pe.” Mas nao tive coragem e perguntei-lhe, por minha vez:

— Amas-me?

— E um interrogatorio? — respondeu-me.

— Vais amar-me sempre? — repeti. com os olhos cheios de lagrimas.

— Sempre.

— E vamos casar-nos depressa?

Ele mostrou-se contrariado com a minha insistencia.

— Palavra de honra! — protestou. — Tu acabaras por me convencer de que nao tens confianca em mim! Nao decidimos casar na Pascoa?

— Sim, e verdade!

— Nao te dei dinheiro para comecarmos a montar casa?

— Deste.

— Entao? Sou ou nao homem de palavra? Quando digo que faco alguma coisa, faco mesmo. Esta a parecer-me que e a tua mae que te excita contra mim.

— Nao, nao. A minha mae nada tem a ver com isto — respondi, alarmada. — Diz-me… Entao viveremos juntos?

— Bem entendido!

— E seremos felizes?

— Isso dependera de nos.

— Viveremos juntos? — perguntei pela segunda vez, incapaz de sair do circulo da minha ansiedade.

— Uf! Ja me perguntaste e eu ja te respondi.

— Desculpa — disse-lhe —, mas as vezes isso parece-me impossivel. — E, nao podendo conter-me por mais tempo, desatei a chorar.

Nessa mesma tarde, depois de o deixar, entrei numa igreja para me confessar. Havia quase um ano que nao o fazia; durante todo esse tempo pensava que podia faze-lo e isso bastava-me.

Deixara de me confessar logo que dei o primeiro beijo a Gino.

Dei-me conta de que as minhas relacoes com Gino eram um pecado segundo a religiao, mas, como eu sabia que nos casariamos, nao sentia remorsos e contava ser absolvida de tudo. antes do casamento.

Entrei numa pequena igreja do centro cuja porta fica entre a entrada de um cinema e a montra de uma loja de meias. Estava quase mergulhada na escuridao, a parte o altar-mor e uma capela lateral consagrada a Virgem. Era uma igreja muito suja e muito velha: as cadeiras de palha, todas desarrumadas, tinham ficado na mesma confusao em que os fieis as tinham deixado ao sair. Fazia lembrar que tivessem abandonado com alivio, bem mais do que uma missa, uma macadora reuniao.

Uma fraca luz bruxuleante que tombava da lanterna da cupula revelava a poeira das pedras e as esfoladelas brancas do reboco amarelo das colunas a fingir de marmore. Numerosas promessas de prata em forma de coracao chamejavam suspensas nas paredes umas contra as outras, provocando uma impressao melancolica. No entanto, o ar estava impregnado de um velho cheiro a incenso que me encorajou. Rapariguinha, tinha a sorvido muitas vezes este cheiro, e as recordacoes que ele me suscitava eram agradaveis e inocentes. Tive, por isso, a impressao de me encontrar num sitio familiar, e, se bem que entrasse pela primeira vez naquela igreja, pareceu-me que sempre a frequentara.

Mas antes de me confessar quis ir a capelinha lateral onde tinha entrevisto uma imagem da Virgem. Eu tinha sido desde o meu nascimento votada a Virgem Santa; minha mae dizia que eu era parecida com Ela, com os meus olhos negros e doces. Sempre amei a Nossa Senhora porque Ela tinha o Seu filho nos bracos e porque este filho feito homem Ih'O tinham morto; e Ela, que O pos no mundo e O amou como se ama um filho, muito deve ter sofrido vendo pregarem-lh'O na cruz. Muitas vezes pensava que a Virgem, que tinha sofrido tanto, era a unica capaz de compreender os meus pesares; e, quando era pequena, so a Ela queria rezar, porque so Ela estava a altura de me ouvir.

Depois, a Virgem agradava-me porque me parecia extremamente diferente de minha mae, serena, tranquila como era, ricamente vestida, com olhos que se fixavam em mim afectuosamente.

Parecia-me que era Ela a minha verdadeira mae, e nao a minha, sempre rispida e mal vestida.

Ajoelhei-me, pois, tomei a cara entre as maos, e de cabeca baixa fiz uma longa oracao a Virgem, pessoalmente para lhe pedir perdao pelo que tinha feito e para invocar a sua proteccao para mim, para minha mae e para Gino. Em seguida lembrei-me de que a ninguem devia guardar rancor e pedi a Sua proteccao tambem para Gisela, que me traira, para Ricardo, que por estupidez tinha ajudado Gisela, e mesmo ate para Astarito.

Rezei por Astarito mais tempo que pelos outros, porque experimentava um ressentimento a sua recordacao e queria anular esse mau sentimento, gostando dele como gostava dos outros, perdoando-lhe e esquecendo todo o mal que me havia feito. Acabei por me sentir tao comovida que as lagrimas me vieram aos olhos. Levantei os olhos para a imagem da Virgem sobre o altar; as lagrimas faziam como um pequeno veu e a imagem parecia-me vacilante e bruxuleante como se a visse debaixo de agua; os cirios que brilhavam a sua volta faziam uma poeira dourada, doce a vista mas amarga tambem, como por vezes as estrelas que se deseja tocar e se sabe que estao muito longe. Fiquei muito tempo olhando a Virgem quase sem A ver; em seguida, as lagrimas rolaram pela minha cara com um formigueiro amarbo; entao vi a Virgem com o Seu Menino nos bracos, que me olhava, o rosto iluminado pela chamazinha dos cirios. Tive a impressao de que era com simpatia e compaixao que Ela me olhava; agradeci-Lhe com todo o meu coracao, e depois. levantando-me e ja serena, fui-me confessar.

O confessionario estava vazio; mas enquanto tomava alento procurando com os olhos um padre, vi alguem sair por uma pequena porta a esquerda do altar-mor, passar em frente do altar fazendo uma genuflexao e, persignando-se, dirigir-se para o outro lado. Era um frade, nao percebi bem de que ordem. Enchi-me de coragem e chamei-o em voz baixa. Ele voltou-se e veio logo ao meu encontro. Quando se aproximou vi que era um homem ainda novo, alto e forte, com um rosto fresco, rosado e viril, enquadrado por uma ligeira barba loura, olhos azuis e uma testa alta e branca. Pensei quase involuntariamente que era um homem magnifico, como e raro encontrar-se, nao so numa igreja mas ate ca fora, e senti-me feliz por me ir confessar a ele. Disse-lhe o que desejava em voz baixa; ele, com um ligeiro sinal de assentimento, acompanhou-me ate ao confessionario.

Entrou e eu ajoelhei-me em frente da grade. Uma placazinha pregada sobre o confessionario indicava o nome do padre: Elie; este nome ainda me inspirou mais confianca; entrou, ajoelhou-se, fez uma breve oracao e perguntou:

— Ha muito tempo que nao se confessa?

— Ha quase um ano — respondi.

— E muito tempo… muito tempo… Porque?

Notei que falava mal o italiano, carregando muito os erres como fazem os franceses. Dois ou tres erros que cometeu pronunciando a italiana palavras estrangeiras fizeram-me compreender que era efectivamente frances. O facto de ser estrangeiro agradou-me tambem, sem eu saber verdadeiramente porque. Talvez porque quando se faz qualquer coisa a que se da importancia tudo o que nos parece insolito apresenta-se-nos como um bom agoiro.

Disse-lhe que a longa historia que lhe iria contar lhe explicaria o motivo das interrupcoes das minhas confissoes.

Apos um curto silencio, perguntou-me o que tinha para lhe dizer. Entao, com muito entusiasmo e confianca, contei-lhe as minhas relacoes com Gino, a minha amizade com Gisela, o passeio a Viterbo e a chantagem de Astarito. Enquanto falava nao me podia impedir de pensar no efeito que lhe fariam as minhas confidencias. Este nao era um padre como os outros; o seu aspecto altivo, com ar de homem do mundo, levava- me a perguntar quais as razoes que o teriam levado a tornar-se frade. Pode parecer estranho que depois da extraordinaria emocao que a minha prece a Virgem me provocara, eu me pudesse distrair ao ponto de me interessar pelo meu confessor; mas nao vejo contradicao entre esta curiosidade e esta emocao. Elas vinham do fundo da minha alma, onde a devocao e a coquetterie, a aflicao e a sensualidade, faziam uma indissoluvel mistura.

Embora pensasse nele como acabo de dizer, experimentava uma doce consolacao e uma avidez reconfortante por contar tudo. Tinha a impressao de me afastar cada vez mais da pesada angustia que me tomara, como uma flor ressequida que recebe enfim as primeiras gotas de chuva. Comecei por me exprimir penosamente, com hesitacoes, depois falei correntemente, e por fim a minha sinceridade era veemente e cheia

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