— O que e isso? Eu nao estou aqui porque sou louca! voces nao podem me tratar assim!

Conseguiu empurrar o enfermeiro, enquanto os outros internos gritavam e faziam uma algazarra que a deixou com medo. Sera que devia procurar o Dr. Igor, e ir embora imediatamente?

— Veronika!

Ele dissera de novo o seu nome. Num esforco sobre-humano, Eduard conseguiu livrar-se dos dois homens. Ao inves de sair correndo, ficou em pe, imovel, da mesma maneira que ficara na noite anterior. Como num passe de magica, todo mundo parou, esperando o proximo movimento.

Um dos enfermeiros tornou a aproximar-se, mas Eduard olhou-o, usando de novo toda a sua energia.

— Vou com voces. Ja sei onde estao me levando, e sei tambem que desejam que todos saibam. Esperem apenas um minuto.

O enfermeiro decidiu que valia a pena correr o risco; afinal de contas, tudo parecia haver voltado ao normal.

— Eu acho que voce...eu acho que voce e importante para mim — disse Eduard para Veronika .

— Voce nao pode falar. Voce nao vive neste mundo, nao sabe que eu me chamo Veronika. Voce nao esteve comigo ontem a noite, por favor, diga que nao esteve!

— Estive.

Ela pegou sua mao. Os loucos gritavam, aplaudiam, diziam coisas obscenas.

— Onde estao te levando?

— Para um tratamento.

— Eu vou com voce.

— Nao vale a pena. Voce vai ficar assustada, mesmo que eu lhe garanta que nao doi, nao se sente nada. E e muito melhor que os calmantes, porque a lucidez volta mais rapido.

Veronika nao sabia do que ele estava falando.

Arrependera-se de ter segurado sua mao, queria ir embora o mais rapido possivel, esconder sua vergonha, nunca mais ver aquele homem que presenciara o que havia de mais sordido nela — e mesmo assim continuava a trata-la com ternura.

Mas, de novo, lembrou-se das palavras de Mari: nao

precisava dar explicacoes de sua vida para ninguem, nem mesmo para o rapaz a sua frente.

— Eu vou com voce.

Os enfermeiros acharam que talvez fosse melhor assim: o esquizofrenico ja nao precisava ser dominado, estava indo por vontade propria.

Quando chegaram no dormitorio, Eduard deitou-se

voluntariamente na cama. Ja haviam mais dois homens esperando, com uma estranha maquina e uma bolsa com tiras de pano.

Eduard virou-se para Veronika, e pediu que sentasse na cama ao lado.

— Em alguns minutos, a historia vai correr por Villete inteira. E as pessoas ficarao calmas, porque mesmo mais furiosa das loucuras carrega sua dose de medo. So quem ja passou por isso, e que sabe que nao e tao terrivel assim.

Os enfermeiros escutaram a conversa, e nao acreditaram no que o esquizofrenico dizia. Devia doer muito — mas ninguem pode saber o que se passa na cabeca de um louco. A unica coisa que o rapaz dissera de sensato era sobre o medo: a historia correria por Villete, e a calma voltaria rapidamente.

— Voce se deitou antes da hora — disse um deles. Eduard levantou-se, e eles estenderam uma especie de

cobertor de borracha. «Agora sim, pode deitar»

Ele obedeceu. Estava tranquilo, como se tudo aquilo nao passasse de rotina.

Os enfermeiros amarraram algumas tiras de pano em torno do corpo de Eduard, e colocaram uma borracha em sua boca.

— E para que ele nao morda involuntariamente a lingua -disse um dos homens para Veronika, contente de dar uma informacao tecnica junto com uma advertencia.

Colocaram a estranha maquina — nao muito maior que uma caixa de sapatos, com alguns botoes e tres visores com ponteiros — numa cadeira ao lado da cama. Dois fios saiam da sua parte superior, e terminavam em algo parecido com fones de ouvido.

Um dos enfermeiros colocou os fones nas temporas de Eduard. O outro pareceu regular o mecanismo, torcendo alguns botoes, ora para a direita, ora para a esquerda. Embora nao podendo falar por causa da borracha na boca, Eduard mantinha seus olhos nos dela, e parecia dizer: «nao se preocupe, nao se assuste».

— Esta regulado para 130 volts em O.3 segundos — disse o enfermeiro que cuidava da maquina. — La vai.

Ele apertou um botao, e a maquina emitiu um zumbido. Neste mesmo momento, os olhos de Eduard ficaram vidrados, seu corpo retorceu-se na cama com tal furia que — se nao fosse pelas tiras de pano amarradas — teria partido a coluna.

— Parem com isso! gritou Veronika.

— Ja paramos — respondeu o enfermeiro, retirando os fones da cabeca de Eduard. Mesmo assim, o corpo continuava a contorcer-se, a cabeca balancando de um lado para o outro, com tal violencia que um dos homens resolveu agarra-la. O outro guardou a maquina numa sacola, e sentou-se para fumar um cigarro.

A cena durou alguns minutos. O corpo parecia voltar ao normal, e logo recomecavam os espasmos — enquanto um dos enfermeiros redobrava sua forca para manter firme a cabeca de Eduard. Aos poucos, as contracoes foram diminuindo, ate que cessaram por completo. Eduard mantinha os olhos abertos, e um dos homens fechou-o, como se faz com os mortos.

Depois tirou a borracha da boca do rapaz, desamarrou-o, e guardou as tiras de pano na sacola onde estava a maquina.

— O efeito do eletrochoque dura uma hora — disse para a moca, que ja nao gritava mais, e parecia hipnotizada pelo que estava vendo. — Esta tudo bem, ele logo voltara ao normal, e estara mais calmo.

Assim que a descarga eletrica atingiu-o, Eduard sentiu o que ja experimentara antes: a visao normal ia diminuindo, como se alguem fechasse uma cortina — ate que tudo desaparecia por completo. Nao havia qualquer dor ou sofrimento — mas ja assistira

a outros loucos sendo tratados por eletrochoque, e sabia o quanto horrivel parecia a cena.

Eduard agora estava em paz. Se, momentos antes, estava reconhecendo algum tipo de sentimento novo em seu coracao, se comecava a perceber que o amor nao era apenas aquilo que seus pais lhe davam, o eletrochoque — ou Terapia Eletro-Convulsiva (TEC) como preferiam chamar os especialistas -com certeza iria faze-lo voltar ao normal.

O principal efeito do TEC era o esquecimento das

memorias recentes. Eduard nao podia alimentar sonhos impossiveis. Nao podia ficar olhando para um futuro que nao existia; seus pensamentos deviam permanecer voltados para o passado, ou ia terminar querendo voltar novamente a vida.

Uma hora mais tarde, Zedka entrou na enfermaria quase deserta — exceto por um leito, onde um rapaz estava deitado. E por uma cadeira, onde uma moca estava sentada.

Quando chegou perto, viu que a moca havia vomitado de novo, e sua cabeca estava baixa, pendendo para a direita.

Zedka virou-se para chamar socorro, mas Veronika levantou a cabeca.

— Nao e nada — disse. — Tive outro ataque, mas ja passou.

Zedka pegou-a carinhosamente, e levou-a ate o banheiro.

— E um banheiro de homens — disse a moca.

— Nao ha ninguem aqui, nao se preocupe.

Retirou o sueter imundo, , lavou-o, e colocou-o em cima do radiador de calefacao. Depois, tirou sua propria blusa de la, e vestiu-a em Veronika.

— Fique com isso. Vim aqui para despedir-me.

A menina parecia distante, como se nada a interessasse mais. Zedka a conduziu de volta a cadeira onde ela estava sentada.

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