— Como querias que dissesse?

— Mas nao te faz pena?

— Sim, faz-me pena.

— Mas como te disse ele? “Gino Molinari tem mulher e uma filha”? Assim?

— Sim.

— Mas tu, o que lhe respondeste?

— Nada… Que querias que lhe respondesse?

— Mas o que sentiste? Nao ficaste quase a chorar? Apesar de tudo, para ti foi um desastre!

— Nao. Nao tive vontade de chorar.

— Agora e impossivel casares com Gino — gritou com ar medidativo e contente. — Mas que historia!… Que historia! Que falta de consciencia! Uma pobre rapariga como tu, que so vivia para ele, pode dizer-se… Os homens sao todos uns safados!

— Gino — disse eu — ainda nao sabe que estou ao facto de tudo.

— No teu lugar, minha filha — declarou, toda excitada —, dava-lhe o que merecia! Um bom par de bofetadas ninguem lhas tirava.

— Marquei encontro com ele para daqui a dez dias — continuei.

— Creio que vamos continuar a ter relacoes um com o outro.

Recuou e olhou-me com os olhos esbugalhados:

— Mas porque? Ainda gostas dele? Depois de tudo o que te fez?

— Nao — respondi, e, emocionada como estava, instintivamente baixei a voz… — Ja nao gosto dele… mas… hesitei e fiz um esforco para mentir — os gritos e as bofetadas nao sao a melhor maneira de nos vingarmos!

Olhou-me um instante semicerrando os olhos e afastando-se como fazem os pintores quando olham os seus quadros. Depois disse-me :

— Tens razao… nao tinha pensado nisso… Mas sabes o que faria no teu lugar? Deixava correr, tranquilamente, sem que ele desse por isso e um belo dia, zas! Deixava-o.

Nao respondi. Ao fim de um momento, repetiu, com a voz menos exaltada, mas animada e cantante:

— Ainda me parece mentira! Uma mulher e uma filha! E contigo fazia tantas fitas! E fez-te comprar moveis, um enxoval… Que historia! Que historia!

Eu continuava calada.

— Mas eu ja tinha percebido! — gritou com ar vitorioso. — Tens de reconhecer! Que te tinha eu dito? “Este homem nao e sincero…” Pobre Adriana!

Deitou-me o braco a roda do pescoco e beijou-me. Deixei-me beijar e acrescentei:

— Sim, o pior e que me fez gastar o dinheiro de minha mae!

— E tua mae, sabe?

— Ainda nao.

— Pelo dinheiro nao te aflijas ! — acudiu. — Astarito esta de tal maneira apaixonado por ti!… Basta que queiras e ele te dara todo o dinheiro de que precisares.

— Nao quero tornar a ver Astarito — respondi. — Outro nao me importo, mas nao Astarito!

Devo esclarecer que Gisela nao era parva. Percebeu imediatamente que de momento mais valia nao falar de Astarito.

Compreendeu tambem o que eu queria dizer com a frase: “Nao me importa outro qualquer.” Fingiu reflectir um momento, depois declarou:

— No fundo tens razao, compreendo-te. Eu tambem, depois do que aconteceu, sentiria uma certa impressao se tivesse que andar com o Astarito… Ele quer as coisas pela forca… foi para se vingar que te contou a historia de Gino.

Calou-se de novo, depois disse-me com voz solene:

— Deixa-me agir… queres que te apresente alguem disposto a ajudar-te?

— Quero.

— Deixa-me agir.

— Somente, a ninguem me quero prender; quero ficar livre.

— Deixa-me agir — repetiu pela terceira vez.

— Por agora — continuei — quero devolver o dinheiro a minha mae… e comprar diversas coisas que me fazem falta. Depois quero que minha mae deixe de trabalhar — disse como conclusao.

Entretanto, Gisela levantara-se para se ir sentar em frente do toucador:

— Tu, Adriana — disse-me pintando-se a toda a pressa —, tens sido sempre muito boa. Ves agora o que acontece quando se e boa demais?

— Sabes que esta manha nao fui posar? — disse-lhe. Decidi nao voltar a ser modelo.

— Fizeste bem — respondeu. — Eu tambem, de resto, ja nao posso mais, a nao ser para X…, unicamente para lhe fazer um favor, mas quando ele terminar nao posarei mais.

Experimentei nesse momento uma grande amizade por Gisela e senti-me reconfortada. Os seus “deixa-me agir” tinham soado aos meus ouvidos com o acento de seguranca das promessas maternais e amigas de acudir o mais de pressa possivel as minhas necessidades. Apercebi-me com toda a clareza de que o que levava Gisela a ajudar-me, mais do que uma verdadeira amizade, era, como na historia de Astarito, o desejo, talvez inconsciente, de me ver nas mesmas condicoes que ela. Mas ninguem faz nada por nada, e como, por coincidencia, a inveja de Gisela vinha ao encontro dos meus interesses, nenhum motivo tinha para recusar a sua ajuda, unicamente porque a sabia interessada.

Estava apressada porque ja era tarde para o encontro com o seu “noivo”. Saimos do quarto e descemos as escuras a escada estreita e ingreme da sua velha casa. Na escada, possuida pela sua excitacao e talvez tambem pelo desejo de diminuir a amargura da minha desilusao, mostrando-me que nao estava so na minha infelicidade, confiou-me:

— E depois, sabes… comeco a crer que Ricardo me quer fazer o mesmo que Gino te fez a ti.

— Ele tambem e casado? — perguntei ingenuamente.

— Nao, isso nao; somente, faz-me cenas… tenho a impressao de que se quer por a fugir… Mas eu ja me expliquei: “Meu caro, nao preciso de ti para coisa alguma; se queres ficar fica, mas se nao queres podes ir-te embora!”

Nada disse, mas pensei que havia uma grande diferenca entre nos, mesmo ate nos encontros dela e Ricardo e nos meus com Gino. Ela, no fundo, nunca tivera uma desilusao sobre a seriedade de Ricardo nem tinha escrupulo em engana-lo de tempos a tempos; enquanto que eu esperava com toda a forca da minha alma inexperiente vir a ser mulher de Gino e ser-lhe sempre fiel; nao podia chamar-se traicao ao que se havia passado em Viterbo com Astarito, ameacada com a sua chantagem.

Mas pensava que ela se ofenderia se eu lhe dissesse isto; nao abri a boca. Na soleira da porta marcou-me encontro para o dia seguinte numa pastelaria, recomendando-me que fosse pontual, porque ela provavelmente nao estaria sozinha. E foi-se embora.

Sentia que devia contar o que se passava a minha mae, mas nao tinha coragem. Minha mae gostava realmente de mim. Ao contrario de Gisela, que nao via na traicao de Gino senao o triunfo das suas ideias e nem sequer tentava disfarcar a sua cruel satisfacao, ela experimentaria mais dor que alegria ao verificar que no fim de contas tivera razao. No fundo nao desejava senao a minha felicidade; pouco lhe importava o meio pela qual a alcancasse: somente estava convencida de que Gino nao ma daria. Depois de muitas hesitacoes, acabei por decidir nada lhe dizer. Sabia que no dia seguinte, a tarde, os meus actos lhe abririam melhor os olhos que quaisquer palavras. Reconheci que era uma maneira brutal de lhe revelar a grande mudanca que se operara na minha vida; mas o que me agradava era que desta maneira evitaria uma quantidade de explicacoes, de reflexoes e de comentarios: pelo menos todo o genero de explicacoes, de reflexoes e de comentarios em que Gisela se mostrara prodiga quando lhe contara a traicao de Gino. Na realidade eu experimentava uma especie de repugnancia em falar no casamento; desejava falar nele o menos possivel e preparar as coisas de maneira que os outros nao me tocassem no assunto.

No dia seguinte, para que minha mae nao me aborrecesse se suspeitasse de alguma coisa, fingi ter um encontro com Gino e passei toda a tarde fora. Para o meu casamento mandara fazer um fato de saia e casaco cinzento, que contava vestir depois da cerimonia. Era o meu vestido mais bonito: hesitei em po-lo, mas pensei que

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