ficou magoado porque nao topei me instalar junto dele. Nos somos uma patota de quatro: eu, Pierrot le Fou, Marquetti, segundo premio de Roma no violino (que frequentemente toca horas a fio, o que me deixa melancolico) e Marsori, um corso de Seta.
Nao falei nada com ninguem e me parece que ninguem esta informado da preparacao da revolta abortada em Royale. Continuarao com as mesmas ideias? Os tres trabalham num servico pesado. Eles devem puxar, ou melhor, levantar grandes pedras com uma correia. Estas pedras servem para fazer uma piscina no mar. Uma grande pedra e presa com correntes, prende-se nela uma outra corrente comprida de 15 ou 20 metros e, pela direita e pela esquerda, cada forcado, com sua correia em volta do busto e dos ombros, pega com um gancho um elo da corrente. E, entao, de uma vez so, exatamente como animais, puxam a pedra ate o seu destino. No sol, e um servico muito pesado e principalmente deprimente.
Tiros de fuzil, de mosquetao, de revolver, do lado do cais. Entendi: os loucos passaram a acao. O que acontece? Quem venceu? Sentado na sala, nao me mexo. Todos os presos dizem:
– E a revolta!
– A revolta? Que revolta?
Ostensivamente, quero que fique claro que nao sei de nada.
Jean Carbonieri, que nao foi trabalhar hoje, vem para perto de mim, branco como um morto, apesar do rosto queimado pelo sol. Baixinho, ouco:
– E a revolta, Papi.
Friamente, respondo:
– Que revolta? Nao estou a par.
Os tiros de fuzis continuam. Pierrot le Fou entra correndo na sala.
– E a revolta, mas parece que fracassaram. Que turma de loucos! Papillon, puxa a tua faca. Pelo menos vamos matar o maior numero possivel antes de morrer!
– Vamos – repete Carbonieri -, vamos matar quantos pudermos!
Chissilia tira uma navalha. Todo mundo pega uma faca aberta na mao. Digo para eles:
– Nao sejam estupidos. Quantos somos?
– Nove.
– Que sete joguem a arma fora. Mato o primeiro que ameacar um guarda. Nao tenho vontade de ser fuzilado nesta sala como um coelho. Voce esta nesse golpe?
– Nao.
– E voce?
– Nem eu.
– E voce?
– Nao sabia de nada.
– Bem. Aqui somos todos homens da malandragem, ninguem sabia nada dessa revolta dos porra-loucas. Entenderam?
– Sim.
– Cada um de nos precisa compreender que abrir a boca e reconhecer que esta a par de alguma coisa. Os que fizerem isso serao abatidos. Nao vai haver vantagem nenhuma para aquele que for imbecil a ponto de falar. Joguem as armas na latrina, eles nao vao demorar a chegar.
– E se foram os presos revoltados que ganharam?
– Se foram os presos, eles que deem um jeito para completar a vitoria com uma fuga. Mas eu, a este preco, nao quero, e voces?
– Nos tambem nao – dizem juntos os oito, inclusive Jean Carbonieri.
Nao disse uma palavra do que eu sei, ou seja, que o tiroteio parou, os presos perderam. De fato, o massacre previsto nao poderia ja estar acabado.
Os guardas chegam feito loucos, empurrando com coronhadas, pauladas, pontapes os trabalhadores do servico de pedras. Obrigam-nos a entrar no bloco ao lado, no qual todos se precipitam. Os violoes, as mandolinas, os jogos de xadrez e de damas, as lampadas, os banquinhos, as garrafas de oleo, o acucar, o cafe, as roupas brancas, tudo e espezinhado com raiva, destruido e jogado fora. Eles se vingam sobre tudo o que nao e regulamentar.
Ouvem-se dois tiros, com certeza de revolver.
Ha oito blocos no campo, eles fazem a mesma coisa em todos e, de vez em quando, com violentas coronhadas. Sai um homem pelado, correndo para as celas disciplinares, furiosamente espancado pelos guardas encarregados de leva-lo para a masmorra.
Eles vao em frente, a direita, ao nosso lado. Agora se encontram na setima choca. So falta a nossa. Estamos os nove aqui, cada um no seu lugar. Dos que estavam fora trabalhando, nenhum voltou. Cada um de nos esta petrificado no seu lugar. Ninguem fala. Estou com a boca seca, pensando: “Oxala um fodido qualquer nao aproveite a oportunidade para me abater impunemente!”
– Estao chegando – diz Carbonieri, morto de medo.
Eles se atiram para dentro, mais de vinte, todos de fuzil ou revolver, prontos para disparar.
– Como – grita Filissari – ainda nao estao pelados? O que estao esperando, monte de lixo? Vamos fuzilar voces. Fiquem pelados, nao estamos com vontade de tirar a roupa dos cadaveres.
– Senhor Filissari…
– Cale a boca, Papillon! Agora nao da mais para pedir perdao. O que voces tentaram fazer e grave demais! E, nessa sala de perigosos, voces estavam todos na jogada, com certeza!
Os olhos lhe pulam da cara, estao injetados de sangue, com reflexos assassinos, nao ha engano possivel.
– Temos direito de defesa – diz Pierrot.
Resolvo arriscar a bolada toda de uma vez:
– Me espanta que um napoleonista como o senhor queira assassinar inocentes. Quer atirar? Pois muito bem, nada de discurso, nao nos interessa. Atire, mas merda, atire depressa! Eu achava que voce era um homem, velho Filissari, um verdadeiro napoleonista, me enganei. Nao faz mal. Vamos, nem quero ver voce quando atirar, eu vou lhe dar as costas. Todos, deem as costas a estes guardas, para que nao possam dizer que a gente ia atacar.
E todos, como se fossem um homem so, voltaram as costas. Os guardas ficam espantados com a minha atitude, ainda mais que (soubemos depois) Filissari tinha fuzilado dois infelizes nas outras chocas.
– O que e que voce ainda tem para dizer, Papillon?
Ainda de costas, respondo:
– Esta historia de revolta, nao acredito nela. Por que uma revolta? Para matar os guardas? E fugir? Para ir aonde? Eu sou um homem de fuga, volto de muito longe, da Colombia. Pergunto: qual e o pais que daria asilo a assassinos fugidos? Como se chama este pais? Nao sejam estupidos, nenhum homem digno deste nome pode estar envolvido numa historia como essa.
– Voce talvez, mas Carbonieri? Ele esta, tenho certeza, porque hoje de manha Arnaud e Hautin estranharam que ele nao tinha se declarado doente, para nao ir ao trabalho.
– Simples impressao, tenho certeza.
Viro-me para ele:
– Vai entender logo. Carbonieri e meu amigo, ele conhece todos os detalhes de minha fuga, nao da para ele continuar a ter ilusoes, ele sabe qual e o resultado final de uma fuga depois de uma revolta.
Ai chega o comandante. Fica do lado de fora. Filissari sai e o comandante diz:
– Carbonieri!
– Presente.
– Levem eles para a cela, sem brutalidade. Guarda fulano, acompanhe-o. Saiam todos, que fiquem aqui apenas os guardas-chefes. Vamos, tragam todos os presos dispersos na ilha. Nao matem ninguem, tragam para o campo todos, sem excecao.
Na sala entram o comandante, o subcomandante e Filissari, que volta com quatro guardas.
– Papillon, acaba de acontecer algo muito grave – diz o comandante. – Como comandante da penitenciaria, devo assumir uma responsabilidade muito importante. Antes de tomar certas medidas, quero obter rapidamente algumas informacoes. Eu sei que, numa ocasiao tao crucial, voce se teria negado a falar em particular comigo, por isso vim aqui. Foi assassinado o guarda Duclos. Tentaram tomar as armas depositadas na minha casa; trata-se, portanto, de uma revolta. So tenho alguns minutos, confio em voce: sua opiniao?
– Se tivesse havido uma revolta, sera que nao estariamos a par? Por que nao nos teriam informado? Quantas pessoas estariam comprometidas? A estas tres perguntas que faco, comandante, vou responder, mas antes quero que o senhor me diga quantos homens se mexeram, depois de terem matado o guarda e tomado a arma dele.
– Tres.
– Quem sao?
– Arnaud, Hautin e Marceau.
– Entendi. Qualquer que seja o seu ponto de vista, concluo que nao houve revolta.
– Voce mente, Papillon – diz Filissari. – Esta revolta devia se dar em Royale, Girasolo a tinha denunciado, mas nos nao acreditamos. Hoje, percebo que tudo o que ele disse era verdade. Portanto, voce esta nos enganando, Papillon!
– Mas, entao, se sao voces que tem razao, eu sou um frouxo e Pierrot le Fou tambem e Galgani e todos os bandidos corsos de Royale e os homens da zona. Apesar do que aconteceu, nao acredito. Se tivesse havido uma revolta, os chefes seriamos nos e nenhum outro.
– Nao posso aceitar o que voce esta me dizendo. Ninguem esta envolvido nisso? Impossivel.
– Onde esta a acao dos outros? Alem desses tres loucos, alguem se mexeu? Sera que alguem mais teve um gesto, esbocado que seja, para tomar o posto de guarda onde se encontram quatro guardas armados, mais o chefe, o Sr. Filissari, com carabinas? Quantos barcos ha em Saint-Joseph? So uma chalupa. E entao: uma chalupa para seiscentos homens? Nos somos doidos, somos? E matar para fugir! Vamos supor que vinte consigam fugir; e so para se fazerem prender em qualquer lugar e serem devolvidos. Comandante, ainda nao sei quantos homens os seus guardas ou o senhor mesmo mataram, mas estou quase certo de que eram todos