como sempre, na sua alta cadeira, escrevendo listas de nomes. Lancou um olhar a Gued e disse sem quaisquer boas-vindas, como se o rapaz nunca se tivesse ausentado:
— Vai para a cama. Estar cansado e estupido. Amanha podes abrir o
No fim do Inverno, regressou a Casa Grande. Foi enfim feito Magico e, desta vez, o Arquimago Guencher aceitou-lhe o preito de fidelidade. Passou entao a estudar as grandes artes e encantamentos, transitando das artes da ilusao para os trabalhos de verdadeira magia, aprendendo o que precisava de saber para obter o seu bordao de feiticeiro. Os problemas que sentira para pronunciar as palavras dos encantamentos desapareceram com o passar dos meses e as suas maos recuperaram a pericia. Contudo, nunca voltou a ser tao rapido a aprender como antes fora, dada a longa e dura licao que o temor lhe ensinara. Mas nunca houve portentos ou encontros malfazejos na sequencia mesmo das Grandes Encantamentos de Criar e Formar, que sao as mais perigosas. Chegou a perguntar-se por vezes se a sombra que libertara nao teria enfraquecido, ou fugido para algum lugar fora do mundo, pois nao voltou a surgir nos seus sonhos. Mas, no mais intimo do seu ser, sabia que essa esperanca era loucura.
Com os Mestres e nos antigos livros do antigo saber Gued aprendeu tudo o que pode sobre criaturas como aquela sombra que ele libertara, mas pouco havia a aprender. Nenhuma criatura assim era descrita ou referida diretamente. No maximo, havia aqui e ali, nos velhos livros, alusoes veladas a coisas que poderiam ser como a sombra-fera. Nao era um fantasma de ser humano, nem qualquer criatura dos Antigos Poderes da Terra, e, no entanto, dir-se-ia haver alguma ligacao com estes ultimos. No
— Nao sei — prosseguiu o Mestre. — Dessa sombra apenas sei isto: que so um grande poder poderia ter invocado semelhante coisa, talvez mesmo so um unico poder, uma unica voz, a tua. Mas o que, por sua vez, isso significa, nao sei. Descobri-lo-as. Tens de o descobrir ou morrer, ou pior que morrer… O Mestre falava suavemente e os seus olhos estavam sombrios ao fitar Gued. — Em rapaz, pensaste que um mago e alguem que pode fazer toda e qualquer coisa. Tambem eu assim pensei, em tempos. E a verdade e que, a medida que o poder real de um homem aumenta e se alarga o seu conhecimento, tanto mais se vai estreitando o caminho que lhe e possivel seguir. Ate que, finalmente, ele nada escolhe, mas faz apenas, e na sua totalidade, o que
O Arquimago, apos o decimo oitavo aniversario de Gued, mandou-o trabalhar com o Mestre das Configuracoes. O que se aprende no Bosque Imanente nao e muito comentado fora dele. Diz-se que ali nao se tecem encantamentos e, no entanto, o proprio lugar e um encantamento. Por vezes veem-se as arvores daquele bosque, e por vezes nao, e nem sempre se encontram no mesmo local e parte da Ilha de Roke. Diz-se que as arvores do bosque sao, elas proprias, sabias. Diz-se que o Mestre das Configuracoes aprende a sua suprema magia ali, dentro do Bosque, e que se alguma vez as arvores viessem a morrer, tambem a sua sabedoria morreria com elas, e que nesses dias as aguas se ergueriam a afogar as ilhas de Terramar que Segoy ergueu das profundas no tempo anterior ao mito, todas as terras onde habitam os homens e os dragoes.
Mas tudo isto e o que consta. Os feiticeiros recusam-se a falar do assunto.
Os meses foram passando e, por fim, Gued regressou a Casa Grande, sem fazer ideia do que dele seria seguidamente exigido. A porta que abre para o caminho que atravessa os campos ate ao Cabeco de Roke, um velho veio ao seu encontro, esperando-o sob o portal. A principio Gued nao soube quem era, mas depois, forcando a mente, recordou-o como aquele que o deixara entrar na Escola no dia em que ali chegara, cinco anos antes.
O velho sorriu, saudando-o pelo nome, e perguntou:
— Sabes quem sou?
Ora, ja antes Gued pensara no que se costumava sempre dizer, ou seja, os Nove Mestres de Roke, embora ele conhecesse apenas oito: Chave-do-Vento, Mao, Ervas, Chantre, Mudanca, Invocacao, Nomes, Configuracoes. Dir-se-ia que as pessoas encaravam o Arquimago como o nono. Porem, quando um novo Arquimago era escolhido, eram nove os mestres que se reuniam para o escolher.
— Penso que sejas o Mestre Porteiro — disse Gued.
— Sou. Gued, obtiveste a entrada em Roke ao dizeres o teu nome. Agora poderas obter a tua liberdade se disseres o meu.
Assim falou o sorridente velho e depois esperou. Gued permaneceu mudo.
Claro que ele conhecia mil e uma maneiras e artificios e formas para descobrir nomes de coisas e de homens. Essa arte era parte de tudo o que ele aprendera em Roke pois, sem isso, pouca magia util se poderia fazer. Mas descobrir o nome de um Mago e Mestre era coisa muito diferente. O nome de um mago esta mais bem escondido que uma sardinha no mar, melhor guardado que o covil de um dragao. Um sortilegio de perscrutar sera contrariado por outro mais forte, expedientes subtis fracassarao, invios inqueritos serao inviamente frustrados e a forca sera rui-nosamente voltada contra si propria.
— Estreita e a porta que guardas, Mestre — disse por fim Gued. — Vou ter de me sentar aqui fora, nos campos, e jejuar, creio, ate ficar suficientemente delgado para poder atravessa-la.
— Todo o tempo que queiras — disse o Porteiro, sempre sorrindo.
De modo que Gued se afastou um pouco, indo sentar-se debaixo de um amieiro na margem do Thwilburn, deixando que o seu otaque corresse ate ao rio para brincar e cacar caranguejos da vasa na margem lamacenta. O Sol pos-se, tardio e brilhante, pois a Primavera ia adiantada. Luzes de lanternas e fogos-fatuos brilharam nas janelas da Casa Grande e, colina abaixo, as ruas da vila de Thwil encheram-se de penumbra. Os mochos piaram por sobre os telhados, morcegos esvoacaram pelo ar nevoento acima do rio, e Gued permanecia sentado a pensar como poderia, pela forca, a astucia ou a magia, aprender o nome do Porteiro. Quanto mais ponderava, menos via, entre todas as artes de bruxaria que aprendera em Roke durante aqueles cinco anos, alguma que servisse para arrancar tal segredo a um tal mago.
Estendeu-se no campo e dormiu sob as estrelas, com o otaque aninhado no seu bolso. Depois de o Sol nascer, sempre em jejum, foi ate junto da porta da Casa e bateu. O Mestre-Porteiro abriu.
— Mestre — disse-lhe Gued —, nao posso arrancar de ti o teu nome, pois nao sou suficientemente forte, e nao posso iludir-te para o obter, pois nao sou suficientemente sabio. Assim, contentar-me-ei em ficar aqui, e aprender ou servir, como te aprouver. A nao ser que, por um acaso, estejas disposto a responder a uma minha pergunta.
— Faz a pergunta.
— Qual e o teu nome?
O porteiro sorriu e disse o seu nome. E Gued, repetindo-o, entrou pela ultima vez naquela Casa.
Quando dela voltou a sair, trajava um pesado manto azul-escuro, oferta da administracao de Baixo Torning, para onde ele se dirigia, dado que precisavam ali de um feiticeiro. Levava tambem um bordao tao alto como ele, talhado em madeira de teixo e com ponteira de bronze. O Mestre-Porteiro desejou-lhe boa viagem, abrindo para ele a porta traseira da Casa Grande, a porta de corno e marfim, e ele desceu as ruas de Thwil ate um navio que o esperava sobre as aguas, brilhando na manha.
5. O DRAGAO DE PENDOR
A ocidente de Roke, agrupadas entre as duas grandes extensoes de terra de Hosk e Ensmer, ficam as Noventa Ilhas. A mais proxima de Roke e Serd e a mais afastada Seppish, ficando esta ultima quase no Mar de