de esperanca.

Nada omiti, nem mesmo o dinheiro que recebera de Astarito, os sentimentos que essa oferta me tinham inspirado e o uso que tencionava fazer ele. Ouviu-me sem fazer nenhum comentario. Quando acabei declarou :

— Para evitar uma coisa que lhe parecia um prejuizo, quer dizer, o rompimento do seu noivado, acedeu a praticar uma accao mil vezes mais grave para si propria…

— E verdade — disse-lhe, palpitante e contente por os seus dedos delicados me abrirem a alma.

— Na realidade — continuou ele, como se falasse consigo proprio —, o vosso noivado nada tem a ver com isto… Entregando-se a esse homem cedeu apenas a um impulso de avidez.

— E verdade! E verdade!

— Pois bem! Era preferivel que o vosso noivado se desmanchasse a ter feito o que fez.

— Tambem eu penso assim!

— Nao basta pensa-lo. Agora vai casar, e verdade, mas por que preco? Nunca podera ser uma esposa honesta.

Estas palavras duras e inflexiveis atingiram-me. Explodi num grito de angustia:

— Ah! Por isto nao! — disse-lhe. — Para mim e como se absolutamente nada se tivesse passado. Estou certa de que serei uma esposa honesta!

A sinceridade da minha resposta deve ter-lhe agradado. Fez uma grande pausa e depois repetiu com uma voz mais doce:

— Sente um arrependimento sincero?

— Ah! Sim! — respondi impetuosamente.

De repente, tive a ideia de que ele me iria impor a devolucao do dinheiro a Astarito. Se bem que ja sentisse a pena que me fazia devolver-lho, nem sequer me passou pela cabeca desobedecer-lhe, sobretudo porque a ideia viria dele, o que me agradava e me subjugava de uma maneira singular. Mas, sem fazer a menor alusao ao dinheiro, ele continuou, na sua voz fria e distante, a qual a sua pronuncia estrangeira dava apesar de tudo um acento afectuoso:

— Agora vai casar o mais depressa possivel… Regularizar a sua situacao. Deve dizer ao seu noivo que nao podem continuar a encontrar-se assim.

— Ja lhe disse.

— E que respondeu ele?

Nao pude deixar de sorrir ao pensar no belo rapaz louro que me fazia esta pergunta do fundo do confessionario escuro.

Respondi, nao sem esforco:

— Disse-me que nos casariamos na Pascoa.

— Era melhor que casassem ja… — disse-me, depois de um momento de reflexao.

E desta vez tive verdadeiramente a impressao de que nao era um padre quem me falava, mas um homem do mundo, cortes, um pouco aborrecido por ter de se ocupar dos meus assuntos.

— Vem longe a Pascoa !

— Nao podemos antes… Tenho de fazer o enxoval e ele tem de ir a terra para falar aos pais.

— Seja como for — continuou ele —, tem de casar o mais depressa possivel, e ate ao dia do casamento deve interromper completamente todas as relacoes carnais com o seu noivo… E um grande pecado! Percebeu?

— Esta bem — prometi.

— Promete? — perguntou como se duvidasse. — De qualquer maneira, fortifique-se contra as tentacoes pela oracao. Procure rezar.

— Sim… Rezarei.

— Quanto a esse outro homem — prosseguiu —, nunca mais o deve tornar a ver, seja a que pretexto for… Isso nao lhe deve ser dificil, visto nao gostar dele… Se ele insistir e se a procurar, nao o receba.

Respondi-lhe que o faria. Entao, depois de algumas recomendacoes pronunciadas com voz fria e reticente e ao mesmo tempo tao agradavel de escutar devido ao seu acento estrangeiro e a cortesia que dele emanava, ordenou-me como penitencia que recitasse todos os dias um certo numero de oracoes e deu-me a absolvicao. Mas antes de ma conceder quis que eu rezasse um padre-nosso com ele. Aceitei com alegria porque era de ma vontade que me ia embora e porque ainda nao me tinha saciado da sua voz.

— Pai Nosso que estais nos Ceus — disse ele.

E eu repeti.

— Pai Nosso que estais nos Ceus…

— Venha a nos o Vosso Reino…

— Venha a nos o Vosso Reino…

— Seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Ceu…

— Seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Ceu…

— O pao nosso de cada dia nos dai hoje…

— O pao nosso de cada dia nos dai hoje…

— Perdoai-nos as nossas dividas, assim como nos perdoamos aos nossos devedores…

— Perdoai-nos as nossas dividas, assim como nos perdoamos aos nossos devedores…

— Nao nos deixeis cair em tentacao e livrai-nos de todo o mal…

— Nao nos deixeis cair em tentacao e livrai-nos de todo o mal…

— Amen.

— Amen.

Transcrevo inteiramente oracao para reviver o sentimento que experimentei ao recita-la com ele: a impressao de ser muito pequenina e de que ele me conduzia pela mao de uma frase a outra. Mas, entretanto, eu pensava no dinheiro que me tinha dado Astarito e sentia-me quase decepcionada porque ele nao me tinha imposto que o devolvesse. Com efeito, eu teria desejado que ele mo tivesse ordenado para lhe dar uma prova concreta da minha boa vontade, da minha obediencia e do meu arrependimento, e poder fazer por ele uma coisa que era para mim um real sacrificio. Acabada a oracao, levantei-me. Ele tambem saiu do confessionario e fez mencao de se ir embora sem me olhar. Era justo, visto que me tinha feito um ligeiro cumprimento com a cabeca. Entao, quase sem querer e sem reflectir, puxei-lhe a manga do habito. Parou e fixou-me com os seus olhos azuis-claros, frios e serenos. Pareceu-me ainda mais belo, mil ideias loucas me atravessaram o espirito.

Sonhei que poderia ama-lo; pensei na maneira de lhe mostrar que ele me agradava. Mas ao mesmo tempo a voz da minha consciencia advertiu-me de que estava na igreja, que este homem era um padre e o meu confessor. Todas estas ideias e estas lutas me atacaram ao mesmo tempo, produzindo no meu espirito uma grande confusao: senti-me por momentos incapaz de falar. Entao, depois de uma espera razoavel, ele perguntou-me:

— Queria dizer-me mais alguma coisa?

— Queria saber — disse eu — se devo restituir o dinheiro aquele homem.

Lancou-me um rapido olhar, mas directo e que me atingiu ate ao fundo da alma; depois, disse com brevidade:

— Faz-lhe muita falta?

— Faz, sim.

— Entao pode guarda-lo. Mas proceda segundo a sua consciencia.

Disse estas palavras num tom seco, como para me indicar que nada mais havia a dizer, e eu balbuciei um “obrigada” sem sorrir, olhando-o fixamente nos olhos. Realmente, naquele momento tinha perdido a cabeca; esperava talvez que, de uma maneira ou de outra, por um sinal ou por ama palavra, ele me fizesse compreender que eu nao lhe era indiferente. Ele sentiu com certeza a intencao do meu olhar: ligeiro clarao de espanto passou no seu rosto. Esbocou um cumprimento, voltou-me as costas e partiu, deixando-me junto do confessionario confusa e cheia de perturbacao.

Nada disse a minha mae da minha confissao, como nada lhe tinha dito sobre o passeio a Viterbo. Eu sabia que ela tinha a respeito dos padres e da religiao ideias bem determinadas.

“Eram — dizia ela — coisas muito belas; mas, entretanto, os ricos continuavam ricos e os pobres pobres ficavam.” — “Por ai se ve — concluia — que os ricos sabem rezar melhor do que nos”.

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