– Sei que voce e capaz de fazer melhor do que isto – falou ela. – Que e que ha… fora de forma? Acho que voce devia voltar a Franca… – Mas deixou que Fabian a levasse ate a porta.

– Dora – disse Fabian -, apague as luzes e tranque as portas. Amanha, arrumaremos tudo.

– Sim, Sr. Fabian – murmurou Dora.

E saimos, deixando a pobre moca encostada a parede, sem se mover, como que em estado de choque.

Priscilla insistiu em sentar-se no meio de nos dois, no banco da frente.

– E mais gostoso – disse ela. Derramara champanha na parte da frente do vestido e o cheiro era desagradavel. Abri a janela do meu lado antes de ligar o motor.

– Escute – perguntou Fabian -, onde e que voce esta hospedada?

– Em Springs – disse Priscilla. – E isso ai. Em Springs.

– Mas em que lugar de Springs? – insistiu Fabian, pacientemente. – Qual o endereco?

– Como diabo e que eu vou saber? – retrucou Priscilla. – Va andando. Mostro-lhe o caminho.

– Como e o nome das pessoas em casa de quem voce esta hospedada? Podiamos telefonar para eles e pedir que nos indicassem o caminho. – Fabian parecia um policial tentando conseguir informacoes de uma crianca perdida numa praia cheia. – Sem duvida, voce sabe o nome das pessoas em casa de quem esta hospedada.

– Claro que sei! Levy, Cohen, McMahon, uma coisa assim. Quem esta ligando para eles? Uma porcao de idiotas. – Priscilla esticou a mao e ligou o radio. A musica de A Ponte do Rio Kwai invadiu o carro. – Como e que e, quadradao? – disse ela para mim. – Essa carroca vai andar ou nao vai? Sera que voce nao sabe onde fica Springs?

– Va andando para Springs – falou Fabian.

Arranquei. Mas, dois minutos depois de termos deixado para tras o cartaz que dizia: 'Bem-vindos a Springs', eu vi que so por milagre achariamos a casa que tinha a honra de hospedar Priscilla naquele fim de semana. Diminuia a marcha do carro a cada cruzamento e a cada casa por onde passavamos, mas ela sacudia a cabeca e dizia:

– Nao, nao e aqui.

Por mais dinheiro que O Principe Adormecido nos estivesse rendendo, pensei, nao compensava aquilo.

– Estamos perdendo tempo – disse Priscilla. – Tenho uma ideia. Duas amigas minhas tem uma casa em Quogue. Na praia. Acho que voce pode encontrar pelo menos o Atlantico em Quogue. Elas sao o maximo, fantasticas! Swingers, ja imaginaram? Voces vao adorar. Vamos ate Quogue no embalo.

– Quogue fica a uma hora daqui – disse Fabian. Parecia muito cansado.

– E que e que tem isso? – retrucou Priscilla. – Vamos ate la nos divertir um pouco.

– Tivemos um dia estafante – explicou Fabian.

– Ora, todo mundo teve – disse Priscilla. – Avante, rumo a Quogue.

– Talvez amanha a noite – falou Fabian.

– Veados – replicou Priscilla.

Atravessavamos bosques, correndo por uma pequena estrada nao iluminada que eu nao conhecia, e fiquei pensando como voltar a cidade sem levar horas procurando o caminho. Tinha resolvido tentar voltar a East Hampton e encontrar um hotel para Priscilla ou larga-la no meio da calcada, se necessario, quando os meus farois iluminaram um carro bem a nossa frente, encostado a beira da estrada, com o capo levantado e dois homens olhando para dentro do motor. Parei meu carro e gritei:

– Sera que um de voces poderia dizer-me onde…

De repente, percebi que estava olhando para o cano de uma arma.

Os dois homens aproximaram-se do carro, andando lentamente. No escuro, nao podia ver suas caras, mas via que ambos usavam blusoes de couro e bones.

– Estao armados – murmurei para Fabian e senti Priscilla ficar rigida, a meu lado. -

– Isso mesmo, cara – disse o que empunhava a arma. – Estamos armados. Agora, escute com atencao. Deixe a chave no motor, porque vamos pedir emprestado seu carro. E va saindo, voce e o velho tambem. Vao saindo bem bonitinho. Deixem a dona no carro. Vamos levar ela tambem.

Priscilla fez um som com a boca, mas ficou imovel. O homem recuou um passo, enquanto eu abria a porta e saia. O outro deu a volta para o lado de Fabian.

– Va para onde esta o seu chapa. – Fabian deu a volta ao carro e ficou a meu lado. Ofegava.

Foi ai que Priscilla comecou a gritar. Eu nunca tinha ouvido grito mais estridente.

– Faca essa puta calar – berrou o homem da arma para o colega.

Priscilla continuava gritando, a cabeca no volante, dando pontapes no homem que tentava agarra-la.

– Porra! – disse o da arma. Avancou, como se quisesse segurar Priscilla pelo outro lado. A arma oscilou e Fabian atirou-se a ele. Ouviu-se um enorme estrondo quando a arma disparou. Fabian gemeu e eu pulei em cima do homem. O nosso peso combinado foi demais e ele caiu para tras, largando a arma. Priscilla continuava a gritar. Apanhei a arma bem na hora em que o segundo homem dava a volta pela frente do carro, iluminado pelos farois. Atirei e ele saiu correndo para o bosque. O que tinha caido comecou a rastejar e atirei nele tambem. O homem deu um pulo e correu para refugiar-se no escuro. Priscilla gritava sem parar.

Fabian estava agora caido de costas, segurando o peito com ambas as maos. Respirava com esforco, a intervalos irregulares.

– Acho bom voce me levar a um hospital, meu velho – disse ele, com longas pausas entre as palavras. – Depressa. E diga a Priscilla para parar de gritar.

Eu estava tentando erguer Fabian, com o maximo de cuidado possivel, e coloca-lo no banco traseiro do carro, quando percebi que os farois de um outro carro me iluminavam por tras.

– Desculpe – disse eu a Fabian, que ja estava meio dentro do carro – mas vem alguem ai. – Peguei novamente a arma e fiquei entre Fabian e o carro que se aproximava. Priscilla tinha parado de gritar e agora solucava histericamente no banco da frente, batendo com a cabeca, como louca, no painel. Nao sabia o que era pior, se ela gritar ou fazer aquilo.

Quando o carro se aproximou, vi que era um carro da policia. Deixei cair a arma que empunhava. O carro parou e dois policiais pularam dele, revolveres na mao.

– O que esta havendo aqui? – perguntou um deles.

– Houve um assalto. Dois homens; esconderam-se no bosque. Meu amigo foi ferido. Temos de leva-lo imediatamente para o hospital.

– De quem e essa arma? – perguntou o policial, curvando-se para apanha-la, a meus pes.

– O senhor se atracou com um cara armado? – perguntou o policial, incredulo.

– Eu, nao – respondi. – Ele.

– Meu Deus! – disse baixinho o policial.

Ajudou-me a colocar Fabian no banco de tras do carro, enquanto o colega, um rapaz magro, de oculos, que parecia jovem demais para ser policial, foi inspecionar o carro do capo levantado, que os dois homens tinham estado vendo quando nos aproximaramos.

– O carro e este mesmo – disse ele. – Foi roubado ontem a noite, em Montauk, e desde a manha estavamos atras dele. O senhor deu sorte.

– E, dei mesmo – repliquei.

Olhou de maneira estranha para Priscilla, que continuava batendo com a cabeca no painel, mas nao disse nada.

– Siga-nos – disse ele. – Vamos indicar-lhe o caminho do hospital.

Com os farois do carro da policia iluminando a pista e a sirena soando, atravessamos a toda as estradas escuras. Em sentido contrario, vi primeiro um e depois outro carro da policia, dirigindo-se para o local do assalto. O que ia a nossa frente devia ter se comunicado com eles pelo radio.

A operacao levou tres horas. Fabian perdera a consciencia antes de chegarmos ao hospital, em Southampton. Um dos medicos olhara para Priscilla e mandara que a deitassem numa cama, sob sedativos. Fiquei na ante-sala da Emergencia, procurando responder as perguntas dos policiais sobre o aspecto dos assaltantes, a sequencia em que as coisas tinham acontecido, o que estavamos fazendo na estrada aquela hora, quem era a moca, se eu achava que tinha acertado um ou ambos os homens, ao disparar contra eles. Era dificil concatenar as ideias. Minha mente parecia em estado de choque. Era dificil fazer os policiais entenderem quem era Priscilla Dean e como e que ela nao sabia dizer onde estava hospedada. Eles mostraram-se bem-educados e nao desconfiados, mas faziam sempre as mesmas perguntas, com ligeiras variacoes, como se o que tinha havido nao pudesse ter acontecido da maneira que eu pensava. Tinha telefonado a Evelyn tao logo Fabian fora levado para a mesa de operacoes, dizendo-lhe que ele tivera um acidente mas que eu estava bem e que lhe contaria tudo quando chegasse a casa.

Era perto da meia-noite quando o jovem policial voltou do telefone para me dizer que os dois assaltantes se tinham rendido.

– O senhor nao acertou em nenhum deles – acrescentou, sem poder evitar um sorriso. Na manha seguinte, eu teria de ir a delegacia a fim de identifica-los. E a moca tambem, disse ele.

Quando Fabian voltou da mesa de operacoes, seu aspecto era tranquilo, sereno. O cirurgiao, ainda de avental e mascara pendurada ao pescoco, tinha um olhar grave, ao tirar as luvas de borracha.

– A coisa me parece um pouco seria – disse-me ele. – So poderemos fazer um prognostico daqui a vinte e quatro horas.

– Daqui a vinte e quatro horas – repeti, apatico.

– Ele e seu amigo? – perguntou o medico.

– Muito amigo.

– Onde foi que ele ganhou aquela cicatriz enorme no peito e no abdome?

– Cicatriz? Nunca vi nenhuma cicatriz – respondi. – Acho que nunca o vi sem roupa.

– Parece ter sido um ferimento profundo – falou o medico. – Esta com aspecto de ferimento a granada. Sabe se ele foi ferido em alguma guerra? – O medico era jovem, nao devia ter mais de trinta e dois ou trinta e tres anos, e eu pensei: 'Que sabe ele de guerras?'

– Sim – respondi. – Ele esteve na guerra. Mas nunca me disse que tinha sido ferido.

– Todos os dias a gente fica sabendo algo novo – sentenciou o medico. – Boa noite.

Quando sai do hospital, um flash estourou nos meus olhos, fazendo-me recuar. Mas era apenas um fotografo. 'Espere ate amanha, amigo', pensei, 'quando levarem Priscilla Dean ate a delegacia. Ai, sim, voce vai poder tirar otimas fotos.'

Voltei para casa dirigindo devagar, mal vendo a estrada. Evelyn estava de pe, a minha espera, e tomamos um uisque na cozinha, enquanto eu lhe contava tudo o que tinha acontecido. Quando terminei, ela disse:

– Que mulher horrivel! Acho que seria capaz de estrangula-la!

CAPITULO XXV

Na manha seguinte, a historia estava em todos os jornais de Long Island, ilustrada com a minha foto e, claro, a de Priscilla. Antes de sair para a delegacia, telefonei para o hospital e me disseram que Fabian estava descansando e que provavelmente eu poderia fazer-lhe uma visita de alguns minutos la para o fim da manha. Priscilla chegou a delegacia um pouco antes de mim,

Вы читаете Plantao Da Noite
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату
×