facil.

Os colombianos preparam outro plano, que nao e mal pensado. No dia da missa, domingo de manha, a capela esta sempre cheia de visitantes e de prisioneiros. No comeco ouve-se a missa, todo mundo junto, e depois, terminado o oficio religioso, ficam na capela os presos que tem visita. Os colombianos me pedem para ir domingo a missa, a fim de verificar bem como a coisa se passa e poder coordenar a acao para o domingo seguinte. Eles me propoem ser o chefe da revolta. Mas eu recuso esta honra: nao conheco bastante os homens que vao agir.

Respondo por quatro franceses. O bretao e o homem do ferro de engomar nao querem participar da coisa. Nao ha problema, basta nao irem a capela. Domingo, nos, os quatro que estamos no golpe, assistimos a missa. Esta capela e retangular. No fundo, o coro, no meio, de cada lado, duas portas que dao para os patios. A porta principal da para um posto de guarda. Ela e guarnecida com uma grade, atras da qual se acham os guardas, uns vinte. Enfim, atras deles, a porta para a rua. Como a capela esta cheia de arrebentar, os guardas deixam a grade aberta e, durante o oficio, ficam de pe em fileira cerrada. Entre os visitantes, devem vir dois homens e armas. Estas serao trazidas por mulheres, entre suas coxas. Elas passarao as armas assim que todo mundo tenha entrado. Serao dois revolveres grandes de calibre 38 ou 45. O chefe do golpe recebera um revolver de grande calibre de uma mulher, que imediatamente se retirara. A gente deve atacar de uma so vez, ao sinal do segundo toque de sineta do menino do coro. Quanto a mim, devo meter uma faca enorme debaixo da garganta do diretor, Don Gregorio, dizendo: “Hay que dar la orden de nos dejar pasar, si no, le inalo”. (De ordem para nos deixarem passar, senao vou mata-lo.)

Um outro deve fazer o mesmo com o padre. Os tres outros, de tres angulos diferentes, apontarao suas armas para os policiais em pe, junto a grade da entrada principal da capela. Comunicarao a ordem de abater o primeiro que nao deixar cair sua arma. Os que nao estiverem armados devem ser os primeiros a sair. O padre e o diretor servirao de escudos na retaguarda. Se tudo se passar normalmente, os policiais colocarao seus fuzis no chao. Os homens com os revolveres devem fazer com que eles entrem na capela. Sairemos, fechando primeiro a grade e a seguir a porta de madeira. O posto de guarda estara vazio, uma vez que todos os policiais assistem a missa obrigatoriamente em pe. Fora, a 50 metros, estara um caminhao com uma pequena escada suspensa atras, para podermos subir mais depressa. O caminhao arrancara somente depois que o chefe da revolta tiver subido. Deve ser o ultimo a subir. Depois de ter assistido ao desenvolvimento da missa, concordo. Tudo acontece como Fernando me descreveu.

Joseph Dega nao vira a visita domingo. Ele sabe por que. Vai preparar um taxi falso para que nao precisemos ir no caminhao, e nos levara a um esconderijo, que tambem vai preparar. Fico muito excitado durante toda a semana e aguardo a acao com impaciencia. Fernando pode arranjar um revolver por um outro meio. E um 45 da Guarda Civil colombiana, uma arma verdadeiramente temivel. Quinta-feira, uma das mulheres de Joseph veio me ver. E muito gentil e me diz que o taxi sera de cor amarela, a gente nao pode se enganar.

– O.K. Obrigado.

– Boa sorte.

Ela me beija amavelmente nas faces e me parece um pouco comovida”.

– Entre, entre. Que esta capela se encha para escutar a voz de Deus – diz o padre.

Clousiot esta completamente preparado. Maturette tem os olhos brilhantes e o outro nao se afasta de mim um passo. Muito calmo, ocupo meu lugar. Don Gregorio, o diretor, esta ai, sentado numa cadeira ao lado de uma mulher grandalhona. Estou em pe, encostado na parede. A minha direita, Clousiot, a minha esquerda, os dois outros, vestidos convenientemente, para que nao sejamos notados em publico, se chegarmos a rua. Tenho a faca toda aberta contra meu antebraco direito. Ela esta segura por um elastico grosso e coberta pela manga de minha camisa caqui, bem abotoada no punho. E no momento da elevacao, quando todo mundo baixa a cabeca, como se procurasse alguma coisa, que o menino do coro, depois de ter tilintado muito depressa sua sineta, deve fazer ouvir tres toques distintos. O segundo e o nosso sinal. Cada qual sabe, entao, o que deve fazer.

Primeiro toque, segundo… Eu me jogo em cima de Don Gregorio, o punhal sobre seu grosso pescoco encarquilhado. O padre grita: “Misericordia no me maten”. E, sem os ver, ouco os tres outros ordenarem aos guardas para jogar os fuzis no chao. Tudo vai bem. Pego Don Gregorio pela gola de seu bonito terno e lhe digo:

– Sigue y no tengas miedo, no te hare dano. (Siga-me e nao tenha medo, nao lhe farei mal.)

O padre esta seguro, com uma navalha no pescoco, perto de meu grupo. Fernando diz:

– Vamos, frances, vamos a Ia salida. (Vamos, frances, vamos para a saida.)

Com a alegria do triunfo, do exito, empurro todo o meu pessoal para a porta que da para a rua, quando estouram dois tiros de fuzil ao mesmo tempo. Fernando cai e tambem um dos que estao armados. Avanco, assim mesmo, 1 metro, mas os guardas se reergueram e nos barram a passagem com seus fuzis. Por sorte, entre eles e nos estao mulheres. Elas os impedem de atirar. Dois outros tiros de fuzil, seguidos por um tiro de revolver. Nosso terceiro companheiro armado acaba de ser abatido, depois de ter tempo de dar um tiro, um pouco a esmo, pois feriu uma moca. Palido como a morte, Don Gregorio me diz:

– Me de a faca.

Eu lhe entrego a arma. Ja nao adiantava continuar a luta. Em menos de trinta segundos, a situacao tinha virado.

Mais de uma semana depois, soube que a revolta havia fracassado por causa de um preso de outro patio, que assistia a missa como curioso, de fora da capela. Desde os primeiros segundos da acao, ele advertiu as sentinelas do muro de ronda. Elas saltaram desse muro de mais de 6 metros para dentro do patio, uma de um lado da capela, a outra do outro, e, atraves das barras das portas laterais, atiraram primeiro em cima dos dois que, em pe, sobre um banco, ameacavam com suas armas os policiais. O terceiro foi abatido alguns segundos depois, ao passar pelo campo de mira deles. A consequencia foi uma bela corrida. Quanto a mim, fiquei ao lado do diretor, que gritava ordens. Dezesseis dentre nos, incluindo os quatro franceses, nos reencontramos com as barras da justica num calabouco, postos a pao e agua.

Don Gregorio recebeu a visita de Joseph. Ele me manda chamar e me explica que, para agradar a Joseph, vai me recolocar no patio com meus camaradas. Gracas a Joseph, dez dias depois da revolta estavamos de novo no patio, inclusive os colombianos, e na mesma cela. Ai chegando, peco que concedamos a Fernando e aos seus dois amigos mortos na acao alguns minutos de lembranca. Por ocasiao de uma visita, Joseph me explicou que havia feito uma subscricao e que, entre todos os caftens, juntou 5 000 pesos, com os quais pode convencer Don Gregorio. Esse gesto elevou os caftens em nosso conceito.

Que fazer agora? O que inventar? Seja como for, nao vou me reconhecer vencido e esperar, sem qualquer iniciativa, a chegada do barco!

Deitado no banheiro comum, ao abrigo de um sol de chumbo, posso examinar, sem despertar atencao, o movimento das sentinelas sobre o muro de ronda. De noite, a cada dez minutos, elas gritam, cada qual por sua vez. “Sentinelas, posicao de sentido!” Dessa maneira, o chefe do posto e capaz de verificar se alguma das quatro nao esta dormindo. Se uma nao responde, a outra torna a gritar sua ordem, ate obter resposta.

Acredito ter encontrado uma falha. Com efeito, de cada abrigo, nos quatro cantos do caminho de ronda, pende uma caixa amarrada a uma corda. Quando a sentinela quer cafe, chama o cafetero, que lhe manda um ou dois cafes pela caixa. O soldado nao precisa mais do que puxar a corda. Ora, o abrigo da extrema direita tem uma especie de torrezinha, que avanca, um pouco por cima do patio. E eu penso que, se fabricasse um gancho grande, amarrado na ponta de uma corda trancada, ele se engancharia com facilidade. Em poucos segundos, devo ser capaz de atravessar o muro, que da para a rua. Unico problema: neutralizar a sentinela. Como?

Eu a vejo se erguer e dar alguns passos sobre o muro de ronda. O soldado me da a impressao de estar incomodado pelo calor e de lutar para nao cair no sono. O negocio e este, pelo amor de Deus! E preciso que durma. Vou primeiro confeccionar a corda e, se encontrar um gancho seguro, adormece-la e tentar a sorte. Em dois dias, esta trancada uma corda de cerca de 7 metros, com todas as camisas de tecido forte que foi possivel encontrar, sobretudo as camisas caquis. O gancho foi relativamente facil de encontrar. E o suporte de um dos toldos fixados nas portas das celas, para protege-las da chuva. Joseph Dega me trouxe uma garrafa com um sonifero muito forte. Segundo as indicacoes, deve ser domado em doses de dez gotas apenas. A garrafa contem aproximadamente seis colheronas de sopa. Vou acostumando a sentinela a que aceite que eu lhe ofereca o cafe. O soldado manda a caixa e eu lhe envio, de cada vez, tres cafes. Como todos os colombianos gostam da cachaca e como o sonifero tem um pouco o gosto do anis, mando que me tragam de fora uma garrafa de anis. Digo a sentinela:

– Voce quer um cafe a francesa?

– Como e isso?

– Misturado com anis.

– Va la, quero primeiro provar.

Varios soldados experimentaram meu cafe com anis e, agora, quando ofereco cafe,” me dizem: “A francesa!”

– Como queira.

E zas! Boto o anis no cafe.

Chegou a hora H. Meio-dia, e um sabado. Faz um calor de rachar. Meus amigos acham que e impossivel haver tempo para dois passarem, mas um colombiano de nome arabe, Ali, me diz que subira atras de mim. Aceito. Isso evita que um frances faca papel de cumplice e seja punido mais tarde. Por outro lado, nao posso ter a corda e o gancho comigo, porque a sentinela tera todo tempo para me observar, enquanto lhe dou o cafe. Em nossa opiniao, em cinco minutos ele deve estar dormindo.

Esta na hora. Chamo a sentinela.

– Tudo bem?

– Tudo.

– Quer tomar um cafe?

– Sim, a francesa, e melhor.

– Espere, vou trazer.

Vou ao cafeteiro: “Dois cafes”. Ja coloquei na minha garrafa o frasco de sonifero. Se com isso ele nao cair duro… Chego debaixo dele e ele me ve derramar o anis bem ostensivamente.

– Voce quer forte?

– Sim.

Boto ainda um pouco, deposito tudo na caixa e ele puxa a corda depressa.

Cinco minutos, dez, quinze, vinte minutos passam! O soldado nao dorme. Pior ainda, em vez de ficar sentado, da alguns passos cora o fuzil na mao, indo e vindo. No entanto, bebeu tudo. E a mudanca da guarda e a 1 hora.

Como quem pisa sobre brasas, observo seus movimentos. Nada indica que esteja drogado. Ah! Cambaleou. Sentou diante da guarita, o fuzil entre as pernas. A cabeca dele se inclina por cima do ombro. Meus amigos e dois ou tres colombianos, por dentro desta estoria, acompanham suas reacoes tao apaixonadamente quanto eu.

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