si mesma; esse movimento inesperado sobressaltou-o, mas logo compreendeu que havia destruido o seu suporte automatico em Mercurio. Daqui a cinco minutos exatos, os mercurianos perderiam todo contato com o seu servo, que agora nao so estava impotente como tinha ficado cego e surdo.
Rodrigo voltou devagar a motorola, soltou-lhe as maneias fe-la girar em roda ate que os para-choques dianteiros comecaram a pressionar o missil, tao proximo quanto possivel do seu centro de massa. Deu, entao, toda a forca de propulsao ao pequeno veiculo e manteve-a nesse nivel durante vinte segundos.
A motorola, que empurrava uma massa vinte vezes maior do que a sua, respondeu muito morosamente. Ao tornar a baixar a'propulsao a zero, Rodrigo procedeu a uma cuidadosa leitura do novo vetor de velocidade da bomba.
Passaria a consideravel distancia de Rama — e em qualquer ocasiao futura se poderia localiza-la novamente com precisao. Afinal, nao deixava de ser um instrumento valioso.
O Tenente Rodrigo era homem de uma honradez quase patologica. Nao gostaria de que os mercurianos o acusassem de ter extraviado a sua propriedade.
41 HEROI
«Minha QUERIDA», comecou Norton, «esta brincadeira nos custou mais de um dia, mas pelo menos me ofereceu um ensejo de lhe falar. Continuo na nave, que esta voltando ao seu posto no eixo polar. Faz uma hora que recolhemos Rod, com o ar de quem acaba de sair de servico apos uma guarda sem novidade. Imagino que nenhum de nos dois podera jamais tornar a visitar Mercurio, e me pergunto se seremos tratados como herois ou viloes quando voltarmos a Terra. Mas a minha consciencia, pelo menos, esta tranquila; tenho certeza de que agimos bem. Sera que um dia os ramaianos nos dirao «obrigados»? So podemos ficar aqui dois dias mais; nao temos, como Rama, uma carapaca de um quilometro de espessura para nos proteger contra o sol. O casco ja esta comecando a desenvolver perigosos pontos de alta temperatura e tivemos de fazer alguma blindagem termica local. Desculpe, nao queria importuna-la com os meus problemas…
De modo que ainda nos resta tempo para mais uma viagem a Rama, e pretendo aproveita-lo ao maximo. Mas nao se inquiete, nao vou me arriscar a nada.»
Norton cessou a gravacao. Esta frase final, para dizer o minimo, era uma violencia a verdade. Havia perigo e incerteza em todos os momentos no interior de Rama; ninguem poderia jamais sentir-se a vontade ali, em presenca de forcas inacessiveis ao seu entendimento. E nessa derradeira viagem, sabendo que nao tornariam a voltar e que nenhuma operacao futura seria prejudicada, projetava tentar um pouco mais a sorte.
«Dentro de quarenta e oito horas, pois, teremos completado esta missao. O que entao vai acontecer e ainda incerto; como voce sabe, ja usamos virtualmente todo o nosso combustivel para entrar nesta orbita. Ainda estou a espera de saber se uma nave-tanque podera encontrar-se conosco a tempo de voltarmos a Terra, ou se teremos que descer em Marte. Seja como for, la pelo Natal deverei estar em casa. Diga ao Junior que sinto muito, mas nao posso levar um filhote de biomato. Semelhante animal nao existe…
«Todos vamos bem, mas nos sentimos muito cansados. Creio que com tantas andancas fiz jus a uma longa licenca, e trataremos entao de recuperar o tempo perdido. Digam o que disserem a meu respeito, voce podera gabar-se de ser mulher de um heroi. Quantas por ai terao um esposo que salvou um mundo?»
Como sempre, escutou cuidadosamente a gravacao antes de duplica-la para certificar-se de que era aplicavel a ambas as familias. Como era estranho que nao soubesse a qual das duas veria primeiro! Em geral, o seu itinerario era determinado pelo menos com um ano de antecedencia, pelos inexoraveis movimentos dos proprios planetas.
Mas isso fora nos tempos anteriores a Rama; agora, as coisas nunca mais tornariam a ser as mesmas.
42 TEMPLO DE VIDRO
— SE TENTARMOS — disse Karl Mercer, — o senhor acha que os biomatos nos impedirao?
— Talvez impecam; essa e uma das coisas que quero verificar. Por que olha para mim desse jeito?
Mercer deu-lhe aquele seu sorriso lento e impenetravel, mas capaz de ser sublinhado, a qualquer momento, por alguma falecia privada que ele podia ou nao repartir com os seus companheiros de equipagem.
— Estava imaginando, Capitao, se o senhor pensa que e dono de Rama. Ate agora, tinha vetado qualquer tentativa de penetrar a forca nos edificios. Por que esta mudanca? Sera influencia dos mercurianos?
Norton riu, mas de repente ficou serio. A pergunta era arguta, e ele nao sabia se as respostas obvias seriam as mais acertadas.
— Talvez eu tenha sido ultra cauteloso… Queria evitar complicacoes. Mas esta e a nossa ultima chance. Se formos obrigados a nos retirar, a perda nao sera grande.
— Desde que nos retiremos em boa ordem.
— Pois claro. Mas os biomatos nunca deram sinais de hostilidade; e, fora as aranhas, nao creio que exista aqui alguma coisa capaz de nos alcancar… se tivermos que correr de verdade.
— O senhor pode correr, se quiser, Capitao, mas eu tenciono partir com dignidade. A proposito, acho que ja sei por que os biomatos tem tantas contemplacoes conosco.
— E um pouco tarde para propor uma nova teoria.
— Em todo caso, la vai. Eles pensam que nos somos ramaianos. Nao percebem a diferenca entre um respirador de oxigenio e outro.
— Nao creio que sejam tao estupidos assim.
— Nao e uma questao de estupidez. Foram programados para as suas tarefas particulares e nos simplesmente nao estamos incluidos no seu quadro de referencias.
— Talvez voce tenha razao. E pode ser que venhamos a averiguar isso… logo que tenhamos comecado a trabalhar em Londres.
Joe Calvert sempre se deleitara com aqueles velhos filmes em torno de assaltos a bancos, porem nunca esperava ver-se um dia envolvido num deles. Contudo isso era, no fundo, o que estava fazendo agora.
«As ruas desertas de Londres» pareciam prenhes de ameacas, embora ele soubesse que isso nao era mais do que uma ficcao de sua consciencia culpada. Nao acreditava realmente que as construcoes hermeticamente vedadas e sem janelas estivessem cheias de habitantes a espreita, prontos para operar uma surtida em hordas iracundas assim que os invasores pusessem as maos em suas propriedades. Tinha, mesmo, plena certeza de que esse complexo, como todas as outras «cidades», era apenas uma vasta area de depositos.
Havia, porem, um outro temor, igualmente baseado em inumeros dramas antigos de crime, mas que podia ser mais bem-fundado. Talvez nao houvesse clamorosas campainhas de alarma nem sirenas ululantes, mas era razoavel supor que Rama possuisse um sistema qualquer de aviso. De outra forma, como poderiam os biomatos saber quando e onde se faziam necessarios os seus servicos?
— Os que nao tem oculos protetores virem as costas — disse o Sargento Myron. Sentiu-se um cheiro de oxidos nitricos quando o proprio ar comecou a arder a chama do macarico de raios laser e se ouviu o crepitar ininterrupto da faca de fogo que abria caminho em busca de segredos que tinham permanecido ocultos desde as origens do homem.
Materia nenhuma podia resistir aquela concentracao de forca que continuava a cortar num ritmo uniforme de varios metros por minuto. Dentro de um tempo notavelmente curto foi ablaqueada uma secao bastante grande para deixar passar um homem. Como a secao recortada nao quisesse mexer-se por si mesma, Myron bateu suavemente nela com as pontas dos dedos — depois mais forte — depois meteu-lhe o ombro com toda a forca. A laje tombou para dentro com um cavo estrondo que ecoou em todas as direcoes. Mais uma vez, como fizera durante aquela primeira entrada em Rama, Norton lembrou-se do arqueologo que havia aberto o antigo tumulo egipcio. Nao esperava ver um resplendor de ouro; nao tinha, em verdade, ideias preconcebidas de especie alguma ao enfiar-se pela abertura, com o facho da lanterna eletrica voltado para a frente.