mulheres!

— Falei por falar — desculpou-se Gino, que parecia perder toda a seguranca. — Pelo que me diz respeito, e certo que nunca te vi com ninguem.

— Tu nada sabes da minha vida.

— Ora! Eu que te via todos os dias de manha a noite!

— Vias-me todos os dias, e entao?

— Bem! — insistiu Gino desconcertado. — Como te via sempre sozinho, pensei que nao te desses com ninguem. Quando um homem tem uma mulher ou um amigo, acaba sempre por se saber!

O outro disse-lhe brutalmente:

— Nao te facas cretino!

— Agora chamas-me cretino! — disse Gino corado, afectando julgar a frase de humor inofensivo.

Mas sentia-se que tinha medo. Sonzogne repetiu:

— Nao te facas cretino, senao parto-te a cara!

Bruscamente, compreendi que nao so ele era capaz de o fazer, mas que era mesmo essa a sua intencao. Pousei-lhe a mao no braco e disse-lhe:

— Se voces se querem bater, facam-no quando eu nao estiver presente… detesto violencias.

— Apresento-te uma rapariga minha amiga — disse Gino, penalizado — e tu assusta-la desta maneira… Ela vai pensar que somos dois inimigos.

Sonzogne voltou-se para mim e pela primeira vez sorriu. Quando sorria, piscava os olhos, franzia a testa de uma maneira irregular e mostrava nao so os dentes, que eram pequenos e frios, mas tambem as gengivas.

— A menina nao esta assustada, pois nao?

Respondi-lhe secamente :

— Nao estou nada assustada, mas, como acabei de dizer, nao gosto de violencias.

Houve um longo silencio. Sonzogne ficou imovel com as maos nos bolsos do impermeavel; fazia tremer os nervos dos maxilares e olhava para o vago. Gino fumava, com a cabeca baixa, e o fumo que saia da sua boca subia-lhe ao longo da cara e das orelhas, ainda escarlates. Por fim, Sonzogne disse:

— Vou-me embora.

Gino quase deu um pulo e estendeu-lhe a mao com ar atencioso, dizendo :

— Entao, amigos como dantes, hem, primo?

— Amigos como dantes! — respondeu o outro com os dentes cerrados.

Apertou-me a mao, desta vez sem me magoar, e foi-se embora. Era magro e baixo: nao se compreendia donde vinha a sua forca.

Logo que saiu, disse, divertida, a Gino:

— Voces podem ser amigos e ate mesmo irmaos… mas ele disse-te cada coisa!

Gino retomara a sua seguranca. Abanou a cabeca e explicou-me:

— E feito assim… mas nao e mau… E depois, a mim interessa-me estar de boas relacoes com ele… ja me foi util.

— De que maneira?

Apercebi-me de que Gino estava excitado e ardia de desejo por me revelar nao sei o que. Assumiu de repente um aspecto risonho, a cara como que inchada de impaciencia :

— Lembras-te — perguntou-me — da caixa da minha patroa?

— Lembro… e entao?

Os olhos de Gino brilhavam de alegria. Baixou a voz e disse-me:

— Pois bem! Depois pensei melhor e nao a devolvi.

— Nao a devolveste?

— Nao. Reflecti que para a minha patroa, que era rica, uma caixa a mais ou a menos nao tinha importancia. Ja agora o golpe estava dado — acrescentou com uma reserva caracteristica — e no fundo nao tinha sido eu o gatuno.

— Era eu a ladra — disse-lhe tranquilamente.

Fingiu nao ouvir e continuou:

— Mas para a vender, era um problema… Era um objecto de facil reconhecimento… Nao tinha confianca… Guardei-a, pois, durante muito tempo no bolso… depois encontrei Sonzogne e contei-lhe a historia.

— Falaste-lhe de mim? — perguntei.

— Nao… de ti nao… disse que tinha sido uma amiga que ma tinha dado, sem citar ninguem. E ele… imagina que em tres dias, nao sei como, vendeu-a e trouxe-me o dinheiro, ficando com a parte dele, como se tinha combinado, bem entendido.

Tremia de alegria. Olhou um momento a sua volta, depois tirou do bolso um rolo de notas.

Nao sei porque, naquele momento senti por ele uma violenta antipatia. Nao julgo que o desaprovasse; nao tinha sequer esse direito. Mas o seu tom exultante aborrecia-me. Alem disso tinha a impressao de que ele nao me tinha dito tudo; e o que escondera era decerto o pior. Disse-lhe secamente :

— Fizeste bem!

— Toma! — continuou desenrolando as notas. — Isto e para ti. Contei contigo.

— Nao, nao! — disse-lhe. — Nada quero, absolutamente nada.

— Mas porque?

— Nada quero.

— Queres por forca vexar-me! — disse-me.

Uma sombra de tristeza e de desconfianca passou na sua cara e julguei te-lo verdadeiramente magoado. Fiz um esforco e disse pousando-lhe a mao sobre a sua:

— Se nao mo tivesses oferecido, eu teria ficado, nao digo ofendida, mas admirada. Agora assim esta bem. Nao quero esse dinheiro, porque para mim e um caso arrumado. E so isso… mas estou contente porque tu o tenhas.

Olhava-me sem compreender, com uma expressao desconfiada, como se quisesse descobrir o motivo secreto que se escondia nas minhas palavras. Frequentemente, depois, pensando no caso, percebi que ele nao me podia ter compreendido, porque vivia num mundo diferente formado por ideias e por sentimentos diferentes dos meus.

Nao sei se este mundo era pior ou melhor do que o meu; so sei que certas palavras nao tinham para ele o sentido que eu lhes ligava e que uma grande parte das suas accoes, que me pareciam repreensiveis, ele as considerava como licitas e mesmo legais. Parecia, em particular, ligar a maior importancia a inteligencia, que para ele se reduzia a astucia. Dividia os homens em astuciosos e parvos, esforcando-se sempre, e a todo o preco, por pertencer a primeira categoria. Ora, eu nao sou astuciosa, talvez mesmo nao seja inteligente, e nunca compreendi como um acto indigno, so pelo facto de ser praticado com esperteza, pode chegar a ser, ja nao digo admissivel, mas simplesmente desculpavel.

Bruscamente a sua desconfianca pareceu dissipar-se e gritou:

— Compreendo! Nao queres o dinheiro porque tens medo… tens medo que descubram o roubo… A esse respeito nada ha a recear… Esta tudo em ordem!

Nao tinha medo, mas nao me importei que ele o pensasse, porque a segunda parte da frase pareceu-me obscura.

— Esta tudo em ordem? — perguntei-lhe. — Que queres dizer?

— Sim, esta tudo em ordem — respondeu-me. — Lembras-te de eu te ter dito que la em casa desconfiavam de uma criada de quarto?

— Sim.

— Bem! Nao gostava dessa criada de quarto porque ela dizia mal de mim nas minhas costas… Alguns dias depois do roubo percebi que as coisas tomavam um mau rumo para mim. O comissario ja tinha ido la a casa duas vezes e eu senti que desconfiavam de mim. Nota bem que ainda nao tinham comecado as indagacoes. Entao tive uma ideia: desviar as suspeitas para outro roubo e fazer com que as culpas caissem sobre a criada.

Eu nao dizia palavra. Olhou-me um momento com os olhos brilhantes e dilatados para ver se eu admirava a sua astucia e continuou:

— A minha patroa tinha alguns dolares numa caixinha; tirei os dolares e fui po-los no quarto da criada,

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