permanencia na prisao 80. Nem quanto devo a Joseph Dega, que chegou a arriscar sua liberdade e sua situacao para me ajudar a fugir.
Mas uma palavra de Annie me deu uma ideia. Conversando, ela me diz:
– Meu querido Papillon, voce fez tudo o que era humanamente possivel para tentar recuperar a liberdade. O destino foi cruel; so lhe falta mesmo explodir a 80!
– E por que nao? Por que nao mandaria pelos ares esta velha prisao? Prestaria um servico a estes colombianos. Se eu fizer explodir a prisao, talvez resolvam construir uma nova, mais higienica.
Ao abracar estas encantadoras jovens, de quem me despeco para sempre, digo a Annie:
– Diga a Joseph para me ver no domingo.
No domingo, dia 22, Joseph aparece.
– Escute, faca o impossivel para que alguem me traga, na quinta uma banana de dinamite, um detonador e um fio Bickford. De minha parte, vou fazer o necessario para ter uma broca e tres mechas de tijolo.
– Que e que vai fazer?
– Vou explodir o muro da prisao em plena luz do dia. Prometa 5 000 pesos ao taxi falso. Que esteja na rua atras da Rua Medellin todos os dias, de 8 horas da manha as 6 da tarde. Recebera 500 pesos por dia, se nao acontecer nada, e 5 000 pesos, se acontecer alguma coisa. Pelo buraco que a dinamite vai abrir, chegarei, carregado por um colombiano forcudo, ate o taxi; ao chofer cabe o resto. Se o taxi falso aceitar, mande a dinamite. Sc nao, entao e o fim, nao ha mais esperanca.
– Conte comigo – diz Joseph.
As 5 horas faco com que me carreguem nos bracos para a capela. Digo que quero rezar sozinho. Sou carregado para la. Peco que Don Gregorio venha me ver. Ele vem.
– Hombre, so tem oito dias para voce se despedir de mim.
– Foi por isso que pedi que o senhor viesse. O senhor tem 15 000 pesos, que me pertencem. Quero entrega-los ao meu amigo, antes de partir, para que os mande a minha familia. Queira aceitar 3 000 pesos, que lhe ofereco de todo coracao, por ter-me sempre protegido da brutalidade dos soldados. O senhor me faria um favor se me desse o dinheiro hoje, com um rolo de papel colante, para que, de hoje ate quinta-feira, eu arrume os pesos para entregar ao meu amigo.
– Combinado.
Ele volta e me entrega, sempre cortados em dois, 12 000 pesos. Guarda consigo 3 000.
Regressando ao meu carrinho, chamo ao meu canto solitario o colombiano, aquele que foi comigo da ultima vez. Conto a ele meu projeto e lhe pergunto se e capaz de me carregar nos bracos, por uns 20 ou 30 metros, ate o taxi. Ele se compromete formalmente. Estou agindo como se Joseph fosse conseguir as coisas. Segunda-feira, de manhazinha, vou para o banheiro e Maturette, que, com Clousiot, funciona sempre como “chofer” do meu carrinho, vai a procura do sargento, a quem dei 3 000 pesos e que tao barbaramente me espancou, por ocasiao da ultima tentativa de evasao.
– Sargento Lopez, preciso lhe falar.
– Que e que o senhor quer?
– Pago 2 000 pesos por uma broca muito forte com tres velocidades e seis mechas de tijolo. Duas de meio centimetro, duas de 1 centimetro e duas de 2 centimetros e meio de grossura.
– Nao tenho dinheiro para comprar isso.
– Tome ai 500 pesos.
– Amanha, terca-feira, na mudanca da guarda, a 1 hora, eu lhe passo a muamba. Prepare os 2 000 pesos.
Na terca-feira recebo tudo a 1 hora, na lata de lixo vazia do patio, uma lata de papeis que e esvaziada na mudanca da guarda. Pablo, o colombiano-fortao, junta tudo e esconde.
Na quinta-feira, 26, por ocasiao da visita, nada de Joseph. La pelo fim da visita, sou chamado. E um velho frances, todo enrugado, que vem da parte de Joseph.
– Neste pao esta tudo que pediu.
– Aqui estao 2 000 pesos para o taxi. Cada dia, 500 pesos.
– O chofer do taxi e um velho peruano machao. Por este lado, fique descansado. Tchau.
– Tchau.
Num grande saco de papel, para que o pao nao desperte curiosidade, botaram cigarros, fosforos, salsichas defumadas, um salsichao, um pacote de manteiga e um frasco de azeite escuro. Enquanto faz a revista do meu embrulho, dou ao guarda da porta um maco de cigarros, fosforos e duas salsichas. Ele me diz:
– Me da um pedaco de pao.
So faltava esta!
– Nao, o pao voce compra. Tome 5 pesos, porque o pao nao e suficiente para nos seis.
Ufa! Escapei por um triz. Mas que ideia de oferecer salsichas a este cara! O carrinho se afasta depressa deste policiai chato. Fiquei tao surpreendido com o pedido de pao, que ainda estou todo suado.
– E amanha o foguetorio. Tudo esta ai, Pablo. E preciso fazer o buraco exatamente debaixo da saliencia da torrezinha. O meganha ali de cima nao vai poder ver voce.
– Mas ele pode ouvir.
– Ja previ isso. De manha, as 10 horas, este lado do patio esta na sombra. E preciso que um dos trabalhadores que lidam com cobre se ponha a aplainar uma folha de cobre, chapeando na parede, a alguns metros de nos, a descoberto. Se forem dois, ainda melhor. Dou a cada um deles 500 pesos. Encontre os dois homens.
Ele os encontra.
– Dois amigos meus vao martelar o cobre sem parar. A sentinela nao podera notar o ruido da mecha. So que e preciso que voce, com seu carrinho, fique um pouco de fora da saliencia e que arranje um bate-boca com os franceses. Isso me deixara um pouco encoberto para a sentinela da outra esquina.
Em uma hora, esta perfurado o buraco. Gracas as marteladas no cobre e gracas ao azeite, que ajuda a penetracao da mecha, a sentinela nao percebe nada. A banana de dinamite e colocada dentro do buraco, o detonador fixado, 20 centimetros de mecha. A banana e calcada com barro. A gente da o fora. Se tudo correr bem, um buraco se abrira com a explosao. O soldado de sentinela caira com a guarita e eu, atraves do buraco, carregado por Pablo, chegarei ao taxi. Os outros se arrumarao. Logicamente, Clousiot e Maturette, mesmo saindo depois de nos, chegarao ao taxi mais depressa do que eu.
Exatamente antes de tocar fogo, Pablo avisa um grupo de colombianos.
– Se voces quiserem fugir da prisao, dentro de alguns instantes vai ter um buraco no muro.
– E bom correr, porque os policiais vao atirar nos ultimos, que estiverem mais a vista.
A gente toca fogo. Uma explosao infernal estremece o quarteirao. A torrezinha se despencou com o policial. O muro tem grossas rachas por todos os lados, tao largas que da para ver a rua do outro lado, mas nenhuma dessas aberturas tem largura suficiente para que se possa passar por ela. A explosao nao produziu nenhuma brecha suficiente e e so neste momento que admito que estou perdido. Meu destino e mesmo o de voltar para la, para Caiena.
O bafafa que se segue a explosao e indescritivel. Ha mais de cinquenta policiais no patio. Don Gregorio sabe com quem tem a ver.
– Bueno, frances. Desta vez, penso que e a ultima.
O chefe da guarnicao esta louco de raiva. Nao pode dar a ordem de espancar um homem ferido, deitado num carrinho, e eu, para evitar aborrecimentos aos outros, declaro bem alto que fui eu mesmo quem fiz tudo sozinho. Seis guardas na frente do muro rachado, seis no patio da prisao, seis na rua, do lado de fora, ficarao de guarda permanente ate que os pedreiros tenham feito os reparos. A sentinela, que caiu do muro de ronda, nao sofreu nada, por sorte.
Tres dias depois, 30 de outubro, as 11 da manha, os doze guardas do degredo, vestidos de branco, chegam para tomar posse de nos. Antes de partir, pequena cerimonia oficial: cada um de nos deve ser identificado e reconhecido. Eles trouxeram nossas fichas antropometricas, fotografias, impressoes digitais e tudo quanto e troco. Verificadas nossas identidades, o consul frances se aproxima para assinar um documento para o juiz do distrito, que e a pessoa encarregada de nossa entrega oficial a Franca. Todos os presentes se acham admirados com a maneira amistosa pela qual os guardas franceses nos tratam. Nenhuma animosidade, nenhuma palavra dura. Os tres que estiveram em cana mais tempo do que nos conhecem varios dos guardas e batem papo com eles como velhos amigos. O chefe da escolta, Comandante Boural, se inquieta com o meu estado, olha meus pes e me diz que terei bom tratamento a bordo, que ha um bom enfermeiro no grupo que veio nos buscar.
A viagem no fundo do porao, neste barquinho, foi penosa principalmente por causa do calor abafado e pelo sofrimento de ficar preso pelos dois pes a estas barras da justica (*), que datam do degredo de Toulon. Um unico incidente a registrar: o barco foi obrigado a se abastecer de carvao em Trinidad. Uma vez no porto, um oficial da marinha inglesa exigiu que nos tirassem as barras de ferro. Ao que parece, e proibido acorrentar homens a bordo de um navio. Aproveitei o incidente para dar uma bofetada num outro oficial inspetor ingles. Com isso, procurava ser detido e levado para terra. O oficial me diz:
(*) Hastes do ferro pelas quais deslizam as correntes colocadas nos pes dos prisioneiros punidos.
– Nao vou deter o senhor, nem leva-lo para a terra, pelo grave delito que acaba de cometer. O senhor sera punido muito mais severamente no lugar para onde esta sendo levado.
Nao consegui coisa nenhuma. Nao, verdadeiramente, meu destino e voltar ao degredo. E uma infelicidade, mas estes onze meses de evasao, de intensas e variadas lutas, terminaram de modo lamentavel. E, apesar de tudo, apesar do fracasso estrondoso dessas multiplas aventuras, a volta a prisao de forcados, com todas as suas amargas consequencias, nao e capaz de apagar os momentos inesqueciveis que vivi ha pouco.
Perto deste porto de Trinidad, que acabamos de deixar, a poucos quilometros, mora a incomparavel familia Bowen. Nao passamos muito longe de Curacau, terra de um grande homem, Irenee de Bruyne, que e bispo deste pais. Certamente, tambem passamos rocando pelo territorio dos indios guajiros, onde conheci o amor mais