perder. Escalou rapidamente as tres cercas, caminhou para o poco e olhou para baixo.
A diferenca de Copernico, este so tinha cinquenta metros de profundidade. No fundo havia tres bocas de tunel, cada uma das quais parecia bastante grande para dar passagem a um elefante. E era tudo.
Depois de olhar durante algum tempo, Jimmy concluiu que a unica coisa que poderia fazer sentido em todo aquele arranjo era que o fundo do poco fosse um elevador. Mas que e que esse elevador transportava? Talvez nunca viesse a sabe-lo. So podia conjeturar que devia ser algo muito grande e possivelmente muito perigoso.
Durante as proximas horas, caminhou mais de dez quilometros pela beira do Mar, e as casas do tabuleiro comecaram a confundir-se na sua memoria. Tinha visto algumas que estavam totalmente encerradas em estruturas semelhantes a barracas feitas de tela de arame, como se fossem enormes gaiolas. Outras pareciam ser pocas de liquido congelado, com marcas de remoinhos; no entanto, quando as testara com cautela achara-as perfeitamente solidas. E havia uma tao absolutamente negra que nem sequer a podia ver com clareza; so o sentido do tato lhe mostrava que havia qualquer coisa ali. Contudo, gracas a uma sutil modulacao, agora surgia algo que ele podia compreender. Sucedendo-se uns aos outros em direcao ao sul, havia uma serie de — nenhuma outra palavra podia servir — campos. Era como se estivesse passando por uma fazenda experimental na Terra; cada casa do tabuleiro era um quadrado de terra cuidadosamente nivelada, a primeira que ele via nas paisagens metalicas de Rama.
Os extensos campos eram virgens e sem vida — a espera de searas que nunca tinham sido plantadas. Qual seria o seu proposito, visto ser incrivel que criaturas tao avancadas como os ramaianos se dedicassem a uma forma qualquer de agricultura quando ate na Terra esta nao era mais do que um hobby muito em voga e uma fonte de alimentos exoticos de luxo? Mas Jimmy teria jurado que se tratava de fazendas potenciais, preparadas com o maximo carinho. Nunca tinha visto uma terra que parecesse tao limpa; cada quadrado era recoberto por um lencol de plastico duro e transparente. Tentou corta-lo para obter uma amostra, mas o seu canivete nao fez mais do que arranhar a superficie.
Mais para o interior havia outros campos, e muitos deles continham complicadas estruturas de varas e arames, presumivelmente destinadas a servir de suporte para plantas trepadeiras. Pareciam muito despidas e desoladas, como arvores sem folhas no mais forte do inverno. O inverno que tinham conhecido devia ter sido longo e realmente terrivel, e essas poucas semanas de luz e calor nao representavam mais que um breve interludio ate que ele voltasse.
Jimmy nao saberia dizer o que o fez parar e olhar com mais atencao aquele labirinto metalico. Inconscientemente, seu espirito devia estar tomando nota de todos os detalhes da paisagem; e registrara, nessa paisagem fantastica, alguma coisa ainda mais anomala.
Cerca de um quarto de quilometro adiante, no meio de uma latada de varas e arames, destacava-se uma mancha isolada de cor. Era tao pequena e modesta que se achava, por assim dizer, no limite da visibilidade; na Terra, ninguem teria olhado duas vezes para ela. Contudo, uma das razoes de haver reparado nela agora era, indubitavelmente, o fato de lembrar-lhe a Terra…
Nao comunicou o fato ao Controle Central enquanto nao teve certeza de que nao se havia enganado, de que nao estava sendo iludido por uma fantasia do seu proprio desejo. So quando chegou a poucos metros do objeto de sua curiosidade pode ter certeza de que a vida, tal como a conhecia, se havia introduzido no mundo esteril e asseptico de Rama. Porque ali, em solitario esplendor na orla do continente meridional, havia desabrochado uma flor.
Ao aproximar-se ainda mais, tornou-se-lhe evidente que alguma coisa falhara nos planos dos construtores de Rama. Havia um buraco no forro que, presumivelmente, protegia a camada de terra de contaminacao por formas indesejadas de vida. Por essa solucao de continuidade saia uma haste verde, mais ou menos da grossura de um dedo minimo de homem, que trepava enroscando-se nos arames da latada. A um metro do solo, rebentava numa erupcao de folhas azuladas, mais parecidas com penas do que com a folhagem de qualquer planta conhecida por Jimmy. A haste terminava, ao nivel do olho, por aquilo que, a principio, ele tomara por uma flor so. Agora via, sem nenhuma surpresa em absoluto, que eram, em realidade, tres flores compacta-mente unidas.
As petalas eram tubos de cor viva, com uns cinco centimetros de comprimento; havia pelo menos cinquenta em cada flor, e rebrilhavam com azuis, violetas e verdes tao metalicos que mais pareciam asas de borboleta do que uma coisa pertencente ao reino vegetal. Jimmy nao sabia praticamente nada de Botanica, mas intrigava-o a ausencia de quaisquer estruturas que se assemelhassem a petalas ou estames. A parecenca com as flores terrestres seria pura coincidencia? Talvez houvesse mais afinidade com um polipo de coral; fosse como fosse, parecia implicar a existencia de pequenos seres voadores que serviriam ou como agentes fertilizantes — ou de alimento.
Na verdade, isso nao tinha importancia. Qualquer que fosse a definicao cientifica, para Jimmy era uma flor. O estranho milagre, o acidente tao insolito em Rama, lembrava-lhe todas as coisas que nunca tornaria a ver; e estava decidido a apossar-se dela.
Isso nao seria facil. Separavam-nos mais de dez metros e uma latada feita de delgadas varas que formavam um padrao cubico varias vezes repetido, com menos de quarenta centimetros de aresta. Jimmy nao andaria pilotando bicicletas celestes se nao fosse um homem esguio e musculoso; tinha, pois, certeza de que poderia meter-se pelos intersticios da grade. Mas a dificuldade estaria em sair la de dentro: ser-lhe-ia certamente impossivel virar-se, de modo que teria de retirar-se em marcha a re.
O Controle Central ficara encantado com a sua descoberta quando descrevera a flor e a filmara sob todos os angulos possiveis. Ninguem objetou quando ele disse: «Vou busca-la». Nao esperava, mesmo, que objetassem; sua vida lhe pertencia agora, e podia fazer dela o que lhe aprouvesse.
Tirou toda a roupa, segurou as varas metalicas e comecou a enfiar-se na armacao. Mal havia espaco para passar, e tinha a impressao de ser um prisioneiro escapando entre as barras da sua cela. Depois de inserir-se completamente na latada, experimentou sair de novo, para ver se haveria problemas. Era consideravelmente mais dificil, visto que agora tinha de usar os bracos estendidos para empurrar em vez de puxar, mas nao via por que ficar preso ali sem apelacao. Jimmy era um homem de acao e impulso, nao de introspeccao. Enquanto progredia penosamente, retorcendo-se, ao longo do estreito corredor de varas metalicas, nao perdeu tempo em indagar por que estava realizando uma facanha tao quixotesca. Em toda a sua vida nunca se interessara por flores, e agora estava gastando suas ultimas reservas de energia para colher uma.
Em verdade, este especime era unico, e de enorme valor cientifico. Mas queria-o para si porque era o derradeiro elo que o ligava a vida e ao seu planeta natal.
Nao obstante, quando viu a flor ao alcance da sua mao, teve um escrupulo repentino. Talvez fosse a unica flor existente em Rama: era justo que a apanhasse?
Se precisasse de uma justificativa, podia consolar-se com o pensamento de que os proprios ramaianos nao a tinham incluido em seus planos. Era, evidentemente, uma anomalia que germinara com um atraso — ou uma antecipacao — de centenas de milhares de anos. Mas em realidade ele nao necessitava de uma escusa, e sua hesitacao era apenas momentanea. Estendeu a mao, segurou a haste e deu um forte puxao.
A flor desprendeu-se com muita facilidade; Jimmy arrancou tambem duas folhas e comecou a recuar lentamente atraves da latada. Agora que so tinha uma mao livre era extremamente dificil e mesmo doloroso deslocar-se, e logo teve de parar a fim de recobrar o folego. Foi entao que notou que as folhas peniformes se estavam fechando e que a haste decapitada se desprendia lentamente dos seus suportes. Enquanto observava essas coisas com um misto de fascinio e consternacao, viu que toda a planta se retirava para o solo, como uma serpente mortalmente ferida se arrasta para a sua toca.
«Matei uma coisa bela», disse Jimmy a si mesmo. Mas Rama nao o tinha matado tambem? Estava apenas cobrando o que era seu de direito.
31 VELOCIDADE TERMINAL
O COMANDANTE Norton nunca perdera ainda um homem e nao pretendia comecar agora. Mesmo antes de Jimmy ter partido para o Polo Sul, estivera estudando os meios de salva-lo em caso de acidente. O problema, contudo, se revelara muito dificil, e nao tinha encontrado uma resposta. So conseguira uma coisa, que era