seu cargo de controlador de jogo, de modo que, com o que eu ganhar sobre os jogadores, poderei viver bem sem gastar o dinheiro do meu canudo. Mais tarde, vou ver que o negocio e muito interessante, mas extremamente perigoso.

O domingo passou com uma rapidez espantosa.

– Ja sao 5 horas – diz Dega, que esta com um lindo relogio -, temos que voltar para o campo.

Na saida, Dega me da 500 francos para jogar poquer, pois as vezes ha boas partidas na nossa sala. Grandet me da uma magnifica faca de mola da qual ele mesmo temperou o aco. E uma arma terrivel.

– Fique sempre armado, dia e noite.

– E se eles me revistarem?

– Quase todos os guardas que revistam sao arabes. Quando um homem e considerado perigoso, eles nunca encontram a arma, nem que a toquem.

– A gente vai se encontrar no campo – diz Grandet.

Antes de sair, Galgani me diz que ja guardou um lugar para min no seu canto e que ficaremos juntos numa patota, repartindo as coisas. Quanto a Dega, nao dorme no campo, mas num quarto do predio da administracao.

Ja faz tres dias que estamos aqui, mas, como passo as noites perto de Clousiot, ainda nao me dei muito bem conta da vida desta sala de hospital, onde somos uns sessenta. Depois, Clousiot piorou muito, foi isolado num quarto onde ja estava um enfermo grave. Chatal o entupiu de morfina. Receia que nao aguente a noite.

Na sala ficam trinta camas de cada lado de uma passagem de 3 metros, quase todas ocupadas. Pois lampioes de petroleo iluminam o conjunto. Maturette diz:

– La no fundo estao jogando poquer.

Eu vou ate os jogadores. Sao quatro.

– Posso ser o quinto?

– Pode, sente. O cacife e de 100 francos. Para comecar a jogar, precisa compra tres cacifes, quer dizer, 300 francos. Aqui tem 300 francos de fichas.

Dou 200 para Maturette guardar. Um parisiense chamado Dupont diz para mim:

– Jogamos com o regulamento ingles, sem curinga. Conhece?

– Conheco.

– Entao de as cartas, e voce que comeca.

E incrivel a rapidez com que estes homens jogam. A parada tem que ser muito rapida, senao a aposta e considerada “fora de tempo” e o jeito e aguentar firme. Ai e que descubro uma nova classe de forcados: os jogadores. Vivem do jogo, para o jogo, no jogo. Nada interessa a eles, a nao ser jogar. Esquecem tudo: o que eles foram, sua pena, o que eles poderiam fazer para modificar sua vida. Que o parceiro seja um bom sujeito ou nao, uma unica coisa interessa: jogar

Jogamos a noite inteira. Paramos no cafe. Ganhei 1 300 francos. Vou para a minha cama, quando Paulo se aproxima de mim e me pede emprestados 200 cobres para continuar a jogar belote de dois. Ele precisa de 300 cobres e so tem 100.

– Toma 300. Depois a gente divide.

– Obrigado, Papillon, voce e mesmo o sujeito de quem ouvi falar. Vamos ser amigos.

Estendo a mao, aperto-a, e ele vai embora todo contente. Clousiot morreu hoje de manha. Num momento de lucidez, na vespera, tinha pedido a Chatal para nao lhe dar morfina:

– Quero morrer consciente, sentado na minha cama, com meus amigos a meu lado.

E estritamente proibido penetrar nos quartos de isolamento, mas Chatal se responsabilizou e o nosso amigo pode morrer nos nossos bracos. Fechei os olhos dele. Maturette estava transtornado pela dor.

– La foi ele, o companheiro da nossa bela aventura. Vai ser jogado aos tubaroes.

Quando ouvi estas palavras, “vai ser jogado aos tubaroes”, fiquei gelado. De fato, nao existe cemiterio para os forcados nas ilhas. Quando um forcado morre, eles o jogam no mar, as 6 horas, quando o sol se poe, entre Saint-Joseph e Royale, num lugar infestado de tubaroes.

A morte do meu amigo me torna o hospital insuportavel. Mando dizer a Dega que vou sair depois de amanha. Ele me manda um bilhete: “Peca a Chatal que consiga para voce quinze dias de descanso no campo, assim tera tempo para escolher o emprego que convier”. Maturette vai ficar mais algum tempo. Talvez Chatal consiga toma-lo como enfermeiro-assistente.

Assim que saio do hospital, me levam para o predio da administracao, me apresentam ao comandante Barrot, o “Coco Seco”.

– Papillon, antes de bota-lo no campo, eu quis conversar um pouco com voce. Voce tem aqui um amigo precioso, meu contador geral, Louis Dega. Ele sustenta que voce nao merece as informacoes que nos chegam da Franca. Como ele considera voce um condenado inocente, acha natural que voce esteja num estado permanente de revolta. Devo dizer que nao concordo muito com ele a esse respeito. O que eu gostaria de saber e qual e, atualmente, o seu estado de espirito.

– Primeiro, meu comandante, para poder responder, pode me dizer quais sao as informacoes do meu processo?

– Veja voce mesmo.

E ele me passa uma cartolina amarela onde leio mais ou menos o seguinte:

“Henri Charriere, dito Papillon, nascido a 16 de novembro de 1906, em…, Ardeche, condenado por homicidio voluntario aos trabalhos forcados perpetuos, pelo tribunal do Sena. Perigoso de todos os pontos de vista, deve ser vigiado com muita cautela, nao podera se beneficiar dos empregos de favor.

“Central de Caen: Condenado incorrigivel. Capaz de fomentar uma revolta. Deve ser vigiado constantemente.

“Saint-Martin-de-Re: Individuo disciplinado mas certamente possuidor de muita influencia sobre os colegas. Tentara fugir de qualquer lugar.

“Saint-Laurent-du-Maroni: Cometeu uma agressao selvagem contra tres guardas e um auxiliar da administracao para fugir do hospital. Volta da Colombia. Bom comportamento na preventiva. Condenado a uma pena leve de dois anos de reclusao.

“Reclusao de Saint-Joseph: Bom comportamento ate a libertacao”.

– Com isso, meu velho Papillon – diz o diretor quando lhe devolvo a ficha -, a gente nao se sente muito seguro quando tem voce como pensionista. Voce quer fazer um acordo comigo?

– Por que nao? Depende do acordo.

– Voce e um homem que, sem duvida, vai fazer tudo para fugir das ilhas, apesar das grandes dificuldades que existem para a fuga. E possivel ate que voce seja bem sucedido. Quanto a mim, me faltam apenas cinco meses na direcao das ilhas. Sabe o que custa uma evasao para o comandante das ilhas? Um ano de soldo normal. Quer dizer, a perda completa do tratamento colonial; ferias adiadas de seis meses e reduzidas de tres. E, conforme as conclusoes do inquerito, se houve desleixo por parte do comandante, a possivel perda de um galao. Esta vendo que o negocio e serio. Se eu fizer o meu trabalho honestamente, nao e porque voce e capaz de fugir que tenho o direito de bota-lo numa cela ou numa masmorra. A nao ser que eu invente delitos imaginarios. E isso nao quero fazer. Entao, eu gostaria que voce me desse a sua palavra de que nao tentara fugir ate a minha saida das ilhas. Cinco meses.

– Comandante, eu lhe dou a minha palavra de honra de que nao vou partir enquanto o senhor estiver aqui, se isso nao ultrapassar seis meses.

– Parto dentro de um pouco menos de cinco meses, e absolutamente certo.

– Muito bem, pergunte a Dega, ele dira ao senhor que sou homem de palavra.

– Acredito.

– Mas, em compensacao, peco outra coisa.

– O que?

– Que, durante os cinco meses que tenho que passar aqui, eu possa ter ja os empregos dos quais eu poderia me beneficiar mais tarde, e talvez ate mudar de ilha.

– Entao esta certo. Mas que isso fique estritamente entre nos.

– Sim, meu comandante.

Ele manda vir Dega, que o convence de que o meu lugar nao e junto com os presos “bem comportados”, mas com os homens da zona da malandragem, no predio dos perigosos, onde se encontram todos os meus amigos. Recebo um saco completo com os trastes de forcado e o comandante manda acrescentar algumas calcas e algumas japonas brancas pedidas aos alfaiates.

E assim, com duas calcas de um branco impecavel, novinhas, e tres japonas, um chapeu de palha de arroz, que me encaminho, acompanhado por um guarda, para o campo central. Para ir do pequeno predio da administracao ate o campo, e necessario atravessar o planalto inteiro. Passamos em frente do hospital dos guardas, ao seguir um muro de 4 metros que faz a volta completa da penitenciaria. Depois de ter feito a volta quase completa desse imenso retangulo, se chega a porta principal. “Penitenciaria das Ilhas – Secao de Royale”. A imensa porta de madeira e toda aberta. Tem cerca de 6 metros de altura, com dois postos de guarda e quatro guardas em cada um. Sentado numa cadeira, um graduado. Nada de mosquetao: todos estao com revolver. Vejo tambem cinco ou seis serventes arabes.

Quando chego debaixo do portico, todos os guardas saem. O chefe, um corso, diz:

– Chegou um novo, de gabarito.

Os serventes se preparam para me revistar, mas ele os interrompe:

– Nao chateiem, nao precisam tirar a tralha toda. Vamos, entre, Papillon. No bloco especial, parece que voce tem muitos amigos. Eles estao esperando por voce. Meu nome e Sofrano. Boa sorte nas ilhas.

– Obrigado, chefe.

E entro num patio imenso, onde se erguem tres grandes blocos. Sigo o guarda que me leva ate um deles. Em cima da porta, uma inscricao: “Bloco A – Grupo Especial”. Em frente da porta toda aberta, o guarda grita:

– Vigia do compartimento!

Surge entao um velho forcado.

– Chegou um novo – diz o chefe e vai embora.

Entro numa sala retangular, muito grande, onde vivem 120 homens. Como no primeiro predio de Saint-Laurent, uma barra de ferro percorre cada um dos lados maiores, interrompida apenas no espaco das portas; e uma grade que so se fecha de noite. Entre a parede e a barra estao esticadas, muito bem estendidas, lonas que servem de cama e as quais se da o nome de rede, embora nao sejam realmente redes. Essas redes sao bem confortaveis e higienicas. Em cima de cada uma estao afixadas duas tabuas para nos guardarmos nossas coisas: uma para a roupa, a outra para a comida, a tigela, etc. Entre as fileiras de redes, uma passagem de 3

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