irracional; duas compulsoes se combatiam no seu espirito: a necessidade de escapar e o desejo de obedecer aqueles relampagos que ainda corriam no ceu, ordenando-lhe que fosse reunir-se aos biomatos em sua marcha para o mar. Mais um lance de escadaria… outra pausa de dez minutos, para que os seus musculos fossem lavados dos venenos da fadiga. E… de novo a caminho! Ainda dez quilometros que andar, mas procuremos nao pensar nisso…

De subito, a enlouquecedora sequencia de apitos descendentes emudeceu. No mesmo instante, deteve-se o movimento estroboscopico dos santelmos que corriam pelas fendas dos Vales Retilineos rumo ao mar; os seis sois lineares de Rama voltaram a ser aquelas listas continuas de luz que sempre tinham sido.

Mas iam se apagando rapidamente, e as vezes bruxuleavam como se tremendos impulsos de energia fossem arrancados as fontes em acelerado declinio. De tempos a tempos sentiam-se leves tremores do solo; a ponte informou que Rama continuava a mudar de posicao com uma vagareza imperceptivel, qual uma agulha de bussola respondendo a um campo magnetico bastante fraco. Isso era talvez tranquilizador; quando Rama parasse de mudar de atitude e que Norton comecaria realmente a inquietar-se.

Todos os biomatos haviam desaparecido, segundo informou Pieter. Em todo o interior de Rama, o unico movimento era o de seres humanos, arrastando-se com penosa lentidao sobre a curva ascendente da calota setentrional.

Ha muito que Norton se havia curado da vertigem que sentira naquela primeira ascensao, mas um novo temor comecava a insinuar-se nos seus pensamentos. Eram tao vulneraveis aqui, nesta interminavel subida da planicie para o Cubo! Suponhamos que, quando houvesse completado a sua mudanca de posicao, Rama comecasse a acelerar?

Presumivelmente, o impulso se daria ao longo do eixo. Se fosse na direcao norte, nao haveria problema; eles se sentiriam um pouco mais firmados na rampa que iam subindo. Mas se fosse na direcao contraria podiam ser arremessados no espaco, indo finalmente cair na Planicie, la embaixo.

Procurou tranquilizar-se refletindo que toda aceleracao possivel teria de ser muito fraca. Os calculos do Dr. Perera eram incontrovertiveis; Rama nao podia acelerar a mais de um cinquenta avos de gravidade, pois do contrario o Mar Cilindrico galgaria o topo da escarpa meridional e inundaria um continente inteiro. Mas o Dr. Perera estava num confortavel gabinete la na Terra, e nao a poucos quilometros de uma semicupula metalica que parecia prestes a desabar sobre a sua cabeca. E talvez Rama tivesse sido projetado para sofrer inundacoes periodicas…

Nao, a ideia era ridicula. Que absurdo imaginar que aqueles trilhoes de toneladas pudessem comecar de subito a mover-se com uma aceleracao suficiente para faze-lo perder o pe e sacudi-lo no abismo! Apesar disso, durante o resto da subida Norton nao se afastou um so instante do corrimao.

Muito, muito tempo depois, terminou a escadaria; so restavam algumas centenas de metros de escada de mao com os degraus embutidos na parede. Mas ja nao era preciso galgar essa parte, visto que um homem postado no Cubo, atirando uma corda, podia facilmente puxar para cima um outro contra uma forca de gravidade que diminuia rapidamente. Mesmo no pe da escada de mao um homem pesava menos de cinco quilos; no alto, seu peso seria praticamente zero.

E assim Norton descansou tranquilamente no cinturao, segurando de tempos a tempos um dos degraus para resistir a tenue forca de Coriolis, que ainda tentava arranca-lo da escada. Quase esqueceu as suas caibras musculares ao contemplar pela ultima vez o panorama ramaiano.

Estava quase tao claro agora como numa noite de lua cheia na Terra; a vista geral era perfeitamente nitida, se bem que ele ja nao pudesse distinguir os detalhes mais miudos. O Polo Sul estava parcialmente obliterado por uma nevoa luminosa, que so o pico do Chifre Grande atravessava — um pequeno ponto preto, visto exatamente de cima. O continente cuidadosamente cartografado, mas ainda desconhecido, que se estendia alem do Mar, era a mesma colcha de retalhos aparentemente sem padrao definido que sempre fora. Estava muito encurtado pela perspectiva e cheio de detalhes complexos para que o exame visual pudesse revelar grande coisa. Norton limitou-se a correr brevemente os olhos por ele. Fixou-se entao no anel liquido do Mar Cilindrico e notou pela primeira vez um padrao regular de linhas de espuma, como se as ondas se quebrassem sobre recifes dispostos com intervalos geometricamente precisos. A manobra de Rama estava produzindo algum efeito, ainda que muito leve. Norton tinha certeza de que a Sargenta Barnes teria ido satisfeitissima em tais condicoes se ele lhe pedisse para atravessar o Mar Cilindrico na perdida Resolution.

Nova Iorque, Londres, Paris, Moscou, Roma… O Comandante disse adeus a todas as cidades do continente setentrional e esperou que os ramaianos lhe perdoassem os danos que houvesse causado. Talvez compreendessem que tudo fora feito no interesse da ciencia.

De repente, havia alcancado o Cubo e maos sofregas se estenderam para agarra-lo e faze-lo atravessar as pressas as eclusas de ar. Suas pernas e bracos supersolicitados tremiam de maneira tao incontrolavel que quase nao podia mover-se por si e deixou-se manusear como um enfermo semiparalisado. O ceu de Rama contraiu-se acima da sua cabeca quando o desceram para a cratera central do Cubo. Quando a porta da eclusa interna fechou para sempre a vista, ele chegou a pensar:

«Como e estranho que esteja caindo a noite agora que Rama chegou ao ponto mais proximo do Sol!»

44 PROPULSAO ESPACIAL

NORTON havia decidido que cem quilometros era uma margem suficiente de seguranca. Rama transformara-se agora num enorme retangulo negro, visto exatamente em perpendicular, eclipsando o Sol. Ele aproveitara essa oportunidade para colocar a Endeavour bem no meio do cone de sombra, o que lhe permitia aliviar a carga dos sistemas de refrigeracao da nave e realizar algumas operacoes de manutencao ja bastante atrasadas. O cone de escuridao protetora podia desaparecer a qualquer momento, e tencionava utiliza-lo ao maximo.

Rama ainda estava fazendo a volta; ja tinha virado quase quinze graus e era impossivel acreditar que nao estivesse iminente alguma importante mudanca de orbita. Nos Planetas Unidos o clima de excitacao por pouco nao chegava ao nivel da histeria, mas da Endeavour so se percebia um apagado eco disso tudo. Fisica e emocional- mente, a tripulacao estava exausta; com excecao de uma guarda reduzida ao efetivo minimo, todos haviam dormido doze horas apos a decolagem da Base Polar Norte. Por ordem medica, o proprio Norton usara a eletrossedacao, e mesmo assim sonhara que estava subindo uma escadaria infinita.

No segundo dia a bordo da nave, tudo havia praticamente voltado a normalidade; a exploracao de Rama ja parecia pertencer a uma outra vida. Norton comecou a ocupar-se com o trabalho de escritorio acumulado e a fazer planos de futuro: mas recusava os pedidos de entrevistas que de algum modo conseguiam insinuar-se nos radio circuitos dos Servico de Observacao e ate da Spaceguard. Nao vinham mensagens de Mercurio e a Assembleia Geral dos P.U. havia encerrado a sessao, embora estivesse pronta para reunir-se novamente com uma hora de aviso previo.

Norton dormia a bom dormir pela primeira vez, trinta horas apos a partida de Rama, quando foi chamado a consciencia por uma rude sacudidela. Praguejou estonteado, abriu um olho turvo para Mercer — e, como todo bom comandante, acabou instantaneamente de acordar.

— Parou de dar volta?

— Sim. Esta firme como uma rocha.

— Vamos a ponte.

Toda a tripulacao estava acordada. Ate os simps sabiam que havia novidade e grazinavam ansiosos, ate que o Sargento McAndrews os sossegou fazendo rapidos sinais com as maos. E contudo, ao instalar-se na sua cadeira e afivelar o cinturao em volta da cintura, Norton se perguntou se nao se trataria de mais um falso alarma.

A perspectiva, agora, transformava Rama num cilindro atarracado e a orla incandescente do Sol espreitava por tras de um dos cantos. Norton conduziu suavemente a Endeavour de volta a zona de sombra do eclipse artificial e viu reaparecer o perlado esplendor da coroa sobre o fundo das estrelas mais brilhantes. Havia uma enorme protuberancia, medindo pelo menos meio milhao de quilometros de altura, que crescera a tal ponto acima do globo solar que suas ramificacoes superiores pareciam uma arvore de fogo carmesim.

Quer dizer que agora teremos de esperar. O importante e nao se enfastiar, conservar-se pronto para reagir

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