As 6 da manha, oito soldados e dois cabos, acompanhados de um tenente, nos botam as algemas e la vamos para Barranquilla, num caminhao militar. Fazemos os 180 quilometros em tres horas e meia. As 10 da manha, estamos na prisao que se chama a “80”, Rua Medellin, em Barranquilla. Tanto esforco para nao ir a Barranquilla e ai estamos, apesar de tudo! E uma cidade importante. O primeiro porto colombiano no Atlantico, mas situado no interior do estuario de um rio, o Magdalena. Quanto a sua prisao, e importante: quatrocentos prisioneiros e cerca de cem guardas. Esta organizada como qualquer prisao da Europa. Dois muros de ronda com mais de 8 metros de altura.
A gente e recebida pelo estado-maior da prisao, tendo a frente Don Gregorio, o diretor. A prisao se compoe de quatro patios. Dois de um lado, dois de outro. Sao separados por uma capela comprida, onde se vai a missa e que serve de parlatorio. Na revista encontraram os 23 000 pesos e as flechinhas. Creio ser de meu dever avisar ao diretor que elas estao envenenadas, o que nao e absolutamente coisa que me faca passar por bom moco.
– Estes franceses tem ate flechas envenenadas!
Esta prisao de Barranquilla e para nos o momento mais perigoso da nossa aventura. E aqui, de fato, que seremos entregues as autoridades francesas. Sim, Barranquilla, que para nos se reduz a sua enorme prisao, representa o ponto crucial. E preciso a gente fugir, seja qual for o sacrificio. E preciso arriscar: tudo ou nada.
Nossa cela se acha no meio do patio. Alias, nao e uma cela, e uma jaula: um teto de cimento repousando em grossas barras de ferro, tendo, nos angulos, as privadas e os lavatorios. Os outros presos, uns cem, estao distribuidos em celas encravadas nos quatro muros deste patio de 20 metros por 40, uma grade dando para o patio. Cada grade e encimada por uma especie de toldo de folha de zinco, para impedir que a chuva entre na cela. Somente nos, os seis franceses, estamos nesta jaula central, expostos, dia e noite, aos olhos dos presos mas principalmente dos guardas. O dia e passado no patio, das 6 da manha as 6 da tarde. A gente entra ou sai da cela a vontade. Podemos conversar, passear, ate comer no patio.
Dois dias depois de nossa chegada, somos reunidos, os seis, na capela, na presenca do diretor, de alguns policiais e de sete ou oito jornalistas e fotografos.
– Voces se evadiram da prisao francesa da Guiana?
– Nunca negamos isso.
– Quais os crimes pelos quais cada um de voces foi condenado com tanto rigor?
– Isso nao tem nenhuma importancia. O importante e que nao cometemos delito algum na terra colombiana e que a nacao dos senhores nao so nos recusa o direito de reconstruirmos a nossa vida, mas ainda se presta ao papel de cacadora de homens, de policia do governo frances.
– A Colombia acha que nao deve aceita-los no seu territorio.
– Mas eu, pessoalmente, e dois outros camaradas estavamos e continuamos bem decididos a nao viver neste pais. Fomos presos, os tres, no mar alto e nao estavamos pensando em desembarcar nesta terra. Pelo contrario, faziamos todos os esforcos possiveis para nos afastar dela.
– Os franceses – diz um jornalista de um jornal catolico – sao quase todos catolicos, como nos, os colombianos.
– E possivel que os senhores se batizem no catolicismo, mas o seu modo de agir e muito pouco cristao.
– E de que nos censuram?
– De serem os colaboradores dos guarda-forcados, que nos perseguem. Pior ainda, de fazer o trabalho deles. De nos terem tomado nosso barco, com tudo que nos pertencia e que era so nosso, doacao dos catolicos da ilha de Curacau, representados com tanta nobreza pelo Bispo Irenee de Bruyne. Nao podemos achar admissivel que os senhores nao queiram correr o risco de nossa problematica regeneracao e que, para cumulo de tudo, nos impecam de ir mais longe, pelos nossos proprios meios, ate um pais que, talvez, aceite correr esse risco. Isso e inaceitavel.
– Entao, nos querem mal, a nos, colombianos?
– Nao aos colombianos, mas ao seu sistema policial e judiciario.
– Que querem dizer com isso?
– Que todo erro pode ser corrigido, quando se tem boa vontade. Deixem-nos partir por mar para outro pais.
– Tentaremos obter isso para os senhores.
Uma vez de volta ao patio, Maturette me diz:
– E entao? Ja manjou? Desta vez, nada de ilusao, meu caro! Estamos fritos e para saltar da frigideira nao vai ser facil!
– Caros amigos, nao sei se, unidos, seriamos mais fortes, mas vou lhes dizer que cada um pode fazer o que bem entenda. Quanto a mim, tenho de fugir desta famosa 80.
Quinta-feira, sou chamado ao parlatorio e vejo um homem bem vestido de cerca de 45 anos. Eu o olho. Parece estranhamente com Louis Dega.
– Voce e o Papillon?
– Sim.
– Sou Joseph, o irmao de Louis Dega. Li os jornais e vim ver voce.
– Obrigado.
– Viu por la meu irmao? Voce o conhece?
Conto-lhe exatamente a odisseia de Dega ate o dia em que a gente se separou no hospital. Ele me informa que seu irmao esta nas Ilhas da Salvacao, noticia que lhe chegou de Marselha. As visitas tem lugar na capela, as quintas e aos domingos. Ele me diz que, em Barranquilla, vive uma duzia de franceses, que vieram fazer fortuna com suas mulheres. Sao todos cafetoes. Num bairro especial da cidade, uma duzia e meia de prostitutas mantem a alta tradicao francesa da prostituicao requintada e habil. Sempre os mesmos tipos de homem, os mesmos tipos de mulher, que, do Cairo ao Libano, da Inglaterra a Australia, de Buenos Aires a Caracas, de Saigon a Brazzaville, vao levando pela terra sua especialidade, velha como o mundo, a prostituicao e a maneira de bem vive-la.
Joseph Dega me conta uma muito boa: os cafetoes franceses de Barranquilla estao inquietos. Tem medo que nossa vinda a prisao desta cidade perturbe a tranquilidade deles e traga prejuizo ao seu florescente comercio. Com efeito, se um ou varios de nos fugirem, a policia ira procura-los nas
Estou, dessa maneira, bem informado. Ele acrescenta que fica a minha disposicao para o que der e vier e que vira me ver nas quintas e domingos. Agradeco a este otimo rapaz, que me demonstrou, mais tarde, que suas promessas eram sinceras. Ele me informa, igualmente, que, segundo os jornais, nossa extradicao foi concedida a Franca.
– Muito bem, meus senhores! Tenho varias coisas a lhes dizer.
– O que? exclamam todos a uma so voz.
– Em primeiro lugar, que nao ha por que alimentar ilusoes. A extradicao ja foi acertada. Um barco especial da Guiana Francesa vira nos buscar aqui, para nos levar ao lugar de onde viemos. Em seguida, nossa presenca preocupa os nossos conterraneos cafetoes, bem instalados nesta cidade. Nao falo do cara que fez a visita. Ele nao liga para as consequencias, mas os seus colegas de corporacao temem que, se um de nos se evadir, isto lhes de aborrecimentos.
Todo mundo ri as gargalhadas. Pensam que estou fazendo gozacao. Clousiot diz:
– Senhor cafifa fulano, sera que posso fugir? O senhor me da licenca?
– Muito engracado. Se ele vem nos ver da parte das putas, e bom dizer para nao vir mais. Entendido?
– Entendido.
No nosso patio se encontram, como ja disse, uns cem presos colombianos. Estao bem longe de ser imbecis. Ha, na verdade, bons ladroes, falsarios refinados, escroques de espirito engenhoso, traficantes de entorpecentes e alguns assassinos especialmente preparados para esta profissao tao banal na America do Sul. Nesta parte do mundo, os ricos, os politicos e os aventureiros de boa situacao alugam os servicos desses assassinos, que agem por eles.
As peles sao de cores variadas. Vao do preto africano dos senegaleses ao bronzeado de nossos crioulos da Martinica; da cor de tijolo india mongolica, com os cabelos lisos preto-violeta, ao branco puro. Faco contatos, tento me informar sobre a capacidade e a vontade de evasao de alguns individuos escolhidos. A maioria deles e como eu: como temem receber ou ja receberam uma pena grande para cumprir, vivem em permanente alerta, prontos para fugir.
Em cima dos quatro muros deste patio retangular ha um caminho de ronda muito iluminado a noite, tendo, a cada angulo do muro, uma torrezinha onde se abriga uma sentinela. Assim, dia e noite, quatro sentinelas estao de servico, mais uma no patio, a porta da capela. Esta ultima, desarmada. A alimentacao e suficiente e varios prisioneiros vendem comida e cafe ou sucos de frutas do pais: laranjas, abacaxi, mamao, etc, que vem de fora. De tempos em tempos, esses pequenos comerciantes sao vitimas de um ataque a mao armada, executado com surpreendente rapidez. Sem tempo de ver quem se aproxima, tem a cara coberta por um guardanapo grande, que os impede de gritar, e uma faca encostada nos rins ou no pescoco, pronta a entrar profundamente ao menor movimento. A vitima e despojada da receita antes de poder dar um ai. Um murro na nuca acompanha a retirada do guardanapo. Nunca, aconteca o que acontecer, alguem fala. As vezes, o comerciante arruma seus trocos – maneira de fechar sua loja – e procura quem podia ter-lhe dado o golpe. Se o descobre, ha briga, sempre de faca.
Dois ladroes colombianos vem me fazer uma proposta. Eu os escuto muito atentamente. Existem na cidade, ao que parece, policiais ladroes. Quando estao de servico num setor, avisam aos cumplices para que possam ir la roubar.
Meus dois visitantes conhecem todos eles e me explicam que seria um azar se, durante a semana, nao houvesse um desses policiais dando guarda na porta da capela. Seria preciso que eu mandasse vir um revolver para mim na visita. O policial ladrao aceitaria, sem esforco, fingir que foi obrigado a bater na porta de saida da capela, que da para
O plano nao me agrada muito. Para poder ficar disfarcado, o revolver tem de ser uma arma muito pequena, no maximo um 6,35. Com uma coisa assim, a gente corre o risco de nao intimidar suficientemente os guardas. Um deles pode reagir e seremos obrigados a mata-los. Digo nao.
O desejo de acao nao atormenta so a mim, mas tambem aos meus amigos. Com a diferenca de que, em certos dias de desalento, chegam a admitir que o barco, que vira nos buscar, nos encontre ainda na prisao. Dai a se verem derrotados nao vai muito. Discutem mesmo sobre quais poderao ser nossas punicoes por la e quais os tratamentos que nos aguardam.
– Nao posso mesmo escutar voces, seus calhordas! Quando quiserem falar desse futuro, discutam na minha ausencia, vao para um canto onde eu nao esteja. A fatalidade, de que falam, so e aceitavel quando a gente esta impotente. Voces estao impotentes? Tem alguem entre nos a quem cortaram os culhoes? Se isso aconteceu, me avisem. Porque, seus merdas, vou lhes dizer: quando penso na fuga penso nela para todos. Quando meu cerebro estoura a forca de calcular como fazer para a gente se evadir, estou pensando na evasao de todos. E nao e facil pensar numa fuga para seis homens. Porque eu, vou lhes dizer, se vejo o dia chegar sem ter feito nada, e facil: mato um policial colombiano para ganhar tempo. E, entao, terei tempo a minha frente. E, como estarei sozinho para fugir, sera mais