comilanca festiva. O presunto, o pao e o vinho diminuem rapidamente. Todo mundo come e bebe com bom apetite.
– Acredita que um advogado vai poder fazer alguma coisa por nos?
Estouro de rir. Que coitados, ate eles cairam no golpe do advogado!
– Nao sei. E preciso estudar e consultar antes de pagar.
– O melhor – diz Clousiot – seria pagar somente em caso de sucesso.
– E isso, preciso encontrar um advogado que aceite essa minha proposta.
E nao falo mais no assunto. Tenho um pouco de vergonha.
No dia seguinte, o libanes volta: “E muito complicado”, diz. “E Preciso classificar as perolas por medidas, depois pela cor, pela dureza e segundo a forma: ver se sao bem redondas ou barrocas.” Em suma, nao e so complicado, mas, ainda por cima, o libanes diz que deve trazer um outro comprador possivel, mais competente do que ele. Em quatro dias, o negocio esta feito. Ele paga 30 000 pesos. Na ultima hora, retirei uma perola rosa e duas perolas negras para dar de presente a mulher do consul belga. Como bons comerciantes, eles se aproveitam disso para dizer que estas tres perolas valem, elas somente, 5 000 pesos. Assim mesmo, fico com as perolas.
O consul belga nao quer absolutamente aceitar as perolas. Ele guardara para mim os 15 000 pesos. Logo, estou na posse de 27 000 pesos. Trata-se de levar a bom termo o terceiro negocio.
Como, de que maneira vou me arranjar? Um bom operario ganha na Colombia de 8 a 10 pesos por dia. Portanto, os 27 000 pesos sao um dinheirao. Vou malhar o ferro enquanto esta quente. O comandante recebeu 23 000 pesos. Com os 27 000 a mais, tera 50 000.
– Comandante, quanto vale uma loja que daria para viver melhor do que o senhor?
– Uma boa loja vale, a dinheiro, de 45 a 60 000 pesos.
– E quanto rende? Tres vezes o que o senhor ganha? Quatro vezes?
– Mais. Rende cinco ou seis vezes o que eu ganho.
– E por que o senhor nao vira comerciante?
– Precisaria ter duas vezes o que tenho.
– Escute, comandante, tenho um terceiro negocio a lhe propor.
– Nao brinque comigo.
– Nao, eu lhe garanto. Quer os 27 000 pesos que eu tenho? Sao seus, quando quiser.
– Como?
– Deixe-me ir embora.
– Escute, frances, sei que nao tem confianca em mim. Antes, talvez tivesse razao. Mas agora que, gracas a voce, sai da miseria ou coisa parecida e que posso comprar uma casa e mandar meus filhos para a escola particular, saiba que sou seu amigo. Nao quero lhe roubar, nem que seja morto. Aqui, nao posso fazer nada por voce, mesmo por uma fortuna. Nao posso facilitar sua fuga com chances de exito.
– E se lhe provo o contrario?
– Entao, a gente ve, mas pense bem antes.
– Comandante, tem um amigo pescador?
– Sim.
– Sera que ele e capaz de me levar para o mar e de me vender sua canoa?
– Nao sei.
– Quanto, mais ou menos, vale seu barco?
– Dois mil pesos.
– Se lhe der 7 000 e 20 000 ao senhor, serve?
– Frances, 10 000 bastam para mim, guarde alguma coisa voce.
– Arrume as coisas.
– Ira sozinho?
– Nao.
– Quantos?
– Tres ao todo.
– Deixe eu falar com meu amigo pescador.
Estou assombrado com a mudanca deste sujeito em relacao a mim. Com a sua cara de assassino, tem no fundo do seu coracao belas coisas escondidas.
No patio, falo a Clousiot e Maturette. Eles me dizem que eu faca como achar melhor, que estao prontos para me seguir. Este abandono da vida deles em minhas maos me da uma satisfacao bem grande. Nao abusarei disso, serei prudente ao extremo, porque assumi uma grande responsabilidade. Mas devo avisar aos nossos outros companheiros. Acabamos de encerrar um torneio de domino. Sao quase 9 horas da noite. E o ultimo momento que temos para tomar cafe. Grito:
– Preciso lhes falar. Ai esta. Creio que vou conseguir fugir outra vez. Infelizmente, so tres podem partir. E normal que va com Clousiot e Maturette, que sao homens com os quais ja fugi do degredo. Se algum de voces tem alguma coisa a criticar, que fale com franqueza, eu escutarei.
– Nao – diz o bretao -, este e justamente o ponto de vista de todos. Antes de tudo, porque voces sairam juntos do degredo. Alem disso, se voces estao nesta situacao, a culpa e nossa, fomos nos que quisemos desembarcar na Colombia. Papillon, obrigado, de qualquer maneira, por ter pedido nossa opiniao. Que Deus ajude para que de certo, porque, se voces forem capturados, e morte certa e em condicoes horrorosas.
– Nos sabemos disso – dizem juntos Clousiot e Maturette.
O comandante me falou de tarde. Seu amigo esta de acordo. Pergunta o que queremos levar na canoa.
– Um barril de 50 litros de agua potavel, 25 quilos de farinha de milho e 6 litros de azeite. E tudo.
–
–
– Voce e valente, frances.
Feito. Fica resolvido, vamos fazer o terceiro negocio. Ele acrescenta friamente:
– Faco isto, creia ou nao, por meus filhos e, em seguida, por voce, que merece pela sua coragem.
Sei que e verdade e agradeco.
– Como fara para nao deixar que percebam que estou de combinacao com voce?
– Sua responsabilidade nao sera comprometida. Partirei de noite, quando o subcomandante estiver de guarda.
– Qual e o seu plano?
– Comece amanha a tirar um policial da guarda da noite. Dentro de tres dias, tire outro. Quando nao houver senao um, mande instalar uma guarita na frente da porta da nossa cela. Na primeira noite de chuva, a sentinela vai se abrigar na guarita e eu saltarei pela janela de tras. Quanto a luz em torno do muro, e preciso que voce encontre, pessoalmente, o meio de provocar um curto-circuito. E tudo o que lhe peco. Pode provocar o curto-circuito jogando, voce mesmo, um fio de cobre de 1 metro, com duas pedras amarradas, sobre os dois fios que vao ate o poste da fileira das lampadas que iluminam a parte de cima do muro. Quanto ao pescador, a canoa deve estar amarrada por uma corrente, cujo cadeado ele mesmo devera abrir, de maneira que eu nao perca tempo, as velas devem estar prontas para serem icadas e deve haver tres remos grandes para pegar o vento.
– Mas tem um motorzinho – diz o comandante.
– Ah! Nesse caso, melhor ainda: que ele coloque o motor no ponto morto, como se estivesse esquentando, e que va ao primeiro cafe beber pinga. Quando vir a gente chegar, deve se colocar junto do barco num encerado preto.
– O dinheiro?
– Vou cortar em dois os 20 000 pesos que vou dar a voce, cada nota sera cortada na metade. Ao pescador, pago os 7 000 pesos adiantados. A voce, dou adiantada a metade das notas e a outra metade lhe sera entregue por um frances que vai ficar, lhe direi qual.
– Entao, nao acredita em mim? Estamos mal.
– Nao, o caso nao e este, mas voce pode cometer um erro no curto-circuito e, entao, nao pago, porque sem curto-circuito nao posso cair fora.
– Esta bem.
Tudo pronto. Por intermedio do comandante, dei os 7 000 pesos ao pescador. Ja ha cinco dias que so ha uma sentinela. A guarita esta instalada e aguardamos a chuva que nao chega. A grade foi serrada com serras arranjadas pelo comandante, o entalhe bem tapado e, ainda por cima, disfarcado por uma gaiola com um papagaio, que ja comeca a dizer “merda” em frances. Pisamos sobre carvao em brasa. O comandante esta com a metade das notas. Todas as noites, ficamos de espera. Nao chove. O comandante deve, uma hora depois do comeco da chuva, provocar o curto circuito sob o muro, do lado de fora. Nada, nada, nenhuma chuva nesta estacao, e incrivel. A menor nuvem, em boa hora percebida atraves de nossas grades, nos enche de esperanca, mas depois nao vem nenhuma chuva. Esta ficando um brinquedo besta. Ja faz dezesseis dias que tudo esta pronto, dezesseis noites de vigilia, o coracao em sobressalto. Um domingo, pela manha, o
– Que e que ha?
– Frances, meu amigo, voce so tem esta noite. Amanha, as 6, voces vao para Barranquilla. Nao lhe entrego senao 3 000 pesos do pescador, porque o resto ele gastou. Se Deus quiser que chova esta noite, o pescador espera voce e, ao pegar o barco, de a ele o dinheiro. Tenho confianca em voce, sei que nao tenho nada a temer.
Nao choveu.