supliquei-lhe:
— Por piedade… nao me digas o que sentes por mim!
— Mas porque?
— Porque nao me interessa saber. Nao sei o que sentes por mim e nao o quero saber. Chega-me saber o que eu sinto por ti.
Abanou a cabeca e disse:
— Fazes mal em gostar de mim… devias amar um homem como Sonzogne.
Olhei-o sinceramente admirada.
— Mas que dizes tu? Um criminoso?!
— Pode ser que seja um criminoso… mas sente os impulsos que tu dizes… assim como tem impulsos para matar, tenho a certeza de que tera um impulso para amar, assim, com simplicidade, sem complicacoes… eu, pelo contrario…
Nao o deixei acabar e protestei:
— Mas tu nao te podes comparar com Sonzogne. Tu es aquilo que es… o outro e um criminoso, um monstro. E depois nao deve ser verdade que ele possa sentir impulsos amorosos. Para ele e simplesmente uma satisfacao dos sentidos: eu ou outra, e a mesma coisa.
Nao parecia convencido, mas nada disse. Aproveitei este silencio, e, estendendo a mao, enfiei os dedos na manga do seu casaco e procurei faze-los subir ao longo do seu braco.
— Jaiminho — disse-lhe.
— Porque me chamas Jaiminho?
— E o diminutivo de Jaime. Nao tenho o direito?
— Sim… sim… tens o direito… Somente e o diminutivo que usam em familia… mais nada.
— E a tua mae quem te chama assim? — perguntei largando-lhe o pulso e introduzindo os dedos entre a gravata e a camisa e passando-os sobre o peito nu.
— Sim, minha mae chama-me Jaiminho — confirmou com certa impaciencia.
E passado um momento, com um acento meio sarcastico meio furioso :
— De resto, nao e o unico caso em que tu e minha mae usam as mesmas expressoes. No fundo voces tem a mesma opiniao sobre quase todas as coisas.
— Por exemplo? — perguntei.
Estava perturbada; tinha desabotoado a camisa e esforcava-me por alcancar o seu ombro magro e gracil de rapazinho.
— Por exemplo, quando te contei que me ocupava de politica tu gritaste logo com voz apavorada: Mas e proibido! E perigoso! Pois bem! Minha mae teria dito exactamente a mesma coisa, com a mesma voz.
A ideia de que me parecia com a mae dele envaidecia-me, primeiro por ser sua mae e depois porque era uma senhora.
— Que pateta! — disse-lhe com ternura. — E porque ela gosta tanto de ti como eu. E bem verdade que e perigoso ocupar-se de politica; um rapaz que eu conheco foi preso e ha dois anos que esta detido. E para que? Eles sao mais fortes, e mal voces se mexem metem-nos na prisao. Parece-me que se podia muito bem viver sem politica.
— A minha mae! A minha mae! — gritou, rejubilante e sarcastico. — Exactamente o que diz minha mae !
— Nao sei o que diz a tua mae — respondi —, mas e bem certo que tudo o que ela te diz e para teu bem. Devias deixar a politica. Tu nao es um politico profissional… es um estudante… os estudantes so tem que estudar.
— Estudar, doutorar-se e arranjar uma posicao — murmurou como se falasse consigo.
Nao lhe respondi, mas aproximei a minha cara da sua e ofereci-lhe os labios. Beijamo-nos, depois separamo-nos; parecia zangado por me ter beijado e olhava-me com ar hostil e mortificado. Julguei te-lo magoado por interromper com o meu beijo a sua conversa sobre politica e acrescentei depressa:
— De resto, faz o que quiseres, nada tenho com a tua vida… Se quiseres, visto que estou aqui, podes dar-me o pacote… esconde-lo-ei como combinamos.
— Nao, nao — respondeu. — Este nao e o momento para favores destes! Dada a tua amizade com Astarito… se ele os encontra…
— Porque? Astarito e assim tao perigoso?
— E dos piores — respondeu-me com gravidade.
Senti nao sei que tentacao maliciosa de o arreliar e de lhe espicacar o amor-proprio, mas afectuosamente, sem maldade.
— No fundo — observei com docura —, nunca tiveste a intencao de me confiar esses pacotes!
— Entao porque te falei neles?
— Ouve, nao te zangues, mas penso que me falaste neles por falar, para te tornares interessante, para me mostrares que fazias realmente coisas perigosas e proibidas.
Zangou-se e vi que tinha tocado na sua corda sensivel.
— Que disparate! — gritou. — Es uma parva!
Depois, subitamente calmo, perguntou-me com ar desconfiado :
— Porque? Que te leva a pensar isso?
— Nao sei — respondi sorrindo. — Toda a tua maneira de agir… Tu talvez nao des por isso, mas nao das a impressao de fazer essas coisas a serio.
Teve um gesto comico que parecia dirigido contra ele:
— Sao, pelo contrario, coisas muito serias! — disse-me. Levantou-se, estendeu os bracos magros, recitou com voz de falsete, num tom enfatico: “Armas! Sim, armas! E so eu cairei!” E continuou a agitar os bracos e as pernas como um fantoche. Estava comico.
— Que queres dizer? — perguntei.
— Nada — respondeu. — E um verso.
De uma maneira bizarra pareceu passar da excitacao a um brusco abatimento; tornou-se sombrio e meditativo, tornou a sentar-se e disse-me num tom sincero:
— Pelo contrario, olha, faco as coisas tao a serio que espero com toda a certeza ser preso… Entao toda a gente vera bem se fiz as coisas a serio!
Nao respondi; acariciei-lhe o rosto, tomei-lho entre as maos e disse-lhe:
— Que lindos olhos tens!
Era verdade; os seus olhos eram realmente belos, grandes e doces, com uma expressao intensa e ingenua. De novo se perturbou e o queixo tremeu-lhe.
— Porque nao vamos para o teu quarto? — murmurei.
— Nem pensar nisso. E contiguo ao quarto da viuva, que fica la todo o dia de porta aberta para vigiar o corredor.
— Entao vamos a minha casa.
— E muito tarde… moras longe… Espero uns amigos de um momento para o outro.
— Entao aqui.
— Tu es doida!
— Confessa antes que tens medo — insisti. — Nao tens medo de fazer propaganda politica, mas tens medo de ser surpreendido nesta sala com a mulher que te ama. Que pode acontecer-te no fim de contas? Que a viuva te despeca? Que sejas obrigado a procurar outro quarto?
Sabia que excitando o seu amor-proprio podia obter-se tudo dele. Com efeito, pareceu convencido. Devia sentir um desejo pelo menos tao forte como o meu.
— Nao passas de uma louca! — repetiu. — Talvez seja mais aborrecido ser despedido daqui do que ser preso… Alias onde nos vamos encaixar?
— No chao — disse-lhe docemente com uma intensa ternura. — Vem… eu mostro-te como se faz.
Parecia tao perturbado que nao tinha ja forcas para falar. Levantei-me do canape e, sem pressa, estendi-me no chao. O mosaico estava coberto por muitos tapetes; ao meio do quarto havia a mesa com o licoreiro. Estendi-me sobre o tapete, a cabeca e o busto debaixo da mesa, depois puxei Jaime pelo braco e obriguei-o, contra a sua vontade, a estender-se sobre mim.