com suficiente atencao.
— Mas eu nao estou triste… — respondi sem lhe desvendar o mundo de sentimentos que me agitava a alma. — Somente aqui ha tanto fumo! E um barulho! Sinto-me um pouco atordoada.
— Entao, saimos? — perguntou com vivacidade. Disse-lhe que sim. Chamou em seguida o criado e pagou. Saimos. Quando chegamos a rua, perguntou-me:
— Vamos para o hotel?
— Nao, nao — disse eu apressadamente.
A perspectiva de ter de mostrar os meus documentos assustava-me, e de resto ja decidira outra coisa.
— Vamos para minha casa! — disse.
Subimos para um taxi e dei a minha direccao. Assim que o taxi arrancou, atirou-se para cima de mim e apalpou-me o corpo todo beijando-me no pescoco. Senti pelo seu halito que bebera muito e devia estar embriagado. Repetia constantemente a palavra “filhinha”, que se diz as criancas e que na sua boca me irritava como um termo ridiculo e ligeiramente profano. Deixei-o agir durante uns momentos, depois observei, apontando as costas do chauffeur: — Era melhor esperar que chegassemos… nao? — Nao respondeu e caiu pesadamente sobre as almofadas, encarnado e congestionado como se sentisse fulminado por um subito mal. Depois tratamudeou com ar furioso:
— Pago-lhe para que me conduza ao meu destino e nao para que de conta do que se passa dentro do seu taxi.
O dinheiro era a sua ideia fixa, e sobretudo o seu dinheiro, que podia fechar todas as bocas. Nada respondi e durante o resto do percurso ficamos calados um ao lado do outro, sem nos tocarmos. As luzes da cidade entravam pelas portinholas, iluminando por instantes os nossos rostos e as nossas maos, e desapareciam; parecia-me estranho encontrar-me ao lado deste homem, do qual algumas horas antes nem conhecia a existencia, e rolar num carro na sua companhia para minha casa, para me entregar a ele como a um amante querido. Senti uma especie de atordoamento ao ver o taxi parar diante da minha porta na avenida tao conhecida.
Na escada escura pedi a Jacinto:
— Nao faca barulho ao entrar, peco-lhe, porque minha mae mora comigo.
— Esta descansada, filhinha — respondeu-me.
Chegados ao patamar, abri a porta com a minha chave. Jacinto seguia-me; peguei-lhe na mao; sem acender a luz, fi-lo atravessar a antecamara e conduzi-o ate a porta do meu quarto, que era a primeira a esquerda, entrando. Precedida por ele, acendi o candeeiro da mesa-de-cabeceira e da soleira da porta deitei um olhar aos meus moveis como se fosse uma despedida. Muito contente por encontrar um quarto novo e limpo, quando julgava que o conduzisse a um quarto sujo e com moveis velhos, Jacinto soltou um suspiro de satisfacao e tirou o seu sobretudo, que atirou para cima de uma cadeira. Disse-lhe que me esperasse e sai do quarto.
Dirigi-me directamente a sala grande e encontrei minha mae sentada a mesa central preparada para coser. Quando me viu afastou logo o trabalho e levantou-se sem duvida com a ideia de me servir o jantar como nas outras noites. Mas eu disse-lhe:
— Nao… nao te incomodes… Ja jantei… Pelo contrario… Tenho alguem no meu quarto e nao vas la, seja a que pretexto for!
— Alguem? — perguntou-me com cara de pasmo.
— Sim, alguem! — disse-lhe apressadamente. — Mas nao e Gino. E um “senhor de posicao”!
E sai da sala sem esperar qualquer pergunta. Tornei a entrar no quarto e fechei a porta a chave. Impaciente e corado, Jacinto veio ao meu encontro ao meio do quarto e tomou-me nos bracos. Era muito mais pequeno do que eu e para pousar os labios na minha cara, tive que inclinar-me sobre a cama. Procurava evitar que ele me beijasse a boca, dobrando-me para tras como por voluptuosidade. Consegui. Jacinto possuia da mesma maneira que comia; com avidez, sem discernimento nem delicadeza, comecando e largando sem proposito, como se tivesse medo de deixar escapar alguma coisa, cego pelo meu corpo, como o estivera pela comida no restaurante.
Depois de me ter beijado, fez mencao de me despir, como estavamos, de pe. Pos a mao num dos meus bracos e depois, como se esta carne lhe queimasse as ideias, comecou a cobrir-me de beijos. Julguei que com os seus gestos bruscos me rasgasse o fato e acabei por lhe dizer sem o repelir:
— Vamos, despe-te.
Largou-me logo e, sentando-se na cama, comecou a despir-se. Eu do outro lado fazia o mesmo.
— Mas a tua mae sabe? — perguntou-me.
— Sim.
— E que diz ela?
— Nada.
— Desaprova?
E claro que estas informacoes nao tinham outro valor que o de dar um pouco de picante a aventura. E um traco comum a todos os homens; sao bem poucos os que resistem a tentacao de misturar ao prazer interesse de genero diferente, indo por vezes ate a compaixao.
— Nao aprova nem desaprova — disse secamente levantando-me e fazendo passar a saia pela cabeca. — Sou livre de fazer o que me apetece!
Quando fiquei nua arrumei a minha roupa toda sobre uma cadeira e estendi-me de costas em cima da cama, um braco dobrado sobre a nuca e o outro sobre o ventre cobrindo-o com a mao. Nao sei porque, recordei-me que estava na mesma posicao daquela deusa paga parecida comigo que o gordo pintor mostrara a minha mae numa gravura colorida, e bruscamente senti desgosto e raiva ao pensar na grande mudanca que depois disso se operara na minha vida. Jacinto devia estar admirado com a beleza opulenta e solida do meu corpo, que nao se nota, assim como ja disse, quando estou vestida, porque parou de se despir e olhou-me com ar deslumbrado, a boca aberta e os olhos espantados.
— Avia-te — disse-lhe. — Tenho frio.
Acabou de se despir e atirou-se para cima de mim. Ja falei da sua maneira de amar, que nao sei o que me parecia; quanto a ele, suponho ja te-lo descrito suficientemente. Devo acrescentar que era um destes homens para os quais o dinheiro que pagaram ou que irao pagar inspira uma exigencia meticulosa, como se temessem ficar roubados se renunciassem a qualquer das coisas que julgam ser-lhes devidas. Era avido, ja o disse, mas nao ao ponto de nao ter sempre presente o seu dinheiro e de nao querer tirar todo o beneficio possivel. O seu desejo — depressa compreendera prolongar o mais possivel os nossos encontros e tirar de mim todo o prazer a que se considerava com direito. Com este principio, esfalfava-se sobre o meu corpo, como sobre um instrumento, exigindo uma longa preparacao antes de toca-lo, e incitava-me a todo o tempo a fazer o mesmo com o dele. Mas, embora lhe obedecesse, comecei logo a aborrecer-me e a observa-lo friamente, como se os seus calculos tao transparentes o afastassem de mim e como se estivesse a ver de muito longe, atraves de uma lente de antipatia e de desagrado — nao somente a ele, mas tambem a mim. Era exactamente o contrario do sentimento de simpatia que me esforcara por experimentar por ele no principio da noite. De repente senti nao sei que vergonhosa impressao de remorso e fechei os olhos. Ele acabou por se cansar e ficamos estendidos lado a lado. Sublinhou num tom de satisfacao:
— Tens de reconhecer que, apesar de nao ser ja muito novo, sou um amante excepcional!
— E verdade — respondi com indiferenca.
— Todas as mulheres mo dizem — continuou. — Sabes o que penso? Que e nos pequenos barris que se encontra o melhor vinho: ha homens grandes, com o dobro do meu tamanho, que nada valem!
Comecei a sentir frio. Sentei-me na cama e puxei a colcha sobre nos. Ele interpretou o meu gesto como uma atencao afectuosa.
— Muito bem! — disse-me. — Agora vou dormir um bocadinho.
Enrolou-se de encontro a mim e adormeceu.
Continuei imovel, deitada de costas, com a sua cabeca branca sobre o meu peito. A colcha nao nos tapava senao ate a cintura; olhando-o, vendo o seu dorso peludo, marcado por pregas moles indicando a idade madura, tive uma vez mais a impressao de me encontrar com alguem que me era perfeitamente estranho. Mas ele dormia, e como dormia, ja nao falava, nao olhava, nao gesticulava. Neste sono, dado o seu caracter pouco atraente, nao ficava, por assim dizer, mais do que a sua melhor parte, que era a de ser um homem como tantos sem profissao,