vestidos, dos tornozelos ate os quadris. Quando fazem certos movimentos, descobrem a perna toda e a coxa, ate bem em cima. Os marinheiros americanos, ingleses, suecos, canadenses e noruegueses comem, alguns duas vezes por dia, para gozar o espetaculo. Meus amigos chamam meu restaurante de restaurante dos olheiros. Eu represento o patrao. Para todo mundo, eu sou o boss. Nao ha caixa registradora, as garconetes me trazem o dinheiro, que ponho no bolso, e dou troco quando e necessario.

O restaurante abre as 8 da noite e fica aberto ate 5 ou 6 horas da manha. Nao vale a pena dizer que, ali pelas 3 horas da manha, todas as putas do bairro que fizeram uma boa noite vem comer, com seu homem ou com um cliente, um frango ao curry ou uma salada de feijao. Tambem tomam cerveja, principalmente inglesa, uisque, rum de cana-de-acucar do pais, muito bom, com soda ou coca-cola. Como se tornou o ponto de encontro dos franceses em fuga, sou o refugio, o conselheiro, o juiz e o confidente de toda a colonia de forcados e exilados.

Isso as vezes me traz encrencas. Um colecionador de borboletas me explica sua maneira de cacar no mato. Corta um papelao em forma de borboleta, depois cola sobre ele as asas da borboleta que quer cacar. O papelao e afixado na ponta de um bastao de 1 metro. Quando caca, ele segura o bastao com a mao direita e faz movimentos de modo que a falsa borboleta pareca estar voando. Enfia-se pelo mato, sempre em clareiras onde o sol penetra. Sabe as horas de aparicao de cada especie. Ha especies que nao vivem mais de 48 horas. Entao, quando o sol banha essa clareira, as borboletas que acabam de sair do casulo precipitam-se para a luz, procurando fazer o amor o mais depressa possivel. Quando percebem a isca, vem de longe para se precipitar sobre ela. Se a falsa borboleta e um macho, e um macho que vem para lutar. Com a mao esquerda, onde segura a redinha, rapidamente ele o apanha.

A bolsa tem um estreitamento, que permite que o cacador continue a apanhar borboletas sem temer que as outras escapem,

Se a isca for feita com as asas de uma femea, os machos vem para beija-la e o resultado e o mesmo.

As mais belas borboletas sao as da noite, mas, como batem frequentemente em obstaculos, e dificil encontrar uma com as asas intatas. Quase todas tem as asas esfrangalhadas. Para apanhar essas borboletas noturnas, ele sobe no alto de uma grande arvore e faz um quadrado com pano branco, que ilumina por tras com luz de carbureto. As grandes borboletas da noite, com 15 a 20 centimetros da ponta de uma asa a outra, vem colar-se ao pano branco. Basta, entao, asfixia-las, comprimindo-lhes bem depressa e com bastante forca o torax, sem esmaga-lo. Nao se pode deixar que se debatam, porque estragariam as asas, perdendo parte do valor.

Tenho sempre numa vitrina pequenas colecoes de borboletas, de moscas, de pequenas serpentes e de vampiros. Ha mais compradores do que mercadoria. Assim, os precos sao altos.

Um americano me desenhou uma borboleta com as asas de tras de um azul-aco e as superiores de um azul-claro. Ofereceu-me 500 dolares se eu encontrasse uma borboleta dessa especie. Trata-se, alias, de uma borboleta hermafrodita.

Falando com o cacador, ele me disse que uma vez tivera uma nas maos, muito bonita, que lhe haviam pago 50 dolares e que ficara sabendo depois, por um colecionador serio, que aquela especie valia quase 2 000 dolares.

– O americano esta querendo embrulhar voce, Papillon – disse-me o cacador. – Esta pensando que voce e idiota. Mesmo que a peca valesse so 1 500 dolares, ele estaria se aproveitando sordidamente da sua ignorancia.

– Tem razao, ele e um sujo. E se nos o tapearmos?

– Como?

– Teriamos que fixar numa borboleta femea, por exemplo, as asas de um macho ou vice-versa. O dificil e descobrir como fixa-las, sem que se perceba.

Depois de varias tentativas infelizes, conseguimos colar perfeitamente, sem que se note, duas asas de um macho num magnifico exemplar de femea: introduzimos as pontas numa minuscula incisao, depois colamos com leite de balata. Segura bem, a ponto de se poder erguer as asas coloridas. Pomos a borboleta sob o vidro, junto com outras, numa colecao qualquer de 20 dolares, como se eu jamais a tivesse visto. Assim que o americano a percebe, tem o topete de vir com uma nota de 20 dolares na mao, para comprar a colecao. Eu digo que ela ja estava prometida, que um sueco encomendou uma caixa e que aquela e para ele.

Em dois dias, o americano pegou aquela caixa nas maos pelo menos umas dez vezes. Enfim, nao aguentando mais, ele me chama.

– Compro a borboleta do meio por 20 dolares e voce fica com a colecao.

– O que essa borboleta tem de extraordinario? – e ponho-me a examinar; depois me espanto: – Veja so, mas e uma borboleta hermafrodita!

– Que esta dizendo? Sim, e verdade. Antes, eu nao tinha muita certeza – diz o americano. – Atraves do vidro nao se via bem. Da licenca? – examina a borboleta de todos os lados e diz: – Quanto quer por ela?

– Um dia nao me disse que um exemplar assim tao raro vale 500 dolares?

– Repeti isso a varios cacadores de borboletas e nao quero me aproveitar da ignorancia do que apanhou este aqui.

– Entao, 500 dolares ou nada.

– Compro-a, guarde-a para mim. Tome, aqui estao 60 dolares que tenho comigo, como sinal de que a compra esta feita. De-me um recibo, amanha eu trarei o resto. E, principalmente, tire-a dessa caixa.

– Esta bem, vou guarda-la noutro lugar. Aqui esta seu recibo.

Bem, na hora de abrir a casa, o descendente de Lincoln la esta. Examina de novo a borboleta, dessa vez com uma pequena lupa. Tenho um medo terrivel quando ele a vira do outro lado. Satisfeito, faz o pagamento, poe a borboleta numa caixa que trouxe, pede-me outro recibo e vai embora.

Dois meses depois sou levado pela policia. Chegando ao comissariado, o superintendente da policia explica-me em frances que fui preso por ter sido acusado de trapaca por um americano:

– E o sujeito da borboleta na qual voce colou asas – diz o comissario. – Gracas a esse estratagema, vendeu-a por 500 dolares.

Duas horas depois, Cuic e Indara la estao com um advogado. Ele fala muito bem o frances. Explico-lhe que nada sei de borboletas, que nao sou cacador, nem colecionador. Vendo as caixas para ajudar os cacadores, que sao meus clientes, que foi o americano que ofereceu 500 dolares, nao eu que os pedi, e que, alias, ele a examinara para ter certeza de que ela era o que pensava, que o ladrao, entao, era ele, pois nesse caso a borboleta valeria cerca de 2 000 dolares.

Dois dias depois, passo ao tribunal. O advogado me serve tambem de interprete. Repito minha tese. Em seu favor, o advogado tem um catalogo com precos de borboletas. Um especime parecido esta cotado no livro a acima de 1 500 dolares. O americano e duramente criticado pelo tribunal. Tera, ainda por cima, que pagar os honorarios do meu advogado, mais 200 dolares.

Todos os duros e hindus estao reunidos, festejamos a libertacao com pastis feito em casa. Toda a familia de Indara foi ao tribunal, estao orgulhosos de ter na familia – depois da absolvicao – um super-homem. Pois eles nao eram patetas, e duvidavam muito de que eu nao tivesse colado as asas.

Pronto, fomos obrigados a vender o restaurante, isso devia acontecer. Indara e Daya eram bonitas demais e aquela especie de strip-tease delas, sempre apenas esbocado sem jamais continuar, desvairava ainda mais aqueles marinheiros sanguineos do que se fosse um desnudamento integral. Tendo reparado que, quanto mais colocavam suas maminhas embaixo do nariz dos marujos, mais recebiam de gorjeta, bem inclinadas sobre a mesa, nunca acabavam de fazer a conta ou encontrar o troco certo. Depois desse tempo de exposicao bem calculado, endireitavam-se e diziam: “E a minha gorjeta?” – “Ah!” Os pobres caras eram generosos e aqueles amorosos acesos, sem jamais serem apagados, nao sabiam bem onde estavam com a cabeca.

Um dia, aconteceu o que eu previa. Um enorme diabo de um ruivo cheio de sardas nao se contentou em ver apenas a coxa inteira descoberta: a uma aparicao fugaz da calcinha, ergueu a mao e seus dedos de bruto, mantendo a minha javanesa presa como que a um torno. Como ela estava com um jarro de vidro na mao, nao levou muito tempo para quebra-lo na cabeca dele. Com o golpe, ele larga a calca e desaba. Corro para ergue-lo. Os amigos dele pensam que eu vou espanca-lo e, antes que eu diga ui, recebo um soco magistral em pleno olho. Talvez o marinheiro-boxeador tenha mesmo querido defender seu chapa. Ou queria surrar o marido da linda hindu, responsavel pelo que nao podia acontecer com ela? Sabe-se la! De qualquer modo, meu olho recebe o direto bem em cheio. Ele conta muito depressa com sua vitoria, pois se coloca em guarda de boxe diante de mim e grita: Boxe, boxe, man! Com um pontape nas partes, seguido por uma cabecada a Papillon, o boxeador se estende ao comprido.

A balburdia se torna geral. O maneta sai da cozinha em meu socorro e distribui golpes de bastao, usando o porrete que serve para fazer macarrao especial. Cuic chega com um longo garfo nos dentes e mergulha na confusao. Um vagabundo parisiense, aposentado dos bailes de gaita da Rua da Lappe, serve-se de uma cadeira como clava. Achando-se certamente desprotegida pela perda de sua calcinha, Indara se retira da batalha.

Conclusao: cinco americanos seriamente feridos na cabeca, outros com dois furos do garfo de Cuic em varias partes do corpo. Ha sangue por todo lado. Um policial negro coloca-se a porta, para que ninguem saia. Felizmente, pois chega um jipe da policia militar. Polainas brancas e bastao erguido, eles querem entrar a forca e, vendo todos os seus marinheiros cheios de sangue, certamente tem intencao de vinga-los. O policial negro os repele, depois coloca o braco e o bastao atravessados na porta e diz: “Her Majesty Police” (Policia de Sua Majestade).

So quando chegam os policiais ingleses e que nos deixam sair e subir no tintureiro. Somos levados ao comissariado. Alem de mim, que tenho o olho preto, nenhum de nos esta ferido, o que faz com que nao queiram acreditar em nossa legitima defesa.

Oito dias depois, no tribunal, o presidente aceita nossa tese e nos poe em liberdade, salvo Cuic, que pega tres meses por pancadas e ferimentos. Era dificil encontrar uma explicacao para os multiplos furos duplos distribuidos em profusao por Cuic.

Como, para completar, em menos de quinze dias ele tivera seis encrencas, nao podiamos mais apoia-lo. Os marinheiros decidiram nao considerar essa briga como terminada e, como ha gente que vem todo dia com novidades, como saber se sao amigos ou inimigos?

Portanto, vendemos o restaurante, pelo mesmo preco que haviamos pago. E verdade que, com a ma fama que tinha adquirido, nao havia fila de compradores.

– Que vamos fazer, maneta?

– Enquanto esperamos que Cuic saia, vamos descansar. Nao podemos recuperar a carroca e o asno, porque os vendemos junto com a clientela. O melhor e nao fazer nada, descansar. Depois, a gente ve.

Cuic saiu. Diz que foi bem tratado: “O unico aborrecimento”, conta, “foi que fiquei perto de dois condenados a morte”. Ora, os ingleses tem um habito sujo: avisam ao condenado, 45 dias antes da execucao, que ele vai ser enforcado, numa corda bem alta e curta, a tal dia e tal hora, porque a rainha recusou sua graca. “Entao”, conta Cuic, “todas as manhas os condenados gritam um para o outro: ‘Um dia a menos, Johnny, so restam tantos dias!’ E o outro nao parava de insultar seu cumplice o dia inteiro.” Fora isso, Cuic estava tranquilo e com boa aparencia.

A CABANA DE BAMBU

Pascal Fosco desceu das minas de bauxita. E um dos homens que haviam tentado um ataque a mao armada contra o correio de Marselha. Seu cumplice foi guilhotinado. Pascal e o melhor de todos nos. Bom mecanico, nao ganha mais do que 4 dolares por dia; mas, mesmo com isso, sempre arranja um jeito de ajudar um

Вы читаете Papillon
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату