Um templo grego feito de vidro — essa foi a sua primeira impressao. Enchiam todo aquele espaco fileiras e mais fileiras de colunas cristalinas, com cerca de um metro de diametro e estendendo-se do chao ate o teto. Eram centenas, recuando na escuridao ate que a luz da lanterna ja nao as podia alcancar.
Norton caminhou para a coluna mais proxima e dirigiu a luz para o seu interior. Refratados como por uma lente cilindrica, os raios abriram-se em leque no lado oposta para focalizar-se e refocalizar-se, mais fracos a cada repeticao, nas colunas que se enfileiravam mais atras. Norton teve a sensacao de se encontrar no meio de uma complicada demonstracao de optica.
— Muito bonito — disse Mercer, o homem de espirito pratico, — mas que significa isto? Para que serve uma floresta de pilares de vidro?
Norton bateu de leve numa coluna com os nos dos dedos. Parecia solida e inteirica, conquanto mais metalica do que cristalina. Nao sabia absolutamente o que pensar, motivo pelo qual seguiu um prestimoso conselho que tinha ouvido muitos anos atras: «Quando em duvida, nao diga nada e siga o seu caminho.»
Ao chegar a proxima coluna, que parecia exatamente igual a primeira, ouviu uma exclamacao de surpresa de Mercer.
— Eu teria jurado que este pilar estava vazio… Agora ha qualquer coisa ai dentro.
Norton olhou vivamente para tras.
— Onde? Nao vejo nada.
Seguiu a direcao que Mercer apontava com o dedo. Mas apontava para o vazio. A coluna era ainda perfeitamente transparente.
— Nao pode ver? — repetiu Mercer, incredulo. — Faca a volta e venha olhar deste lado. Raios, agora perdi de vista!
— Que e que esta acontecendo aqui? — acudiu Calvert. Varios minutos se passaram antes que ele obtivesse o comeco de uma resposta.
As colunas nao eram transparentes de todos os angulos nem sob qualquer iluminacao. Quando se lhes dava volta, objetos apareciam subitamente a vista, como que incrustados nas profundezas do material a guisa de moscas no ambar — e logo tornavam a desaparecer. Eram duzias, e todos diferentes. Pareciam absolutamente reais e solidos, e contudo muitos davam a impressao de ocupar o mesmissimo lugar no espaco.
— Hologramas — disse Calvert. — Tal como num museu da Terra.
Essa era a explicacao obvia, e por isso mesmo Norton olhou-a com suspeita. Suas duvidas cresceram de vulto quando examinou as outras colunas, fazendo surgir as imagens guardadas no seu interior.
Ferramentas manuais (ainda que destinadas a maos enormes e de feitio muito esquisito), recipientes, pequenas maquinas com teclados que pareciam dever ser acionados por mais de cinco dedos, instrumentos cientificos, utensilios domesticos surpreendentemente convencionais, inclusive facas e pratos que, a nao ser o seu tamanho, nao teriam merecido um segundo olhar em qualquer mesa terrestre — de tudo havia ali, com centenas de objetos menos identificaveis, muitas vezes reunidos no mesmo pilar. Um museu, seguramente, teria um arranjo mais logico, alguma segregacao de itens correlacionados. Esta parecia ser uma colecao de ferragens dispostas sem nenhuma ordem.
Haviam fotografado as fugidias imagens dentro de uma vintena daqueles pilares de cristal quando a propria heterogeneidade dos itens forneceu uma pista a Norton. Talvez nao se tratasse de uma colecao, mas de um catalogo, organizado de acordo com um sistema arbitrario mas perfeitamente logico. Pensou nas estranhas justaposicoes que daria qualquer dicionario ou lista alfabetica, e experimentou a ideia com os seus companheiros.
— Percebo o que o senhor quer dizer — falou Mercer. — Os ramaianos nao ficariam menos surpreendidos se nos vissem juntar… ha… baloes com baleias.
— Ou aboboras com abobadas — acrescentou Calvert depois de refletir profundamente durante alguns segundos. Essa especie de jogo podia durar horas, decidiu ele, com pares de vocabulos cada vez mais disparatados.
— Esta e a ideia — retrucou Norton. — Isto ai pode ser um catalogo em ordem alfabetica, so que com imagens em tres dimensoes, matrizes, fotocalcos solidos, se assim preferirem.
— Com que fim?
— Bom, voce conhece a teoria sobre os biomatos… a ideia de que eles nao existem enquanto nao se tornam necessarios, e que entao sao criados — sintetizados — de acordo com modelos que se acham guardados por ai?
— Entendo — disse Mercer, lento e pensativo. — De modo que quando um ramaiano precisa de uma grua canhota, perfura o numero de codigo correspondente e um exemplar e fabricado de acordo com o padrao aqui existente.
— Mais ou menos isso. Mas, por favor, nao me peca detalhes praticos.
O tamanho dos pilares entre os quais eles passavam ia crescendo constantemente. Mediam, agora, mais de dois metros de diametro, e as imagens eram maiores na mesma proporcao; evidentemente, e sem duvida por otimas razoes, os ramaianos acreditavam em fazer tudo numa escala de um por um. Se assim fosse, perguntava-se Norton, como guardariam eles os modelos das coisas realmente grandes?
A fim de aumentar a sua cobertura, os quatro exploradores se haviam espalhado entre as colunas de cristal e iam tirando fotografias com a rapidez que lhes permitia o tempo necessario para focalizar sua camaras nas pereciveis imagens. Era uma sorte incrivel, pensou Norton, embora sentisse que a merecera; nao podiam ter feito melhor escolha do que esse Catalogo Ilustrado de Artefatos Ramaianos. E contudo, sob outro ponto de vista, dificilmente teria sido mais frustrativa. A bem dizer, ali nao havia nada a nao ser impalpaveis padroes de claros e escuros; esses objetos aparentemente solidos nao tinham existencia real.
Mesmo sabendo-o, Norton sentiu mais de uma vez a tentacao quase irresistivel de penetrar com o raio laser no interior de um desses pilares, para poder levar consigo a Terra alguma coisa material. Era o mesmo impulso, pensou ele com uma ironia perversa, que levaria um macaco a tentar agarrar o reflexo de uma banana num espelho.
Estava fotografando algo que parecia ser uma especie de dispositivo optico quando o grito de Calvert o fez largar a correr entre as colunas.
— Capitao… Karl… Will… Vejam isto!
Joe era propenso aos entusiasmos repentinos, mas o que tinha encontrado bastava para justificar o maior dos alvorocos.
Dentro de uma das colunas de dois metros de.diametro via-se um complicado arnes ou uniforme, obviamente feito para um ser de postura ereta, muito mais alto do que um homem. Uma fita metalica central, muito estreita, parecia circundar a cintura, torax ou alguma parte do corpo desconhecida pela zoologia terrestre. Dela partiam tres esguias colunas, afilando-se para fora e terminando num cinturao perfeitamente circular, com um respeitavel metro de diametro. Umas argolas dispostas ao longo desse cinturao e separadas por intervalos iguais so podiam servir para dar passagem a membros superiores, ou bracos. Tres argolas…
Nao escasseavam as bolsas, fivelas, bandoleiras, servindo de suporte a ferramentas (ou armas?), canos e fios eletricos, inclusive pequenas caixas pretas que pareceriam perfeitamente em casa num laboratorio eletronico da Terra. Em suma, um conjunto de pecas quase tao complexo quanto uma roupa espacial, embora so oferecesse, obviamente, uma cobertura parcial para a criatura que a usasse.
E seria essa criatura um ramaiano? perguntou-se Norton. Provavelmente nunca o saberiam; mas devia ter sido um ser inteligente, pois nenhum animal poderia avir-se com um equipamento tao sofisticado.
— Cerca de dois metros e meio de altura — disse Mercer, pensativo. — Sem contar a cabeca, que sabe la que feitio teria…
— Com tres bracos… e presumivelmente tres pernas. Tal como as Aranhas, so que numa escala muito mais macica. Voce supoe que isso seja uma coincidencia?
— Provavelmente nao. Nos projetamos os robos a nossa propria imagem. Seria de esperar que os ramaianos fizessem o mesmo.
Joe Calvert, insolitamente taciturno, contemplava toda aquela panoplia com uma especie de terror.
— Voce supoe que eles saibam da nossa presenca aqui? — perguntou num semicochicho.
— Duvido — disse Mercer. — Nem sequer atingimos o limiar da consciencia deles… se bem que os mercurianos tenham feito uma bela tentativa.
Ainda estavam parados diante da coluna, incapazes de se despegar dali, quando a voz urgente e alarmada