— Quem pensaria que algo tao simples fosse tao complicado! — Mirissa riu ao examinar o impresso do computador pregado no quadro de avisos de Terra Nova.
— Eu suponho que este seja um dos famosos „trovoes de Bey”. Que tipo de homem e o comandante? Eu nunca tive uma chance real de falar com ele.
— Ele nao e uma pessoa facil de se conhecer — respondeu Moises Kaldor.
— Nao creio que tenha falado com ele em particular mais do que uma duzia de vezes. E e o unico homem na nave a quem todos chamam de senhor, sempre. Exceto talvez o comandantedeputado Malina, quando estao juntos a sos… Mas este aviso nao e certamente um genuino „trovao de Bey”. E demasiado tecnico. A oficial de ciencias Varley e o secretario Leroy devem te-lo redigido. O comandante Bey tem uma formidavel compreensao acerca dos principios da engenharia, muito superior a minha, mas ele e principalmente um administrador. E ocasionalmente, quando se torna necessario, o comandante-chefe.
— Eu detestaria ter a responsabilidade dele.
— Alguem tem que fazer esse trabalho. Problemas de rotina podem ser enfrentados atraves de consultas aos oficiais superiores e aos bancos do computador. Mas as vezes torna-se necessaria a decisao de um unico individuo, que possui a autoridade para faze-la ser cumprida. E para isso que precisamos de um comandante. Voce nao pode dirigir uma nave atraves de um comite, pelo menos nao todo o tempo.
— Eu acho que e Thalassa. Pode imaginar comandante de alguma coisa? desse modo que nos dirigimos o presidente Farradine como
— Estes pessegos sao deliciosos — comentou Kaldor taticamente enquanto se servia de outro, muito embora soubesse perfeitamente bem que eles haviam sido destinados a Loren.
— Mas voces tiveram sorte, nao tendo que enfrentar nenhuma crise verdadeira durante setecentos anos! Nao foi um de voces que disse uma vez: Thalassa nao possui historia, apenas estatisticas? — Oh, mas isso nao e verdade! E quanto ao Monte Krakan? — Foi um desastre natural que dificilmente poderia ser considerado dos grandes. Eu estou me referindo a… bem, a crises politicas: agitacao popular, esse tipo de coisas.
— Podemos agradecer a Terra por isso. Voces nos deram uma Constituicao Jefferson Mark 3, que alguem ja chamou de Utopia em Dois Megabytes, e ela tem funcionado extraordinariamente bem. O programa nao e modificado ha trezentos anos.
— E ainda estamos apenas na Sexta Emenda.
— E que fiquem nela — disse Kaldor fervorosamente.
— Eu detestaria pensar que fomos responsaveis pela Setima.
— Se isso acontecer, sera processado primeiro nos bancos de memoria dos Arquivos. Quando vira nos visitar de novo? Ha tantas coisas que eu gostaria de lhe mostrar.
— Nao virei tanto quanto gostaria. Voces devem ter muita coisa que nos sera util em Sagan 2, mesmo sendo um tipo bem diferente de mundo.
— „E bem menos atraente”, acrescentou para si mesmo. Enquanto estavam conversando, Loren chegou sem fazer ruido na area de recepcao, obviamente vindo da sala de jogos e seguindo para os chuveiros. Estava usando um short sumario e tinha uma toalha jogada sobre os ombros nus. A visao deixou Mirissa com as pernas moles.
— Suponho que ja derrotou todos, Kaldor.
— Nao fica tedioso? Loren deu um sorriso malicioso.
— Alguns dos jovens lassanianos prometem. Um acaba de fazer tres pontos contra mim. E claro que na ocasiao eu estava jogando com a mao esquerda.
— E improvavel que ele ja lhe tenha contado — observou Kaldor para Mirissa.
— Mas Loren foi campeao de ping-pong da Terra.
— Nao exagere, Moises. Eu era apenas o numero cinco e os padroes estavam miseravelmente baixos, perto do fim. Qualquer jogador chines do Terceiro Milenio teria me pulverizado.
— Eu nao creio que tenha pensado em ensinar a Brant — disse Kaldor matreiramente.
— Seria interessante.
como de habito — disse Houve um breve silencio, e Loren respondeu, de modo presuncoso mas preciso: — Isso nao seria justo.
— Mas acontece — disse Mirissa — que Brant gostaria de lhe mostrar alguma coisa.
— E? — Voce disse que nunca esteve num bote.
— E verdade.
— Entao esta convidado a encontrar Brant e Kumar no Pier Tres, amanha, as oito e meia. Loren voltou-se para Kaldor.
— Voce acha que e seguro ir? — perguntou, com falsa seriedade.
— Eu nao sei nadar.
— Eu nao me preocuparia com isso — respondeu Kaldor solicito.
— Se eles estiverem planejando uma viagem so de ida para voce, isso nao fara a menor diferenca.
18. KUMAR
Apenas uma tragedia obscurecera os dezoito anos de vida de Kumar Leonidas. Ele seria sempre dez centimetros mais baixo do que no fundo desejava. Nao era surpreendente que seu apelido fosse „O Leaozinho”, embora poucos se atrevessem a usa-lo na sua presenca. Para compensar a baixa estatura, ele se empenhava em desenvolver largura e rigidez. Muitas vezes Mirissa lhe dissera, em meio a divertida exasperacao:
— Kumar, se voce passasse o mesmo tempo que gasta com o corpo desenvolvendo o cerebro, seria o maior genio de Thalassa. O que ela nunca lhe dissera, e dificilmente admitia para si mesma, era que o espetaculo daqueles exercicios matinais produzia nela sentimentos incestuosos, bem como certo ciume de outras admiradoras que se reuniam para olhar e que representavam a maior parte das garotas da faixa etaria de Kumar. Embora o boato invejoso de que ele ja havia feito amor com todas as garotas e metade dos rapazes de Tarna fosse uma especulacao extravagante, continha um certo fundo de verdade. Mas Kumar, a despeito do abismo intelectual que o separava de sua irma, nao era nenhum idiota musculoso. Se alguma coisa o interessava, nao se dava por satisfeito ate que a tivesse dominado, nao importando quanto tempo isso levasse. Ele era um soberbo navegador, e em dois anos, com a ajuda ocasional de Brant, construira um soberbo caique de quatro metros. O casco estava completo, mas ainda nao comecara a trabalhar no conves.
Um dia, ele jurara, iria lanca-lo ao mar e todos deixariam de rir. Enquanto isso a frase „o caique de Kumar” passara a ser sinonimo de qualquer trabalho longo e nao terminado em Tarna — dos quais, alias, havia muitos. A parte a tendencia comum dos lassanianos para atrasar os servicos, um dos maiores defeitos de Kumar era seu carater aventureiro e seu gosto por pregar pecas as vezes arriscadas. Isto ainda iria colocalo em serios apuros, pensavam todos. Ainda assim era impossivel se irritar, mesmo com suas brincadeiras mais infames, porque eram totalmente destituidas de maldade.
Kumar era uma pessoa aberta, transparente, e era impossivel imagina-lo dizendo uma mentira. Por isto podia-se perdoa-lo muitas vezes, como quase sempre acontecia. A chegada dos visitantes havia, e claro, sido o acontecimento mais emocionante de sua vida. Ficava fascinado com o equipamento deles, as gravacoes sensorias de som e video que haviam trazido, as historias que contavam, enfim: tudo a respeito deles. Como via mais Loren do que qualquer outro, nao era surpreendente que Kumar se ligasse a ele. Isto nao agradava muito a Loren. Se havia uma coisa mais indesejavel do que uma companhia inconveniente era o tradicional „estraga-prazeres”, o irmaozinho pegajoso.
19. LINDA POLLY
— Eu ainda nao consigo acreditar, Loren — disse Brant, Falconer.