Minha mae declarou que ia tirar o avental e deixou-nos sos! Enchia-me uma enorme e ingenua alegria, tinha a impressao de que acabava de conseguir uma grande vitoria quando na realidade isto tudo nao passava de uma comedia, na qual eu era a unica pessoa que permanecia completamente sincera. Aproximei-me de Gino, e antes que ele conseguisse impedir-me beijei-o com paixao. O meu beijo marcava o termo da ansiedade que me tinha atormentado tantos dias, a seguranca de que mais nenhum obstaculo agora se ergueria contra o meu casamento, a minha gratidao por Gino pela sua atitude amavel para com a minha mae, a minha afeicao por ele, uma afeicao sincera, confiante e desarmada como so e possivel sentir-se aos dezoito anos quando ainda nenhuma desilusao nos tocou e feriu a alma. So mais tarde e que vim a compreender como esta candura tem pouca importancia para os outros. A maior parte das pessoas consideram-na ridicula e gostam de a macular.

Dirigimo-nos os tres para um modesto restaurante que ficava perto da nossa casa, do outro lado das fortificacoes. A mesa.

Gino, deixando de me dar qualquer importancia, consagrou-se por completo a minha mae, no claro desejo de a conquistar, o que alias me pareceu louvavel e legitimo; foi por isso que nao prestei grande atencao as suas exageradas amabilidades para com ela. Gino tratava-a por “madame”, tratamento absolutamente novo para ela, e tinha o cuidado de usar esta palavra o mais possivel no comeco e no fim das suas frases. Ao mesmo tempo, com o ar mais natural deste mundo. Dizia-lhe: “A senhora, que e uma pessoa inteligente, deve compreender.” Chegou ao extremo de lhe declarar que quando tinha a minha idade ela devia ter sido muito mais bonita do que eu.

— Que provas tens disso? — perguntei, um tanto amuada.

— Ora! Estas coisas adivinham-se, nao precisam de provas! — respondeu com ar superior e entendido.

Quanto a minha mae, coitada, nao sabia que fazer. Cheguei a notar que as vezes repetia a si propria, murmurando, os madrigais afectados e manifestamente interesseiros de Gino.

Esta era, com certeza absoluta, a primeira vez na sua vida em que lhe diziam coisas destas, e o seu coracao esfomeado nao conseguia saciar-se. A mim, como ja disse, todas essas falsidades me pareciam uma prova de respeito de Gino pela minha mae e da sua delicada ternura para comigo. E tudo isto era como o toque final do pincel no belo retrato de Gino, ja tao cheio de perfeicoes e qualidades.

Entretanto, um grupo de gente jovem viera sentar-se na mesa proxima da nossa. Um dos rapazes, que me pareceu estar embriagado. Pos-se a olhar insistentemente para mim e disse em voz alta qualquer frase obscena a meu respeito. Gino ouviu-a, levantou-se imediatamente e dirigiu-se-lhe:

— Repete o que acabas de dizer! — ordenou.

— O caso interessa-te? — perguntou o outro, numa voz, um pouco pastosa, de bebado.

— Esta senhora e esta menina estao acompanhadas por mim! — declarou Gino elevando a voz — e enquanto estiverem comigo tudo o que lhes diz respeito me interessa. Entendido?

— Entendido. Nao te irrites — respondeu o rapaz, assustado.

Os outros, apesar da sua atitude hostil, nada se atreveram a fazer. E o rapaz, fingindo-se ainda mais embriagado do que na realidade estava, encheu um copo com vinho e ofereceu-o a Gino. Este recusou com um gesto.

— Nao queres beber? — gritou o bebado. — Nao gostas de vinho? Fazes mal. O vinho e bom e faz bem. Esta bem, pronto, bebo eu!

Esvaziou o copo de uma golada. Gino encarou-o severamente durante momentos e depois voltou para junto de nos.

— Gente mal educada! — disse sentando-se.

— Nao valia a pena incomodar-se — disse minha mae, envaidecida com o que se passava. — Nao passam de garotos.

Mas Gino nao queria perder a oportunidade de marcar o seu espirito de galanteria cavalheiresca.

— Como nao valia a pena? Ainda se fosse com uma dessas mulheres… bem, compreendamo-nos, nao e verdade “madame”? Se fosse isso va la, mas eu estou com uma senhora e com uma menina honestas e respeitaveis. Alias, o pateta compreendeu logo que era melhor fazer marcha a tras…

Este incidente completou a conquista de minha mae, sem contar que Gino a forcava a beber, e que o vinho a embriagava tanto como as suas adulacoes. Apesar disso, para alem da simpatia que ela sentia por Gino, mantinha-se o mau humor que lhe causava o nosso noivado. Por isso nao deixou escapar a primeira ocasiao que se lhe apresentou para lhe fazer compreender que nada estava esquecido.

Essa oportunidade foi-lhe oferecida por uma conversa acerca da minha profissao de modelo. Nao me recordo a que proposito, falei de um novo pintor para quem tinha posado essa manha.

Gino declarou imediatamente:

— Talvez isto seja idiota e pouco moderno, mas custa-me aceitar que a Adriana se ponha nua diante de todos esses homens…

— E porque? — perguntou minha mae com uma voz alterada que me fez temer a aproximacao da tempestade.

— Porque me nao parece moral.

Nao me atrevo a dizer integralmente a resposta que lhe foi dada. Essa resposta estava cheia dos palavroes e das obscenidades que lhe vinham a boca sempre que bebia ou se deixava dominar pela colera. Mas, mesmo expurgada, a sua diatribe revelava claramente quais eram as suas ideias sobre o assunto.

— Ah, nao e moral?! — gritou de tal modo que todos os presentes pararam de comer e se voltaram para nos. — Ah, nao e moral? Entao o que e moral? Passar todo o santo dia a lavar pratos, cozinhar, passar a ferro, esfregar o chao, e depois, a noite, ver chegar um marido tao estafado como nos, que se deita mal acaba de jantar, se volta para o outro lado e se poe a ressonar como um porco? Isso e que e moral, nao lhe parece? Sacrificar-se uma pessoa toda a vida, tornar-se velha e feia e por fim estourar, isso e que e moral? Pois muito bem! Sabe o que lhe digo? Que nao se vive mais do que uma vez, e quando se morre, boas-noites! Va para o diabo com a sua moral! A Adriana faz muito bem em se mostrar nua a quem lhe paga para isso, e ainda faria melhor se… — Aqui uma serie de obscenidades, que me fizeram corar, proclamadas aos gritos para toda a gente. — Pela minha parte — continuou — se ela fizesse isto que digo, nao so nao tentaria impedi-la, como ainda a ajudaria com todas as minhas forcas! Desde que lhe pagassem, e claro! — concluiu, depois de um momento de reflexao.

— Tenho a certeza de que nao seria capaz disso — respondeu Gino, sem perder a calma.

— Quem?! Eu?! Isso e o que o senhor pensa! Mas de que diabo se convenceu o senhor? De que me causou algum prazer que a Adriana se tivesse comprometido com um pobretanas como o senhor, um simples chauffeur? Que nao preferiria mil vezes que ela levasse uma vida de parodia? Julga que eu posso concordar que minha filha, bela como e, capaz de fazer pagar a sua beleza por fortunas, va condenar-se a ser uma criada sua para toda a vida? Pois, meu amigo, se pensa isso, engana-se! Garanto-lhe que se engana!

Gritava de tal maneira que toda a gente tinha os olhos cravados nela. Eu estava meia morta de vergonha. Porem, Gino, como ja disse, mantinha-se perfeitamente calmo e senhor de si.

Aproveitando-se de um momento em que minha mae se calou para respirar, encheu-lhe o copo e propos gentilmente, com um sorriso:

— Mais uma gota de vinho?

Ela nao soube fazer outra coisa senao dizer: — Obrigado! — e aceitou o copo que Gino lhe oferecia. A nossa volta as pessoas, vendo que apesar de todos aqueles gritos nos continuavamos a beber como se nada se tivesse passado, retomaram as suas conversas. Gino declarou:

— A Adriana, bela como e, merecia levar a vida que leva a minha patroa…

— E que vida leva ela? — apressei-me a perguntar, ansiosa por deixar de ser o assunto da conversa.

— Pela manha — respondeu ele com vaidade, como se a riqueza dos seus patroes se reflectisse nele proprio — levanta-se ai pelas onze ou meio-dia. Levam-lhe o pequeno-almoco a cama numa bandeja de prata e num servico de que as pecas sao tambem de prata macica. Depois toma o seu banho, mas antes disso a criada de quarto deita sais na agua para a perfumar. A seguir levo-a a dar uma passeio de carro. Toma um vermute em qualquer parte, ou corre as lojas a procura de coisas que lhe agradem. Volta entao para casa, almoca, dorme a sesta e passa horas a vestir-se. Tambem tem armarios e armarios cheios de coisas! Quando esta pronta, sai para fazer visitas ou jantar fora. A noite vai ao teatro ou dancar, e tambem recebe com frequencia la em casa. Nessas ocasioes jogam, bebem, ou ouvem musica. Uma gente rica, extraordinariamente rica. So em joias estou convencido de que a minha patroa possui milhoes.

Вы читаете A Romana
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату
×