as dimensoes de um escandalo cientifico. Equipamentos foram verificados e reverificados, teorias foram reexaminadas e a experiencia refeita duzias de vezes sempre com os mesmos resultados frustrantes.

Por volta do final do seculo XX, os astrofisicos foram forcados a aceitar uma conclusao perturbadora — embora ninguem percebesse ainda suas verdadeiras implicacoes.

Nao havia nada errado com a teoria ou o equipamento. O problema estava no interior do Sol.

O primeiro encontro secreto na historia da Uniao Astronomica Internacional teve lugar em 2008 na localidade de Aspen, no Colorado, nao muito distante do cenario da experiencia original que, a esta altura, ja tinha sido repetida em uma duzia de paises. Uma semana depois, o Boletim Especial da UAI 55/08, levando o titulo deliberadamente obscuro de „Algumas Notas a Respeito das Reacoes Solares”, encontrava-se nas maos de todos os governos da Terra. Poder-se-ia supor que, a medida que a noticia transpirasse lentamente, o anuncio do Fim do Mundo viesse a provocar certo panico. Na verdade, a reacao geral foi de um silencio espantado seguido de um dar de ombros e uma volta aos negocios banais de todos os dias.

Poucos governos conseguiam ver o futuro alem das proximas eleicoes, poucos individuos alem do tempo de vida de seus netos. E de qualquer forma os astronomos poderiam estar enganados.

Mesmo que a humanidade estivesse sob uma sentenca de morte, a data da execucao ainda se encontrava indefinida. O Sol nao iria explodir antes de pelo menos mil anos, e quem iria chorar pela quadragesima geracao?

5. PASSEIO NOTURNO

Nenhuma das duas luas tinha se elevado quando o carro partiu ao longo da mais famosa estrada de Tarna levando Brant, a prefeita Waldron, o conselheiro Simmons e dois moradores importantes da vila. Embora dirigisse com sua tranquilidade normal, Brant ainda estava irritado com a repreensao da prefeita. E o fato de que o braco gordo dela tivesse repousado acidentalmente sobre seus ombros nus nao contribuia para melhorar a situacao.

Todavia, a beleza pacifica da noite e o ritmo hipnotico das palmeiras passando rapidamente atraves do leque de luz lancado pelo carro restauraram-lhe rapidamente o bom humor. Como permitir que sentimentos pessoais tao mesquinhos atrapalhassem uma ocasiao tao historica quanto esta?

Em dez minutos eles se encontrariam no Primeiro Pouso, local onde sua historia tinha principiado. O que estaria esperando por eles naquele local? So uma coisa era certa: o visitante se dirigia para o radiofarol, ainda operante, da ancestral nave semeadora. Sabia onde procurar e, portanto, devia pertencer a alguma outra colonia humana neste setor do espaco. Por outro lado Brant se sentiu subitamente perturbado por um pensamento. Qualquer um, qualquer coisa, podia ter detectado aquele radiofarol sinalizando a todo o universo que a inteligencia algum dia passara por este caminho. Lembrou-se entao de que anos atras houvera um movimento em favor do desligamento do farol, sob a alegacao de que nao servia a nenhum proposito util, e poderia, concebivelmente, causar danos. A mocao fora rejeitada por uma margem estreita de votos, por razoes mais sentimentais e emocionais do que logicas. Thalassa poderia arrepender-se logo de tal decisao, mas agora era certamente muito tarde para fazer qualquer coisa a respeito.

O conselheiro Simmons, inclinando-se contra o assento traseiro, falava baixinho com a prefeita.

— Helga — disse ele (e foi a primeira vez que Brant ouvia-o usar o primeiro nome da prefeita) —, voce acha que ainda seremos capazes de nos comunicar? A linguagem dos robos evoluiu muito rapidamente, voce sabe. A prefeita Waldron nao sabia, mas disfarcava muito bem sua ignorancia.

— Este e o ultimo dos nossos problemas. Vamos esperar ate que ele apareca. Brant, voce poderia andar mais devagar? Eu gostaria de chegar la viva. Sua atual velocidade era perfeitamente segura naquela estrada familiar, mas Brant obedientemente reduziu para quarenta cliques. Ele se perguntou se a prefeita nao estaria tentando adiar a confrontacao. Tratava-se de uma responsabilidade espantosa enfrentar a segunda espaconave vinda de fora que chegava na historia deste planeta. Thalassa inteira estaria observando.

— Krakan! — praguejou um dos passageiros no assento de tras.

— Alguem trouxe uma camara? — Muito tarde para voltar — respondeu o conselheiro Simmons.

— De qualquer maneira, havera muito tempo para fotografias. Eu nao creio que eles decolem logo depois de dizer „alo!”. Havia uma certa histeria contida na voz dele, e Brant dificilmente poderia culpa-lo. Quem poderia dizer o que os esperava alem da curva da proxima colina?

— Vou chamar assim que houver alguma coisa para relatar, senhor presidente — disse a prefeita Waldron no radio do carro.

Brant nem tinha notado a chamada, perdido demais em seus devaneios. Pela primeira vez em sua vida arrependia-se de nao ter estudado um pouco mais de historia. E claro que conhecia bem os dados basicos, toda crianca em Thalassa crescia ouvindo-os. Sabia que a medida que os seculos passavam, implacavelmente o diagnostico dos astronomos se tornava mais certo, a data da previsao cada vez mais precisa. No ano 3600, com uma margem de erro de 75 anos, o Sol se transformaria numa nova — nao muito espetacular, mas suficientemente grande.

Um filosofo antigo observara certa vez que nada acalma mais a mente do homem do que o conhecimento de que vai ser enforcado na manha seguinte. Alguma coisa desse genero aconteceu com toda a raca humana durante os primeiros anos do Quarto Milenio. Se houve um momento em que a humanidade enfrentou a verdade com resignacao e determinacao, foi na meia-noite de dezembro, quando o ano de 2999 passou a 3000. Ninguem que visse o primeiro „3” aparecer se esqueceria de que nunca ia haver um „4”.

E, no entanto, mais de meio milenio ainda restava e muito poderia ser feito pelas trinta geracoes que ainda viveriam e morreriam na Terra, como seus ancestrais haviam feito. Poderiam no minimo preservar o conhecimento da raca e as maiores criacoes da arte humana. Mesmo na aurora da era espacial, as primeiras sondas-robos a deixarem o Sistema Solar ja carregavam gravacoes de musica, mensagens e imagens para o caso de serem encontradas por outros exploradores do Cosmos. E embora nenhum indicio de civilizacoes alienigenas tivesse sido detectado na galaxia-patria, ate mesmo os mais pessimistas acreditavam que a inteligencia deveria ocorrer em algum outro lugar, nos bilhoes de universos-ilhas que se estendiam ate onde os mais poderosos telescopios podiam enxergar.

Durante seculos, terabite sobre terabite de cultura e conhecimento humano foram irradiados na direcao da galaxia de Andromeda e de suas vizinhas mais distantes. Ninguem, e claro, nunca viria a saber se os sinais seriam captados e, caso o fossem, se poderiam ser interpretados. Mas a motivacao era do tipo que a maioria dos homens poderia compartilhar: era o impulso de deixar alguma ultima mensagem, algum sinal dizendo „Olhem, eu tambem ja vivi!”

Por volta do ano 3000 os astronomos acreditavam que seus gigantescos telescopios tinham detectado todos os sistemas planetarios num raio de quinhentos anos-luz do Sol. Duzias de mundos com aproximadamente o tamanho da Terra tinham sido detectados, e alguns dos mais proximos toscamente mapeados. Varios deles tinham atmosferas que exibiam aquela inconfundivel assinatura da vida: uma porcentagem de oxigenio anormalmente alta. Havia uma chance razoavel de que homens pudessem sobreviver la, se la pudessem chegar.

Os homens nao podiam, mas o Homem poderia.

As primeiras naves semeadoras eram primitivas, mas ainda assim forcaram a capacidade tecnologica ate os seus limites. Com os sistemas propulsores existentes em 2500 elas podiam alcancar os sistemas planetarios mais proximos em duzentos anos de viagem, carregando sua preciosa carga de embrioes congelados.

Mas esta era a mais simples de suas tarefas. Elas tambem tinham que transportar o equipamento automatico que reviveria e criaria esses humanos em potencial, ensinando a cada um deles como sobreviver num ambiente desconhecido e provavelmente hostil. Teria sido inutil e cruel despejar criancas nuas e ignorantes em mundos tao inamistosos quanto o Saara ou a Antartida. Elas teriam que ser educadas, teriam que receber ferramentas e aprender a localizar e utilizar os recursos naturais. Depois que tivessem pousado e a nave semeadora se transformasse numa nave-mae, ela teria que cuidar do produto de seu cultivo durante geracoes.

E nao apenas humanos tinham que ser transportados, mas uma biota completa. Plantas (embora ninguem

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