com dolorosas caibras nas pernas que quase o teriam incapacitado se nao se achasse de novo no ambiente da nave, com sua gravidade zero. De modo que esta vez comecara com uma lentidao pouco menos que penosa, movendo-se como um velho. Fora o ultimo a deixar a planicie, e os outros formavam uma fila espalhada ao longo de meio quilometro de escadaria adiante dele. Podia ver-lhes as luzes que subiam o aclive invisivel.

Estava profundamente descorcoado pelo fracasso da sua missao, e ainda esperava que aquela retirada fosse apenas temporaria. Quando chegassem ao cubo, poderiam esperar ate que cessassem todas as perturbacoes atmosfericas. Presumivelmente, reinaria ali uma calmaria total, como no centro de um ciclone, e poderiam aguardar em seguranca a esperada tormenta.

Mais uma vez, estava ele tirando conclusoes precipitadas, com base em perigosas analogias terrestres. A meteorologia de um mundo inteiro, mesmo em condicoes de estado constante, era um assunto de enorme complexidade. Depois de varios seculos de estudos, a previsao do tempo na Terra ainda nao merecia absoluta confianca. E Rama, alem de ser um sistema completamente novo, tambem estava sofrendo rapidas mudancas, pois a temperatura subira varios graus num periodo de poucas horas. Contudo, nao se via ainda nenhum sinal do anunciado furacao, embora tivesse havido algumas debeis lufadas vindas, aparentemente, das mais variadas direcoes.

Tinham ja galgado cinco quilometros, o que, nessa gravidade baixa que continuava ainda a diminuir, equivalia a menos de dois na Terra. No terceiro patamar, a tres quilometros do eixo, descansaram durante uma hora, tomando uma ligeira merenda e fazendo massagens nos musculos das pernas. Era o ultimo ponto em que podiam respirar livremente; como os escaladores do Himalaia nos velhos tempos, havia deixado ali os seus suprimentos de oxigenio, que puseram as costas para a ascencao final.

Uma hora depois, haviam alcancado o topo da escadaria — e o comeco da escada de mao. Ainda tinham pela frente o ultimo quilometro, este vertical, mas afortunadamente num campo de gravidade que nao equivalia a mais do que uns poucos por cento do da Terra. Outros trinta minutos de descanso, uma confericao cuidadosa do oxigenio, e estavam prontos para a derradeira etapa.

Mais uma vez, Norton certificou-se de que todos os seus homens tinham ido adiante, separados por intervalos de vinte metros. A partir de agora, seria uma escalada lenta e regular, extremamente enfadonha. A melhor tecnica seria esvaziar o espirito de todo pensamento e limitar-se a contar os degraus a medida que iam passando — cem, duzentos, trezentos, quatrocentos…

Havia chegado a mil duzentos e cinquenta quando repentinamente notou que havia algo de anormal. A luz que brilhava sobre a superficie vertical bem diante dos seus olhos mudara de cor — e era, agora, muito mais viva, ofuscantemente viva.

Num silencioso impacto de luz, a aurora estourou em Rama.

18 AURORA

A LUZ era tao brilhante que pelo espaco de um minuto inteiro Norton teve de fechar os olhos com forca. Depois arriscou-se a entreabrir um deles e fixou, por entre as palpebras mal-e-mal separadas, a parede alguns centimetros diante de seu rosto. Pestanejou varias vezes, esperou que as lagrimas involuntarias acabassem de escorrer, e virou-se lentamente para contemplar a alvorada.

Nao pode suportar a luz mais do que alguns segundos, e foi entao obrigado a fechar novamente os olhos. Nao era o fulgor que era intoleravel — a ele poderia acostumar-se — mas o terrivel espetaculo de Rama, agora visto pela primeira vez em sua plenitude.

Norton sabia exatamente o que esperar; nao obstante, o panorama o aturdiu. Foi presa de um tremor espasmodico, incontrolavel; suas maos apertaram o degrau da escada com a violencia com que alguem que se esta afogando se agarra a um salva-vidas. Os musculos dos seus antebracos saltavam ao mesmo tempo que as pernas, ja fatigadas por horas de escalada ininterrupta, pareciam prestes a ceder. Se nao fosse a baixa gravidade, poderia ter caido.

Foi entao que o seu treinamento mostrou quanto valia, e ele comecou a aplicar o primeiro remedio contra o panico. Ainda com os olhos fechados e procurando esquecer o monstruoso espetaculo que o cercava, pos-se a respirar fundo, enchendo os pulmoes de oxigenio e lavando o seu sangue dos venenos da fadiga.

Nao tardou a sentir-se muito melhor, mas so abriu os olhos depois de fazer uma coisa mais. Foi necessario um grande esforco de vontade para obrigar sua mao direita a abrir-se — teve que lhe falar como a uma crianca desobediente — mas pouco a pouco conseguiu que ela descesse ate a cintura, desprendesse o cinto de seguranca e enganchasse a fivela no degrau mais proximo. Agora, acontecesse o que acontecesse, nao poderia cair.

Norton respirou fundo, varias vezes mais; depois — ainda com os olhos fechados — ligou o seu radio. Fez votos para que sua voz soasse calma e resoluta enquanto pronunciava as palavras:

— Aqui e o Capitao. Todos estao bem?

A medida que conferia os nomes um por um e ouvia as respostas de todos — ainda que um tanto tremulas — voltaram-lhe rapidamente a confianca e, o controle proprios. Todos os seus homens estavam saos e salvos, e voltavam-se para ele em busca de lideranca. Era, mais uma vez, o Comandante.

— Fiquem de olhos fechados ate terem toda a certeza de que podem aguentar isto — disse. — A vista e… esmagadora. Se alguem achar que nao pode suporta-la, continue a subir sem olhar para tras. Lembrem-se de que dentro em pouco estarao em gravidade zero e nao poderao mais cair.

Era desnecessario sublinhar um fato tao elementar a astronautas treinados, mas o proprio Norton tinha que se lembrar disso de poucos em poucos segundos. O pensamento da gravidade zero era uma especie de talisma que o protegia contra todo perigo. O que quer que lhe dissessem os seus olhos, Rama nao podia arrasta-lo a sua propria destruicao naquela planicie, oito quilometros la embaixo.

Foi, assim, para ele, uma premente questao de orgulho e estima propria abrir os olhos uma vez mais e olhar o mundo que o cercava. Mas, em primeiro lugar, era preciso adquirir o controle do seu corpo. Largou a escada com ambas as maos e enganchou o braco esquerdo por baixo de um degrau. Cerrando e descerrando os punhos, esperou ate que se houvessem dissipado as caibras. Quando se sentiu completamente a vontade, abriu os olhos e lentamente virou-se para fazer face a Rama.

Sua primeira impressao foi de uma cor azul. O fulgor que enchia o ceu nao podia ser confundido com a luz solar; assemelhava-se, antes, ao de um arco voltaico. De modo que o sol de Rama, disse Norton la consigo, deve ser mais quente do que o nosso. Isso deve.interessar aos astronomos…

E agora compreendia a finalidade daqueles misteriosos fossos, o Vale Retilineo e seus cinco companheiros: eram nada menos que gigantescas faixas luminosas. Rama tinha seis sois lineares, simetricamente dispostos em torno do seu interior. De cada um deles, partia um largo leque de luz para iluminar o lado oposto do mundo, passando pelo eixo central. Norton ficou curioso de saber se eles podiam ser ligados alternativamente, produzindo um ciclo de luz e trevas, ou se neste planeta reinava um dia perpetuo. A contemplacao demasiado longa dessas ofuscantes barras de luz fizera-lhe doer novamente os olhos, e isso era um bom pretexto para tornar a fecha-los durante algum tempo. So entao, quando se havia quase refeito desse primeiro choque visual, foi que pode consagrar-se a um problema muito mais serio.

Quem, ou o que, havia ligado as luzes de Rama?

Este era um mundo esteril, pelos testes mais sensiveis que o homem lhe podia aplicar. Mas agora estava acontecendo uma coisa que nao podia ser explicada pela acao de forcas naturais. Talvez nao houvesse vida ali, mas podia haver consciencia, percepcao; robos podiam estar despertando apos um sono de milhoes de anos. Quem sabe se essa explosao de luz nao era um espasmo nao programado, fortuito — o ultimo estertor de maquinas agonizantes que respondiam desordenadamente ao calor de um novo sol, e dentro em pouco recairiam no seu estado de quiescencia, desta vez para sempre?

Contudo, Norton nao podia crer numa explicacao tao simples. Algumas pecas do quebra-cabecas estavam comecando a encaixar-se nos seus lugares, embora faltassem ainda muitas. A ausencia de qualquer sinal de desgaste, por exemplo — a sensacao de novidade, como se Rama tivesse sido criado naquele instante…

Estes pensamentos poderiam ter inspirado medo e mesmo terror. Por alguma razao, nao faziam nada disso. Bem ao contrario, Norton experimentou um sentimento de euforia, quase de regozijo. Havia muito mais a descobrir aqui do que eles ousariam esperar. «Vamos ver o que diz o Comite Rama quando souber disto!» pensou ele.

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