– Enfim, vou deixar a colonia. Gracas a voce e a meu irmao Chang, estarei livre. Talvez um dia, quando os franceses sairem da Indochina, eu possa voltar ao meu pais.
Em suma, ele confia em mim; e, sabendo que gostei do barco, esta contente como uma crianca. Durmo pela ultima noite na ilha, minha ultima noite na terra da Guiana, espero.
Se sair do rio e entrar no mar, sera a liberdade, na certa. O unico perigo e o naufragio, porque desde a guerra nao devolvem mais os foragidos de nenhum pais. Quanto a isso, pelo menos, a guerra serve para alguma coisa, tem uma vantagem para a gente. Se nos apanham, somos condenados a morte, e verdade, mas vao precisar primeiro nos prender. Penso em Sylvain: estaria aqui comigo, perto de mim, se nao tivesse cometido aquela imprudencia. Adormeco redigindo um telegrama: “Senhor promotor Pradel – Enfim, definitivamente, venci o caminho da podridao onde o senhor me jogou. Foram necessarios nove anos”‘.
O sol esta bastante alto quando Cuic-Cuic me acorda. Cha e bolachas. Esta tudo cheio de caixas. Vejo duas gaiolas de vime.
– O que e que vai fazer com essas gaiolas?
– Vou por as galinhas para a gente comer na viagem.
– Voce e doido, Cuic-Cuic! Nao vamos levar as galinhas.
– Eu quero levar.
– Esta doente? Se por causa da vazante saimos pela manha e as galinhas e os galos resolvem gritar e cantar no rio, voce nao percebe o perigo?
– Mas nao vou jogar fora as galinhas.
– Asse-as e coloque-as na gordura e no oleo. Ficarao conservadas e nos tres primeiros dias a gente papa elas.
Finalmente convencido, Cuic-Cuic parte em busca das galinhas, mas os gritos das primeiras quatro que ele conseguiu apanhar devem ter feito sentir o cheiro da fumaca as outras, porque o chines nao conseguiu agarrar mais nenhuma, foram todas se esconder na floresta. Misterio: os animais pressentiram, nao sei como, o perigo.
Carregados como burros, atravessamos a lama atras do porco. Ele me suplicou para levar o porco com a gente.
– Voce garante que ele nao vai gritar?
– Juro que nao. Ele fica quieto quando eu mando. Mesmo quando um tigre duas ou tres vezes perseguiu a gente, e ficava dando voltas para nos pegar, ele nao gritou. E, no entanto, estava com todos os pelos do corpo em pe.
Convencido da boa fe de Cuic-Cuic, concordo em levar seu porco querido. Quando chegamos ao esconderijo, ja e noite. Chocolat esta la com o maneta. Duas lampadas eletricas me permitem verificar tudo. Nao falta nada: as argolas da vela passadas no mastro, o Cutelo arrumado no seu lugar, pronto para ser icado. Cuic- Cuic faz duas ou tres vezes a manobra que eu indico. Rapidamente, ele fica sabendo o que eu espero dele. Pago o negro, que foi tao correto. Ele e tao simples, que trouxe fita colante e as metades das notas. Pede para eu colar para ele. Nem por um instante pensou que eu poderia tirar o dinheiro dele. As pessoas que nao tem maus pensamentos em relacao as outras sao boas e direitas. Chocolat era um homem bom e honesto. Depois que viu como tratam os forcados, nao teve nenhum remorso em ajudar tres deles a fugir desse inferno.
– Adeus, Chocolat. Boa sorte para voce e sua familia.
– Muito obrigado.
11 O ADEUS A PRISAO
Embarco por ultimo e, empurrado por Chocolat, o barco avanca para o rio. Nada de vela, mas dois bons remos, um manejado por Cuic, na frente, o outro por mim. Em menos de duas horas entramos no rio.
Chove ha mais de uma hora. Um saco de farinha tingido me serve de chapeu; Cuic igualmente tem um e o maneta tambem. O rio e rapido e sua agua cheia de turbilhoes. Apesar da forca da corrente, em menos de uma hora estamos no meio do curso de agua. Ajudados pela vazante, tres horas depois passamos entre dois farois. Sei que o mar esta proximo, pois os farois ficam bem no ponto da embocadura. Vela e cutelo no ar, saimos do Kourou sem nenhum aborrecimento. O vento nos pega de lado com uma tal forca, que sou obrigado a faze-lo deslizar sobre a vela. Entramos no mar duramente e, como uma flecha, passamos o canal, afastando-nos rapidamente da costa. Diante de nos, a 40 quilometros, o farol de Royale nos indica a rota.
Ha treze dias eu estava por tras daquele farol, na Ilha do Diabo. Esta saida de noite no mar, esse rapido afastamento da Terra Grande, nao e saudado por uma explosao de alegria por meus amigos chineses. Esses filhos do ceu nao tem a mesma maneira de exteriorizar seus sentimentos que temos nos. Uma vez no mar, Cuic-Cuic diz apenas, em voz normal:
– Saimos muito bem.
O maneta acrescenta:
– Sim, entramos no mar sem nenhuma dificuldade.
– Estou com sede, Cuic-Cuic. Passe-me um pouco o cantil. Depois de me ter servido, eles tambem tomam um bom gole de rum.
Parti sem bussola, mas em minha primeira fuga eu havia aprendido a
Durante seis dias, tivemos um tempo agitado, mas sem chuva e sem tempestade. O vento muito forte nos empurrou depressa para o oeste. Cuic-Cuic e Hue sao admiraveis companheiros. Nunca se queixam, nem do mau tempo, nem do sol, nem do frio da noite. So tem um problema: nenhum deles quer pegar o leme e dirigir o barco durante algumas horas, para que eu possa dormir. Tres a quatro vezes por dia, fazem comida. Todos os frangos e galos ja foram comidos. Ontem, brincando, eu disse a Cuic:
– Quando vamos comer o porco?
Ele ficou na maior infelicidade.
– Esse animal e meu amigo e, antes de alguem mata-lo para comer, vai ter que me matar primeiro.
Meus camaradas cuidam bem de mim. Nao fumam para que eu possa fumar o quanto quiser. Constantemente ha cha quente. Fazem tudo, sem que seja preciso eu lhes dizer nada.
Ha sete dias que partimos. Nao posso mais. O sol bate com tal ardor, que ate mesmo os chineses estao cozidos como camaroes. Vou dormir. Amarro o leme e deixo so um pedacinho de vela. O barco vai como o vento sopra. Durmo como uma pedra por mais de quatro horas.
Sou despertado, em sobressalto, por uma sacudidela muito forte. Quando passo agua no rosto, fico agradavelmente surpreendido ao constatar que Cuic me barbeou enquanto eu dormia e nao senti nada. Meu rosto esta tambem untado de oleo, pelo cuidado dele.
Desde ontem a tarde eu faco oeste-quarto-sul, pois acho que subi muito para o norte. Esse barco pesado tem a vantagem, alem de se manter bem no mar, de nao derivar facilmente. Acho que e por isso que subi demais, contei com a deriva e quase nao houve. Olhe, um balao dirigivel! E a primeira vez em minha vida que vejo um. Nao parece estar vindo na nossa direcao e esta longe demais para que se perceba seu tamanho.
O sol que se reflete em seu metal de aluminio da-lhe reflexos prateados e tao brilhantes, que nao se pode fixar o olhar. Mudou de rota, dir-se-ia que se dirige para nos. De fato, ele cresce rapidamente e em menos de vinte minutos esta sobre nos. Cuic e o maneta estao surpreendidos por ver tal engenho e nao param de papaguear em chines.
– Falem frances, em nome de Deus, para que eu os entenda!
– Salsicha inglesa – diz Cuic.
– Nao, isso nao e uma salsicha. E um dirigivel.
O aparelho e enorme, pode-se ve-lo bem, agora que esta baixo e gira ao nosso redor, em circulos estreitos. Aparecem bandeiras e fazem sinais. Como nao compreendemos nada, nao podemos responder. O dirigivel insiste, passando ainda mais perto de nos, ao ponto de podermos distinguir as pessoas na carlinga. Depois vao direto para a terra. Menos de uma hora depois, chega um aviao que passa varias vezes em cima de nos.
O mar engrossa e de repente o vento se torna mais forte. O horizonte esta claro de todos os lados, nao ha perigo de chuva.
– Olhe – diz o maneta.
– Onde?
– La embaixo, naquele ponto, na direcao do lugar onde deve estar a terra. Aquele ponto preto e um navio.
– Como e que voce sabe?
– Acho que e. E digo mais: e um cacador rapido.
– Por que?
– Porque nao solta fumaca.
De fato, boa hora depois, distinguimos nitidamente um navio de guerra cinzento, que esta com todo jeito de se dirigir diretamente para nos. Ele cresce – portanto deve avancar com uma velocidade prodigiosa -, com a proa voltada para nos, a tal ponto que eu comeco a ter medo de ele chegar perto demais. Seria perigoso, pois o mar esta forte e sua esteira contraria as ondas poderia fazer a gente virar.
E um torpedeiro de bolso, o
–
– Desca as velas, Cuic!
Em menos de dois minutos, vela e cutelo sao arriados. Sem vela, ficamos quase parados, so as ondas nos empurram. Nao posso ficar muito tempo assim, sem