O asteroide assombrado: por que tinham estas palavras surgido das profundezas da memoria? Norton lembrou-se entao de um continho ridiculo que lera anos atras, mas achou melhor nao perguntar a Boris se o conhecia tambem. Duvidava que o outro tivesse gosto por esse genero de leitura.

— Vou lhe dizer o que faremos, Boris — disse ele, decidindo-se repentinamente. Queria por fim a entrevista antes que se tornasse demasiado espinhosa e julgou ter encontrado uma boa saida. — Voce pode resumir suas ideias em menos de… digamos, mil palavras?

— Creio que posso.

— Pois bem, se conseguir dar-lhes a forma de uma teoria cientifica coerente, eu a enviarei, com prioridade absoluta, ao Comite Rama. Pode-se mandar ao mesmo tempo uma copia a sua Igreja, e assim todos ficarao satisfeitos.

— Obrigado, Comandante. Realmente, eu lhe fico muito grato.

— Nao estou fazendo isto para salvar a minha consciencia. Gostaria de ver a impressao que vai produzir no Comite. Embora nao concorde com voce em toda a linha, talvez tenha acertado com alguma coisa muito importante.

— Bom, nos o saberemos quando estivermos no perielio, nao e verdade?

— Sim, saberemos no perielio.

Depois que Boris Rodrigo se retirou, Norton chamou a ponte de comando e deu a necessaria autorizacao. Pensava ter resolvido o problema com bastante habilidade; alem disso, na hipotese de que Boris estivesse com a razao…

Ele podia ter aumentado suas chances de ser um dos que se salvariam.

21 DEPOIS DA TEMPESTADE

ENQUANTO os quatro homens passavam, flutuando como nuvens viajantes, ao longo do corredor, tao ja seu conhecido, do complexo Alfa de eclusas de ar, Norton perguntou a si mesmo se a impaciencia nao os teria feito esquecer a cautela. Haviam esperado a bordo da Endeavour durante quarenta e oito horas — dois dias preciosos — prontos para uma retirada instantanea, se os acontecimentos a justificassem. Mas nada acontecera. Os instrumentos deixados em Rama nao tinham detectado nenhuma atividade fora do comum. A camara de televisao instalada no Cubo fora ofuscada por um frustrativo nevoeiro que reduzira a visibilidade a cinco metros e so agora comecava a dissipar-se.

Quando fizeram funcionar o mecanismo da ultima porta da eclusa e sairam flutuando para a cama-de-gato de cordas de seguranca em volta do Cubo, o que primeiro impressionou Norton foi a mudanca da luz. Ja nao era aquele azul agressivo, porem muito mais temperado e suave, lembrando um dia de sol e bruma na Terra.

Olhou ao longo do eixo daquele mundo e nada pode ver exceto um tunel branco, brilhante e vazio de quaisquer acidentes, que se alongava ate as esquisitas montanhas do Polo Sul. O interior de Rama estava completamente amortalhado por nuvens, sem nenhuma aberta visivel. A superficie superior da camada de nuvens era nitidamente definida; formava um cilindro menor dentro do cilindro maior que era esse mundo rotativo, deixando uma alma central com cinco ou seis quilometros de diametro, perfeitamente clara com excecao de alguns fiapos perdidos de cirro.

O imenso tubo de nuvem era iluminado de baixo para cima pelos seis sois artificiais de Rama. As localizacoes dos tres situados neste continente setentrional era claramente definida por bandas de luz difusa, mas os que ficavam no outro lado do Mar Cilindrico se confundiam numa so banda continua e rebrilhante.

«Que estara acontecendo la longe, embaixo dessas nuvens?» perguntou Norton a si mesmo. Mas pelo menos a tempestade, que as havia centrifugado com tao perfeita simetria em torno do eixo de Rama, ja amainara. A nao ser que houvesse outras surpresas, podia-se descer sem perigo.

Pareceu apropriado, nessa segunda visita, usar a mesma turma que realizara a primeira penetracao profunda no interior de Rama. O Sargento Myron — como todos os outros membros da tripulacao da Endeavour — satisfazia plenamente, agora, os requisitos fisicos da Medica-Chefe Ernst; afirmava ate, com uma sinceridade muito convincente, que nunca mais tornaria a vestir os seus velhos uniformes.

Enquanto olhava Mercer, Calvert e Myron «nadarem» rapidos e despreocupados escada de mao abaixo, Norton lembrou-se de quanto as coisas haviam mudado. Na primeira vez, tinham descido no frio e na escuridao; agora, iam a caminho da luz e do calor. E, nas visitas anteriores, tinham a conviccao de que Rama era um mundo morto. Isso ainda podia ser verdade, no sentido biologico. Mas algo se movia ali; e a expressao de Boris Rodrigo servia tao bem como outra qualquer. O espirito de Rama havia despertado.

Quando alcancaram a plataforma ao pe da escada de mao e se preparavam para comecar a descer a escadaria, Mercer realizou o seu teste habitual da atmosfera. Havia certas coisas que ele nunca aceitava sem exame; ainda que as pessoas ao seu redor estivessem respirando tranquilamente, confortavelmente, sem aparelhos auxiliares, tinham-no visto algumas vezes deter-se para fazer uma testagem do ar antes de abrir o seu capacete. Quando lhe pediam que justificasse tal excesso de cautela, respondia:

— E porque os sentidos humanos nao merecem inteira confianca, ai esta. A gente pode sentir que esta perfeitamente bem, dar mais uns passos e cair de cara no chao a proxima respiracao profunda.

— Olhou o seu medidor e exclamou:

— Raios!

— Que e que ha? — perguntou Calvert.

— Esta pifado. A indicacao e muito alta. Estranho, nunca vi isto acontecer antes. Vou testar no meu circuito respiratorio.

Ligou o pequeno e compacto analisador no ponto de testagem do seu suprimento de oxigenio, depois ficou alguns momentos refletindo em silencio. Seus companheiros o olhavam com ansiedade e preocupacao; tudo que perturbasse Karl devia ser algo muito serio.

Desligou o medidor, usou-o para colher novamente uma amostra da atmosfera de Rama, depois chamou o Controle Central.

— Capitao! Quer fazer uma leitura deO2?

A resposta levou muito mais tempo a chegar do que o pedido justificava. Por fim a voz de Norton falou:

— Acho que o meu medidor nao esta funcionando bem. Um lento sorriso se espalhou sobre a cara de Mercer.

— Cinquenta por cento mais alto, nao e?

— Sim; que significa isto?

— Significa que podemos tirar nossas mascaras. Nao e uma beleza?

— Nao estou certo disso — replicou Norton, ecoando o sarcasmo da voz de Mercer. — Parece bom demais para ser verdade.

Nao era preciso dizer mais nada. Como todos os astronautas, o Comandante Norton olhava com profunda desconfianca tudo que fosse bom demais para ser verdade.

Mercer entreabriu um tudo-nada a sua mascara e fungou cautelosamente. Pela primeira vez nessa altitude, o ar era perfeitamente respiravel. O cheiro bolorento de coisa morta havia desaparecido; o mesmo sucedera com a excessiva sequidao, que anteriormente havia causado varios disturbios respiratorios. A umidade alcancava agora a pasmosa cifra de oitenta por cento; indubitavelmente, o descongelo do Mar era responsavel por esse fato. Havia algo de mormacento no ar, se bem que a sensacao nao fosse desagradavel. Era como uma noite de verao em alguma costa tropical, pensou Norton. O clima do interior de Rama havia melhorado surpreendentemente naqueles ultimos dias…

E por que? O aumento de umidade nao era problema; muito mais dificil de explicar era aquela elevacao surpreendente do teor de oxigenio. Ao mesmo tempo que recomecava a descida, Mercer deu inicio a uma longa serie de calculos mentais. Nao tinha, porem, chegado a nenhum resultado satisfatorio quando penetraram na camada de nuvens.

Foi uma experiencia impressionante, pois a transicao era muito abrupta. Em dado momento, estavam escorregando para baixo com ar claro, segurando o metal liso do corrimao para nao ganharem velocidade muito depressa nessa regiao de um quarto de gravidade, quando, de subito, penetraram num ofuscante nevoeiro branco

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