represento. Tambem pode, naturalmente, fazer modificacoes adicionais e fixar-se numa orbita final a qualquer distancia do Sol. Poderia ate tornar-se satelite de um dos planetas maiores — como a Terra, por exemplo…
«Temos pois diante de nos, estimados colegas, todo um espectro de possibilidades, algumas delas bem serias, e insensato pretender que essas criaturas devem ser benevolas e nos deixarao em paz. Se vieram ao nosso sistema solar e porque precisam de alguma coisa aqui. Ainda que seja apenas conhecimento cientifico, pensem nos usos que podem dar a esse conhecimento…
«Aquilo com que nos confrontamos agora e uma tecnologia que leva centenas, talvez milhares de anos de avanco sobre a nossa, e uma cultura que talvez nao tenha nenhum ponto de contato com ela. Estivemos estudando o comportamento dos robos biologicos — os biomatos — tal como se pode ver nos filmes retransmitidos pelo Comandante Norton, e chegamos a certas conclusoes que desejo comunicar aos senhores.
«Em Mercurio, somos talvez infortunados em nao possuir formas autoctones de vida para observar. Mas, naturalmente, temos um registro completo da zoologia terrestre, e ali encontramos um notavel paralelo com Rama.
«Refiro-me a colonia de termites. Como Rama, e um mundo artificial com um ambiente controlado. Como Rama, seu funcionamento depende de toda uma serie de maquinas biologicas especializadas — operarios, construtores, agricultores, guerreiros. E, conquanto ignoremos se Rama possui uma Rainha, sugiro que a ilha conhecida como Nova Iorque desempenha uma funcao comparavel.
«Ora, e evidentemente absurdo levar muito longe esta analogia, que falha em muitos pontos. Mas eu a proponho aos senhores pela razao seguinte:
«Que medida de cooperacao ou de compreensao sera possivel entre seres humanos e termites? Quando nao ha conflito de interesses, nos toleramos uns aos outros. Mas quando um necessita do territorio ou dos recursos do outro, e uma guerra sem quartel.
«Gracas a nossa tecnologia e a nossa inteligencia, podemos sempre ganhar, se estamos suficientemente decididos a isso. Mas nem sempre e facil, e ha quem acredite que a vitoria final sera das termites…
«Tendo isto em mente, considerem agora a pavorosa ameaca que Rama pode — notem que nao digo deve — representar para a civilizacao humana. Que medida tomamos nos para rebate-la, se as circunstancias o exigirem? Absolutamente nenhuma; tudo que fizemos foi falar, especular e escrever sabios artigos.
«Pois, meus colegas, Mercurio fez mais do que isso. Escudados na Clausula 34 do Tratado Espacial de 2057, que nos da o direito de adotar todas as medidas necessarias para resguardar a integridade do nosso espaco solar, enviamos a Rama um dispositivo nuclear dotado de alta energia. Sinceramente, nos sentiremos felizes se nunca tivermos de utiliza-lo. Mas agora, pelo menos, nao estamos indefesos como antes.
«Talvez nos acusem de ter agido unilateralmente, sem consulta previa. Reconhecemos esse fato. Mas porventura alguem aqui imagina — com todo o respeito devido ao Sr. Presidente — que poderiamos ter conseguido um acordo dessa especie dentro do tempo disponivel? Levamos em conta que estamos agindo nao apenas no nosso interesse, mas no interesse de toda a raca humana. E possivel que todas as geracoes futuras nos venham a agradecer o fato de nos termos antecipado assim.
«Reconhecemos que seria uma tragedia, e ate um crime, destruir um artefato tao maravilhoso como e Rama. Se ha algum meio de evitar isso, sem risco para a humanidade, estamos prontos para ouvi-lo. Nos outros nao encontramos nenhum, e o tempo vai se tornando escasso.
«Dentro dos proximos dias, antes que Rama atinja o perielio, a escolha tera de ser feita. Avisaremos, naturalmente, a Endeavour com bastante antecedencia — mas aconselhamos o Comandante Norton a que esteja sempre preparado para partir no prazo de uma hora. E concebivel que Rama venha a sofrer novas e dramaticas transformacoes a qualquer momento.
«Isto era tudo que tinha para dizer, Senhor Presidente e meus colegas. Obrigado pela atencao que me dispensaram. Contarei com a cooperacao de todos os senhores.»
39 DECISAO DE COMANDO
— BEM, ROD, como se encaixam os mercurianos na sua teologia?
— Se encaixam ate bem demais. Comandante — respondeu Rodrigo com um sorriso chistoso. — E o milenar conflito entre as forcas do bem e as forcas do mal. E ha ocasioes em que os homens tem que tomar partido nesse conflito.
«Mais ou menos o que eu esperava», pensou Norton. «Esta situacao deve ter sido um choque para Boris, mas ele nao se teria resignado a uma aquiescencia passiva.»
Os adeptos do Cristo Cosmonauta eram uma gente energica e competente. Em verdade, a certos respeitos se pareciam notavelmente com os mercurianos.
— Imagino que voce tenha um plano, Rod.
— Sim, Comandante. Alias, um plano bastante simples. Tudo que temos a fazer e desarmar a bomba.
— Oh! E como pretende fazer isso?
— Com um pequeno alicate corta-fios.
Se outro tivesse dito isto, Norton acharia que era piada. Mas Boris Rodrigo?…
— Espere la. O missil esta coalhado de camaras. Voce pensa que os mercurianos vao ficar olhando voce fazer isso sem tratar de impedi-lo?
— Claro, e a unica coisa que podem fazer. Quando o sinal os alcancar, sera tarde demais. Posso facilmente terminar o trabalho em dez minutos.
— Estou vendo. Nao ha duvida que eles ficarao furiosos. Mas suponhamos que a bomba tenha uma armadilha que a faca detonar a qualquer tentativa de interferencia?
— Isso parece muito improvavel. Com que finalidade? Essa bomba foi construida para uma missao especifica no espaco profundo, e deve estar munida de toda sorte de dispositivos de seguranca para impedir a detonacao, salvo na ocorrencia de um comando positivo. Mas esse e um risco que estou preparado para enfrentar — e pode-se fazer sem perigo para a nave. Tudo foi previsto nos meus planos.
— Quanto a isso nao tenho a menor duvida — respondeu Norton.
A ideia era sedutora, fascinante mesmo. O que mais particularmente lhe agradava era pensar na frustracao dos mercurianos, e muito teria dado para ver-lhes as reacoes quando percebessem — demasiado tarde — o que estava acontecendo ao seu mortifero brinquedo.
Mas havia outras complicacoes que pareciam multiplicar-se a medida que Norton considerava o problema. Estava fazendo frente a mais dificil, mais crucial decisao de toda a sua carreira.
Isto, alias, era um ridiculo eufemismo. O que Norton tinha pela frente era a mais dificil decisao que qualquer comandante ja tivera de tornar; o futuro da raca humana inteira bem podia depender dela. Pois suponhamos que os mercurianos tivessem razao?…
Depois que Rodrigo se retirou, ele ligou o sinal que dizia: E FAVOR NAO INTERROMPER. Nao pode lembrar- se da ultima vez que o tinha usado, e ficou ate um pouco surpreendido ao ver que ele funcionava. Agora, no coracao da sua nave cheia de gente e movimento, estava absolutamente so — com excecao do retrato do Capitao James Cook, que o contemplava la de longe, no fundo das avenidas do tempo.
Era impossivel consultar a Terra; fora prevenido de que todas as mensagens podiam ser interceptadas — talvez por dispositivos de retransmissao ocultos na propria bomba. Isso deixava em suas maos a responsabilidade inteira.
Ouvira certa vez contar que um Presidente dos Estados Unidos — seria Roosevelt ou Perez? — tinha em cima da sua mesa de trabalho um sinal que dizia: «Este e o ponto final do abacaxi». Norton nao sabia com certeza o que fosse um abacaxi, mas sabia quando um deles vinha parar na sua mesa.
Podia ficar inativo, a espera do aviso dos mercurianos para partir. Que impressao causaria isso nos futuros livros de Historia? Norton pouco se inquietava com a fama ou infamia postuma, porem nao gostaria de ser lembrado para sempre como o cumplice de um crime cosmico que ele poderia ter impedido.
E o plano era perfeito. Como esperava, Rodrigo tinha previsto todos os detalhes, considerado todas as possibilidades — inclusive o remoto perigo de que a bomba pudesse ser detonada por qualquer alteracao do seu mecanismo. Se isso acontecesse, a Endeavour podia ainda estar a salvo, resguardada atras de Rama. Quanto ao