Cambridge, Massachusetts, e outra ainda mais velha em Cambridge, Inglaterra. Mas quando o fim se aproximou, eu e Evelyn nos tornamos mais e mais envolvidos com os problemas sociais imediatos, e no planejamento do Exodo Final. Parecia que tinha certo talento para a oratoria e podia ajudar as pessoas a enfrentarem o futuro que lhes restava. E no entanto nunca pude acreditar realmente que o Fim aconteceria em nossa epoca, e quem poderia? E se alguem me tivesse dito que eu devia deixar a Terra e tudo que amava… A emocao contraiu-lhe o rosto e Mirissa esperou, num silencio solidario, ate que ele recuperasse a serenidade. Havia tantas perguntas que ela desejava fazer, perguntas que levariam uma vida inteira para serem respondidas. E ela so tinha um ano antes que a Magalhaes partisse uma vez mais para as estrelas.

— Quando me disseram que eu era necessario, usei todas as minhas habilidades filosoficas e de argumentacao para provar que eles estavam errados. Eu estava muito velho, todo o conhecimento que eu tinha encontrava-se armazenado nos bancos de memorias, outros homens poderiam fazer um trabalho melhor… tudo que eu podia imaginar, exceto a verdadeira razao. E, no final, Evelyn fez com que eu me decidisse. E verdade, Mirissa, em certas coisas as mulheres sao mais fortes que os homens, mas por que eu estou lhe dizendo isso? „Eles precisam de voce” — dizia a ultima mensagem que recebi dela.

— „Nos passamos quarenta anos juntos e agora so resta um mes. Va com o meu amor e nao tente me encontrar.” E eu jamais saberei se ela viu o fim da Terra como eu vi, quando estavamos deixando o Sistema Solar.

25. SCORP

Ele ja tinha visto Brant despido, quando fizeram aquele memoravel passeio de barco, mas nunca percebera o fisico formidavel que o jovem tinha. Embora Loren sempre cuidasse muito bem de seu corpo, tivera poucas oportunidades para praticar esportes ou exercicios antes de deixar a Terra. Brant, contudo, estivera provavelmente envolvido em atividade fisica pesada todos os dias de sua vida. Loren nao teria absolutamente nenhuma chance contra ele, a menos que pudesse recorrer a uma daquelas famosas artes marciais da velha Terra, nenhuma das quais ele jamais conhecera. A coisa toda era simplesmente ridicula. La estavam os seus colegas oficiais sorrindo com suas estupidas faces a mostra. La estava o comandante Bey segurando um cronometro. E la estava Mirissa com uma expressao que so podia ser descrita como afetada…

— … dois… um… zero… Ja! — disse o comandante.

Brant moveuse como uma cobra dando o bote. Loren tentou evitar a arremetida mas descobriu horrorizado que nao tinha controle algum sobre seu corpo. O tempo pareceu passar mais devagar… suas pernas nao lhe obedeciam, pareciam feitas de chumbo…

Ele estava a ponto de perder nao apenas Mirissa, mas a sua masculinidade…

Neste ponto, felizmente, ele acordou, mas o sonho ainda o incomodava. Suas origens eram obvias, mas isto nao o tornava menos perturbador. Pensou se deveria ou nao conta-lo a Mirissa. Certamente nunca poderia conta- lo a Brant, que ainda parecia cordial, mas cuja companhia ele achava agora embaracosa.

Hoje, entretanto, ele positivamente desejava tal companhia, porque, se estivesse certo, eles se veriam confrontados com algo muito superior aos seus proprios sentimentos pessoais. Nao aguentava mais esperar para ver a reacao dele, quando Brant encontrasse o visitante inesperado que havia chegado durante a noite. O canal revestido de concreto que trazia a agua do mar para a usina congeladora tinha cem metros de comprimento e terminava num tanque circular, contendo agua apenas suficiente para formar um floco de neve. Ja que o gelo puro era um material indiferente para construcao, era necessario reforca-lo usando longos fios de alga da Grande Pradaria, que criavam um reforco barato e conveniente. O composto congelado tinha o apelido de „gelocreto” e era garantido que nao alagaria a maneira dos glaciares, durante as semanas e os meses da aceleracao da Magalhaes.

— La esta ele — mostrou Loren ao lado de Brant Falconer, indicando a extremidade do tanque e olhando atraves de uma falha no tapete de vegetacao marinha. A criatura

comendo as algas tinha a constituicao e a forma basicas de uma lagosta terrestre, e no entanto era duas vezes maior que um homem.

— Ja viu alguma coisa assim antes? — Nao — respondeu Brant convicto.

— E nao me arrependo nem um pouco. Que monstro! Como foi que o pegaram? — Nos nao pegamos. Ele nadou, ou se arrastou, desde o mar, ao longo do canal. Entao encontrou a alga e resolveu almocar de graca.

— Nao e de admirar que tenha pincas daquele tamanho. Aquelas hastes sao realmente duras.

— Bem, pelo menos ele e vegetariano.

— Nao sei se gostaria de verificar isso.

— Eu esperava que pudesse nos dizer algo a respeito.

— Nao conhecemos nem um centesimo das criaturas que habitam os mares lassanianos. Algum dia construiremos submarinos de pesquisa e desceremos em aguas profundas. Mas existem muitas prioridades e pouca gente interessada. „Logo vai ter”, pensou Lorenson amargamente. „Vamos ver quanto tempo Brant leva para perceber por si mesmo.” — A cientista Varley esta verificando os arquivos. Ela me disse que houve alguma coisa muito semelhante na Terra, milhoes de anos atras. E os paleontologos lhe deram um bom nome. Escorpiao do mar. Aqueles oceanos antigos deviam ser lugares excitantes.

— E bem o tipo de coisa que Kumar gostaria de cacar — comentou Brant.

— O que vai fazer com ele? — Estuda-lo e depois deixar que va embora.

— Vejo que ja o marcaram. „Entao Brant reparou nisso”, pensou. „Bom para ele…” — Nao, nos nao o marcamos. Olhe com mais atencao. Havia uma expressao intrigada no rosto de Brant enquanto ele se ajoelhava no lado do tanque. O escorpiao gigante o ignorou completamente, continuando a arrancar pedacos de alga com suas formidaveis pincas. Uma daquelas pincas nao era como a natureza a tinha projetado. Na articulacao da garra direita havia um laco de arame enrolado varias vezes como um tosco bracelete. Brant reconheceu aquele fio e seu queixo caiu. Por um momento ele ficou sem palavras.

— Entao voce compreendeu — disse Lorenson.

— Agora sabe o que aconteceu a sua armadilha de peixes. Eu acho melhor falarmos com Varley de novo, para nao mencionar seus proprios cientistas.

— Eu sou uma astronoma — protestara Anne Varley, de seu gabinete a bordo da Magalhaes.

— O que voces precisam e de uma combinacao de zoologo, paleontologo e etologo, para nao mencionar algumas outras disciplinas. Mas eu fiz o melhor que podia para estabelecer um programa de buscas e voces vao encontrar o resultado em seu Banco 2, sob a denominacao SCORP. Agora, tudo que precisam e pesquisar isso, e desejo-lhes boa sorte. A despeito de sua afirmacao, a Dra. Varley fizera seu trabalho geralmente eficiente de peneirar atraves do deposito quase infinito de conhecimentos nos bancos de memoria principais da nave. Um padrao comecava a emergir, enquanto a fonte de toda essa atencao se alimentava pacificamente no tanque, sem reparar no continuo fluxo de visitantes que chegavam para estuda-lo ou meramente olhar, boquiabertos. A despeito da aparencia aterrorizante daquelas pincas de quase um metro de comprimento, que pareciam capazes de arrancar a cabeca de um homem com um unico golpe, a criatura nao parecia agressiva. Nao fazia nenhum esforco para escapar, talvez por ter encontrado uma fonte tao abundante de comida. Acreditava-se, de modo geral, que algum residuo quimico da agua a atraira para la. Se era capaz de nadar, nao demonstrava inclinacao para faze-lo, contentando-se em se arrastar com suas seis pernas atarracadas. O corpo de quatro metros encontrava-se embalado num exoesqueleto de cor viva, articulado para proporcionar-lhe uma surpreendente flexibilidade. Outro detalhe extraordinario era a borda de palpos ou pequenos tentaculos circundando a boca em forma de bico. Eles tinham uma semelhanca extraordinaria, desagradavel mesmo, com dedos humanos curtos, e pareciam igualmente habeis. Embora sua funcao principal fosse manejar a comida, eram evidentemente capazes de fazer muito mais que isso, e era fascinante observar como o scorp os usava em conjunto com suas garras. De seus dois pares de olhos, o maior parecia destinado a visao sob luz reduzida, ja que durante o dia mantinham-se fechados.

O conjunto devia proporcionar-lhe uma visao excelente. A criatura estava, portanto, equipada para observar e manipular seu ambiente, o primeiro requisito para a inteligencia. E no entanto ninguem teria suspeitado da existencia de inteligencia em uma criatura tao bizarra, nao fosse o fio enrolado intencionalmente em torno da

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