa?

Corei, atrapalhada, e tentei libertar a minha mao. Mas Astarito reteve-a fortemente e Ricardo interveio:

— Deixa-os sossegados! Que mal e que isso tem? Eles estao de maos dadas, pronto! O que temos a fazer e imita-los!

— Disse isto por brincadeira! Pelo contrario — declarou Gisela —, estou ate bem contente!

Quando acabamos de comer o primeiro prato, fizeram-nos esperar muito tempo pelo segundo. Gisela e Ricardo nao paravam de rir e de brincar, bebendo e fazendo-me beber. O vinho era tinto; era bom mas muito forte e subia depressa a cabeca. Eu gostava deste gosto do vinho, quente e picante; estava embriagada, mas tinha a impressao de nao o estar e de poder beber indefinidamente. Astarito apertava-me a mao, grave e sombrio, e eu ja nao me revoltava. Dizia a mim mesma que afinal de contas nao havia mal em lhe dar um aperto de mao! Por cima da porta havia uma estampa com uma varanda florida de rosas e um homem e uma mulher vestidos com fatos de ha cinquenta anos que se beijavam de uma maneira complicada. Gisela reparou na estampa e confessou que nao compreendia como aqueles dois conseguiam beijar-se naquela posicao.

— Vamos a ver se os conseguimos imitar? — propos a Ricardo. — Tentemos!

Ricardo levantou-se rindo e pos-se a imitar o homem do cromo, enquanto Gisela, tambem a rir, se debrucava sobre a mesa como a mulher da litografia sobre a florida varanda. Conseguiram unir as bocas ao fim de grandes esforcos, mas pouco faltou para perderem o equilibrio e tombarem os dois em cima da mesa. Gisela, excitada com a brincadeira, gritava:

— Agora e a vossa vez!

— Porque? — perguntei, alarmada. — A que proposito?

— Sim, sim. Experimentem!

Senti que Astarito me passava o braco em torno da cintura e tentei desembaracar-me declarando:

— Mas eu nao quero!

— Oh! Como tu es aborrecida! — gritava-me Gisela. E uma brincadeira! Uma simples brincadeira!

— Mas eu nao quero — repeti.

Ricardo ria e ajudava-a excitando Astarito.

— Astarito, se nao a beijas, nao es homem!

Mas Astarito estava serio. Quase me fazia medo. Era bem claro que para ele isto nao era apenas uma brincadeira.

— Voces vao deixar-me em paz — disse eu, voltando-me para ele.

Astarito olhava para mim e depois para Gisela com ar interrogativo, como se esperasse um encorajamento.

— Coragem, Astarito — gritou-lhe Gisela.

Ela parecia mais encarnicada do que ele de uma maneira que eu sentia obscuramente cruel e impiedosa.

Astarito apertou-me com mais forca pela cintura e puxou-me para ele; agora ja nao era a brincadeira que

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