– Nao.
– Ainda bem. Se tivesse perguntado, eu nao lhe poderia dizer. Mesmo assim, posso afirmar-lhe que a sua… a sua fuga… teve as suas vantagens. O sacrificio de devolver o dinheiro pode ser amenizado pelo fato de saber que a sua fuga poupou diversas pessoas importantes… muito importantes, de um consideravel embaraco.
– Ja ganhei o dia – falei.
Eram nove horas quando entrei no elevador do apartamento da 52nd Street, East. Pedira a Anna para dizer a Evelyn que fora chamado subitamente a cidade, a negocios, e que so voltaria dali a um dia ou dois. Podia ter telefonado para Evelyn, mas nao quis ter que lhe explicar tudo.
Henry abriu-me a porta do apartamento. Peguei-o quando ja ia saindo. Ele e Madeleine tinham bilhetes para o teatro, mas, quando eu lhe disse que precisava falar com ele urgentemente, Henry prontamente assentiu. Parecia preocupado, ao me abrir a porta. Madeleine estava na sala, toda pronta para sair. Tambem ela parecia preocupada.
– Talvez fosse melhor falarmos a sos, Hank – disse eu.
Mas ele sacudiu a cabeca.
– Preferia que ela ficasse, se voce nao se importa.
– Muito bem – disse eu. – Nao vou demorar. Preciso de cem mil dolares, Hank. Em notas de cem. Nao tenho tempo de mandar buscar o dinheiro na Europa e nao o tenho aqui. So disponho de tres dias. Sera que voce me pode arranjar cem mil dolares em tres dias?
Henry sentou-se. Esfregou os olhos com as costas da mao, num gesto que tinha desde crianca.
– Posso – disse ele, numa voz que mal se ouvia. – Claro que posso, apesar de nao saber como.
So foram necessarios dois dias.
Liguei para o quarto de Vance, do hall do hotel.
– Vou subir – falei, segurando o telefone com uma das maos e a pesada mala com a outra.
– Otimo! – disse ele.
Esperei que ele contasse as notas, o que ele fez lenta e cuidadosamente. Nao tinha perguntado a Henry de onde ele tirara o dinheiro, nem ele me dissera.
– Esta certo – disse Vance, quando acabou de contar. – Obrigado.
– Pode ficar com a mala – ofereci.
– Muito obrigado. – E acompanhou-me ate a porta.
Peguei o carro e sai correndo. Queria chegar ao hospital antes que proibissem a entrada de visitantes. Telefonara ao meio-dia e falara com Lily. Fabian estava descansando tranquilamente, dissera ela. Queria dizer-lhe que, conforme ele previra, o homem viera exigir os cem mil dolares e que eu fora obrigado a devolve-los.
Quando entrei no hospital, a recepcionista deteve-me.
– Chegou demasiado tarde, Sr. Grimes – disse-me ela. – O Sr. Fabian faleceu as quatro horas da tarde. Tentamos avisar o senhor, mas…
– Nao faz mal – atalhei, espantado com a calma da minha voz. – Lady Abbott esta no hospital?
A recepcionista sacudiu a cabeca.
– Acho que ela foi embora. Disse que nao tinha mais nada a fazer aqui e que procuraria tomar esta noite mesmo um aviao para Londres.
– Muito bem – falei. – Boa noite. Amanha de manha voltarei para cuidar do funeral.
– Boa noite, Sr. Grimes – disse ela.
Fui andando lentamente para East Hampton. Agora, ja nao havia pressa. Nao queria voltar ja para casa. Dirigi o carro para o celeiro, agora as escuras, com o cartaz recem-pintado 'The South Fork Gallery' em pequenas letras sobre a porta. 'Cuide bem dos negocios', dissera Fabian. Tirei o chaveiro e abri a porta. Sentei-me num banco no meio da galeria, sem acender a luz, pensando no homem alegre, desonesto, astuto, marcado por uma cicatriz, que morrera naquele dia e que, pelos termos do contrato que tinhamos assinado no escritorio do advogado, em Zurique, agora me deixava livre e absurdamente rico. As lagrimas vieram-me lentamente aos olhos.
Levantei-me e acendi as luzes. Depois, fiquei de pe no meio da sala e olhei para os quadros das andancas do pai de Angelo Quinn brilhando nas paredes.
Irwin Shaw
![](/pic/1/0/1/2/2/0//pic_3.jpg)
![](/pic/1/0/1/2/2/0//pic_4.jpg)
[1] Taverna, botequim.
[2] 'Chato.' Em frances no original.
[3] Boneca.' Em frances no original.
[4] 'Novos-ricos.' Em frances no original.
[5] 'Oficio.' Em frances no original.
[6]
[7]