feliz por ver seu pai ir embora satisfeito com a visita e conosco.
Tenho 36 anos e estou com muito boa saude, sinto-me jovem ainda e todo mundo, felizmente, me considera jovem: nao aparento mais de 30 anos, dizem todos os amigos. Ora, essa pequena esta com dezenove anos e tem a beleza de sua raca, calma e cheia de fatalismo em seu modo de pensar. Seria para mim um presente do ceu amar e ser amado por essa moca esplendida.
Quando nos tres saimos, ela sempre senta no bagageiro da frente e sabe muito bem que ficando bem sentada, com o busto ereto, quando eu tenho que forcar os pedais, preciso me inclinar um pouco para a frente e fico muito proximo de seu rosto. Se ela joga a cabeca para tras, vejo toda a beleza de seus seios nus sob o veu, melhor do que se nao estivessem cobertos por gaze. Seus grandes olhos negros brilham intensamente por ocasiao dessas quase apalpadelas e sua boca, vermelho- escuro na pele mate, entreabre-se com vontade de ser beijada. Dentes admiraveis e de brilhante beleza completam essa boca maravilhosa. Ela tem um jeito de pronunciar certas palavras, de fazer aparecer uma pontinha da lingua rosa na boca entreaberta, que tornaria libertinos os santos mais santos que nos deu a religiao catolica.
Devemos ir ao cinema, hoje a noite, so nos dois. Sua irma esta com dor de cabeca, dor de cabeca essa que me parece simulada para nos deixar a sos. Ela chega com um vestido de musselina branca que vai ate os tornozelos, os quais, quando ela anda, aparecem nus, rodeados por tres aros de prata. Esta calcada com sandalias cujas tiras douradas passam pelo grande artelho. Isso torna seu pe muito elegante. Na narina direita, ela colocou uma conchinha minuscula de ouro. O veu de musselina na cabeca e curto e cai-lhe ligeiramente abaixo das espaduas. Uma fita dourada o mantem preso ao redor da cabeca. Da fita ate o meio da testa pendem tres fios guarnecidos com pedras de todas as cores. Linda fantasia. Quando balanca, e claro, deixa ver a tatuagem muito azul da fronte.
Toda a familia hindu e a minha, representada por Cuic e o maneta, nos olha partir, com rostos felizes por nos verem exteriorizar nossa felicidade. Todos tem ar de saber que vamos voltar noivos do cinema.
Bem sentada sobre a almofada no bagageiro de minha bicicleta, rodamos os dois para o centro. E num longo trecho de uma avenida mal iluminada que essa moca esplendida, por iniciativa propria, me aflora a boca num beijo rapido e furtivo. Era tao inesperado que ela tomasse a iniciativa, que eu quase cai da bicicleta.
Maos nas maos, sentados no fundo da sala, eu lhe falo com os dedos e ela responde. Nosso primeiro dueto de amor, nessa sala de cinema, onde passava um filme que nao vimos, foi completamente mudo. Seus dedos, suas unhas longas, bem cuidadas e esmaltadas, as pressoes das palmas das maos cantam e me comunicam bem melhor do que se ela falasse todo o amor que tem por mim e o desejo de ser minha. Ela reclinou a cabeca em meu ombro, o que me permite dar-lhe beijos no rosto tao puro.
Esse amor tao timido, tao demorado em desabrochar, transformou-se depressa em paixao total. Eu lhe expliquei, antes que ela fosse minha, que nao podia me casar com ela, pois ja era casado na Franca. Isso deixou-a contrariada durante um dia. Uma noite, ficou comigo, em minha casa. Por causa de seus irmaos, disse-me, e por causa de certos vizinhos e vizinhas hindus, preferia que eu fosse morar com ela na casa de seu pai. Aceitei e instalei-me na casa de seu pai, que mora so com uma jovem hindu, uma parenta afastada, que o serve e cuida da casa. Nao fica muito longe da casa em que Cuic mora, 500 metros, mais ou menos. Meus dois amigos vem me visitar todos os dias e passam uma boa hora conosco. Muitas vezes comem conosco.
Continuamos, sempre, nossa venda de legumes no porto. Saio as 6 e meia e quase sempre minha hindu me acompanha. Uma grande garrafa termica cheia de cha, um pote de geleia e um pao torrado num grande saco de couro vem comigo e ficam esperando Cuic e o maneta, para que tomemos o cha juntos. Ela mesma prepara esse lanche e faz questao absoluta do ritual: tomarmos os quatro juntos a primeira refeicao do dia. Em sua bolsa ha todo o necessario: uma pequena toalha bordada e com renda que, muito cerimoniosamente, ela estende sobre o passeio, que varre antes com uma escova, e sobre a qual poe as quatro xicaras de porcelana com seus pires. E, sentados no passeio, muito seriamente, tomamos nossa primeira refeicao.
E gozado estar no passeio, tomando cha, como se estivessemos numa sala, mas ela acha isso natural e Cuic tambem. Alias, eles nao fazem caso algum das pessoas que passam, e acham normal agir assim. Nao quero contraria-la. Ela fica tao contente por nos servir e passar geleia nas torradas, que, se eu nao quisesse, iria deixa-la triste.
Sabado passado aconteceu uma coisa que me deu a chave do misterio. De fato, ha dois meses que estamos juntos e, frequentemente, ela me da pequenas quantidades de ouro. Sao sempre pedacos de joias quebradas: a metade de um anel de ouro, um brinco so, um pedaco de corrente, um quarto ou metade de uma medalha ou moeda. Como nao tenho necessidade disso para viver, se bem que ela me diga para vende-lo, guardo-os em uma caixa. Tenho quase quatrocentos gramas. Quando lhe pergunto de onde vem aquilo, ela me arrasta, me beija, ri, mas nao da nenhuma explicacao.
Pois bem, sabado, as 10 horas da manha, minha hindu me pediu que levasse seu pai, ja nao lembro mais para onde, de bicicleta: “Meu pai”, disse-me ela, “indicara o caminho. Vou ficar em casa para arruma-la um pouco”. Intrigado, penso que o velho quer fazer uma visita longe e de bom grado concordo em leva-lo.
Sentado no bagageiro da frente, sem falar, pois ele apenas fala hindu, tomo os caminhos que ele me aponta. E longe, ha mais de uma hora que eu pedalo. Chegamos a um bairro rico, perto do mar. Nada alem de belas mansoes. A um sinal do “sogro”, eu paro e observo. Ele tira uma pedra redonda e branca de sob a tunica e se ajoelha no primeiro degrau de uma casa. Rolando a pedra sobre o degrau, canta. Passam-se alguns minutos, uma mulher vestida de hindu sai da casa, aproxima-se dele e lhe da alguma coisa, sem dizer uma palavra.
De casa em casa, ele repete a cena ate as 16 horas. E uma cena longa e nao consigo compreende-la. Na ultima mansao, e um homem vestido de branco que vem ate ele. Faz com que se levante e, com um braco enfiado no dele, leva-o para a casa. Fica la dentro mais de um quarto de hora e torna a sair, acompanhado pelo senhor, que, antes de deixa-lo, beija-lhe a testa ou, antes, os cabelos brancos. Voltamos para casa, eu pedalo o mais depressa que posso, para chegar logo, pois passa das 4 e meia.
Antes do anoitecer, felizmente, estamos em casa. Minha linda hindu, Indara, primeiro leva o pai, depois salta-me ao pescoco e cobre-me de beijos, arrastando-me para o chuveiro, para que eu tome um banho. Roupa limpa e fresca esta a minha espera e, lavado, barbeado e trocado, sento-me a mesa. Ela mesma me serve, como de habito. Quero interroga-la, mas ela se mexe para la e para ca, bancando a muito ocupada, para adiar o maior tempo possivel o momento das perguntas. Ardo por saber. Sei, no entanto, que nao se deve jamais forcar um hindu ou um chines a dizer qualquer coisa. Ha sempre um tempo a respeitar antes de interrogar. Entao, eles falam por si sos, pois adivinham, sabem que a gente espera uma confidencia deles e, se acham o cara digno, fazem-na. Foi isso que aconteceu com Indara.
Depois que, deitados, fizemos longamente o amor, quando ela, satisfeita, pousou no vao de minha axila nua o rosto ainda ardente, falou, sem me olhar:
– Sabe, querido, quando papai vai buscar ouro, ele nao age mal, ao contrario. Chama os espiritos para que protejam a casa em que rola sua pedra. Para agradecer, em geral, dao-lhe um pedaco de ouro. E um velho costume de nossa terra, em Java.
E o que a minha princesa me conta. Mas, um dia, uma de suas amigas conversa comigo no mercado. Nessa manha, nem ela nem os chineses haviam chegado ainda. A bonita moca, de Java tambem, contou-me uma outra coisa:
– Para que voce trabalha, uma vez que vive com a filha do feiticeiro? Ela nao tem vergonha de fazer voce se levantar tao cedo, mesmo quando esta chovendo? Com o ouro que o pai dela ganha, voce poderia viver sem trabalhar. Ela nao sabe ama-lo, pois nao devia deixa-lo levantar-se tao cedo.
– E o que o pai dela faz? Explique-me, pois eu nao sei de nada.
– O pai dela e um feiticeiro de Java. Se quiser, ele chama a morte para voce ou sua familia. O unico jeito de escapar ao sortilegio que ele faz com sua pedra magica e dar-lhe bastante ouro, para que a faca rolar em sentido contrario daquele que chama a morte. Entao, desfaz todos os maleficios e chama, ao contrario, a saude e a vida para voce e todos os que moram em sua casa.
– Isso nao e nada parecido com o que Indara me contou.
Prometo a mim mesmo fazer uma verificacao, para saber qual das duas tem razao. Alguns dias depois, eu estava com meu “sogro” de longa barba branca na beira de um riacho que atravessa Penitence River e desagua no Demerara. A atitude dos pescadores hindus me esclareceu amplamente. Cada um lhe oferecia um peixe e se afastava o mais depressa possivel da margem. Compreendi. Nao ha mais necessidade de perguntar nada a ninguem.
Para mim, meu sogro feiticeiro nao me incomoda em nada. Ele so me fala em hindu e acha que ja compreendo um pouco. Nao chego jamais a apreender o que ele quer dizer. Isso tem seu lado bom: nao se pode estar sempre de acordo. Ele me arranjou trabalho, apesar de tudo: tatuo as frontes de todas as mocinhas de treze a quinze anos. Algumas vezes, ele me descobre os seios delas e tatuo neles folhas ou petalas de flores em cor, rosa e azul, deixando o bico surgir como o pistilo de uma flor. As corajosas, pois e muito doloroso, fazem-se tatuar em amarelo-canario o circulo negro em volta do bico do seio e algumas, mais raramente, querem o bico do seio em amarelo.
Diante da casa, ele colocou uma tabuleta escrita em hindu onde esta anunciado, parece: “Artista tatuador – Preco modico – Trabalho garantido”. Esse trabalho e bem pago e tenho duas satisfacoes: admirar os lindos seios das javanesas e ganhar dinheiro.
Cuic encontrou um restaurante a venda, perto do porto. Todo orgulhoso, ele me conta a novidade e propoe que o compremos. O preco esta acertado, 800 dolares. Vendendo o ouro do feiticeiro, mais as nossas economias, podemos comprar o restaurante. Vou ve-lo. Fica numa rua pequena, mas muito perto do porto. La fervilha de gente a toda hora. Uma sala bastante grande, quadriculada em branco e preto, oito mesas a esquerda, oito a direita, no meio uma mesa redonda onde podem ser expostos os antepastos e as frutas. A cozinha e grande, espacosa, bem iluminada. Dois grandes fornos e dois fogoes imensos.
Fizemos o negocio. Indara mesmo vendeu todo o ouro que possuiamos. O papai primeiro ficou surpreendido por eu jamais haver tocado nos pedacos de ouro que ele dava a filha para nos dois. Disse:
– Eu os dei a voces para que aproveitassem. Sao de voces dois, nao tem que me perguntar se podem dispor deles. Facam o que quiser.
Meu “sogro-feiticeiro” nao e nada mau. Ela e uma coisa a parte, como amante, como mulher e como amiga. Nunca corremos o risco de brigar, porque ela sempre responde sim a tudo que digo. So se arrepia um pouco quando tatuo as maminhas de suas compatriotas.
Portanto, eis-me dono do restaurante Victory, na Rua Water, em pleno coracao do porto da cidade de Georgetown. Cuic ficara na cozinha, ele gosta disso, e a sua profissao. O maneta fara as compras e o
Esse restaurante, que fora a falencia, rapidamente adquire fama. Ajudada por uma jovem hindu muito bonita, chamada Daya, Indara serve os numerosos clientes que acorrem para degustar a comida chinesa. Todos os forcados fugitivos vem. Os que tem dinheiro pagam; os outros comem de graca. “Da sorte dar de comer aos que tem fome”, diz Cuic.
Um so inconveniente: a atracao das duas garconetes, uma das quais e Indara. As duas exibem os seios nus sob o ligeiro veu de seus vestidos. E mais, abriram os