examinou-me e disse alegremente:

— Desta vez e certo!

Senti-me feliz por ver as minhas suspeitas confirmadas. Disse-lhe com o espirito tranquilo e sem sombra de desapontamento:

— Ja o sabia; vim so para ter a certeza.

— Agora podes estar certa.

Esfregava as maos alegremente como se fosse ele o pai da crianca, alegre, cheio de simpatia por mim. Mas uma duvida atravessou-me o espirito:

— Ha quanto tempo? — perguntei.

— Bom! Talvez dois meses… um pouco mais, um pouco menos… Porque, queres saber de quem e?

— Ja sei.

Dirigi-me para a porta.

— Se precisares seja do que for, podes procurar-me — disse, abrindo-me a porta. — Quando chegar a altura, procuraremos fazer com que nasca nas melhores condicoes possiveis.

Tinha por mim, como o comissario, uma inclinacao muito acentuada. Mas a diferenca e que este agradava-me.

Vinha frequentemente consulta-lo. Pelo menos uma vez de quinze em quinze dias. E duas ou tres vezes, por gratidao, tinha consentido que ele me amasse, ali mesmo sobre a marquesa coberta de oleado onde acabara de me examinar. Mas ele era discreto e contentava-se com pequeninos gracejos afectuosos, sem nunca me impor os seus desejos. Dava-me conselhos e imagino que, a sua maneira, estava tambem um pouco apaixonado por mim.

Tinha dito ao medico que conhecia o pai do meu filho. Na realidade no momento em que pronunciei estas palavras nao tinha mais do que uma suspeita e mais por instinto que por calculo. Mas caminhando, quando contei os dias e reavivei as minhas recordacoes, esta suspeita tornou-se certeza. Lembrei-me do desejo e do terror que me tinham arrancado, precisamente quase ha dois meses, um longo grito lamentoso de agonia e de prazer, e fiquei quase certa que o pai nao podia ser outro senao Sonzogne. Era horrivel pensar que iria ter um filho de um assassino insensivel e monstruoso como Sonzogne; podia recear que a crianca se parecesse com o pai e viesse marcada com o seu caracter. Por outro lado nao podia deixar de encontrar alguma justica nesta paternidade. Entre tantos homens que me tinham amado Sonzogne era o unico que realmente me possuira fora de qualquer sentimento amoroso, no fundo mais obscuro e mais secreto da minha carne. O facto de eu experimentar por ele apenas medo e horror e de me ter entregue contra vontade nao desmentia, antes confirmava, a profundidade desta posse. Nem Gino, nem Astarito, nem mesmo Jaime, por quem eu tinha uma paixao de um genero completamente diferente, tinham suscitado em mim o sentimento de uma posse tao legitima quao detestada. Tudo isto me parecia ao mesmo tempo estranho e assustador, mas era assim: os sentimentos sao a unica coisa que nao se pode recusar, nem desmentir, nem mesmo analisar, num certo sentido. Acabei por concluir que o amor exige uns certos homens e a procriacao outros, e que se era justo que eu tivesse um filho de Sonzogne nao era menos justo da minha parte detesta-lo, fugir-lhe e amar Jaime como o amava.

Subi lentamente a minha escada pensando no fardo vivo que de futuro traria no ventre. Quando entrei no vestibulo ouvi falar na sala grande. Espreitei e vi com surpresa Jaime, sentado a mesa, conversando calmamente com minha mae, sentada a coser ao pe dele. So o candeeiro central estava iluminado: um candeeiro de suspensao. Uma grande parte da sala estava as escuras.

— Boas-noites — disse, molemente, aproximando-me.

— Boas-noites, boas-noites — disse-me Jaime com voz hesitante e desagradavel.

Olhei-o de frente, vi-lhe os olhos brilhantes e tive a certeza de que estava embriagado. Num canto da mesa havia dois guardanapos e dois pratos. Como minha mae comia sempre na cozinha, percebi que o outro era para Jaime.

— Boas-noites — repetiu. — Trouxe as minhas malas. Estao no teu quarto. Ja conversei amigavelmente com tua mae… Nao e verdade, minha senhora, que nos entendemos as mil maravilhas?

Senti no coracao um enorme desalento ao ouvir esta voz sarcastica e lugubremente chocarreira. Cai sobre uma cadeira e fechei os olhos. Ouvi minha mae responder-lhe:

— Disse que nos entendiamos… se diz mal de Adriana nunca nos entenderemos.

— Mas que disse eu? — gritou Jaime, falsamente admirado. — Que Adriana e feita para a vida que leva. Que Adriana se sente bem nesta vida… Que mal ha nisso?

— Nao e verdade — retorquiu a minha mae. — Pelo contrario, a Adriana nao e feita para a vida que leva. Com a sua beleza ela merecia melhor, muito melhor. Nao sabe que a Adriana e uma das mais bonitas raparigas do bairro, para nao dizer de Roma? Vejo outras raparigas muito mais feias do que ela fazerem fortuna, enquanto a Adriana, que e bela como uma rainha, nada possui. Mas eu sei porque e.

— Porque e?

— Porque ela e boa de mais, ai esta! E tao bonita como boa. Se ela fosse bonita e ma, veria como as coisas seriam diferentes.

— Entao! Entao! — disse eu aborrecida com a discussao, e sobretudo com o tom de Jaime, que parecia trocar de minha mae. — Tenho uma destas fomes! O jantar ainda nao esta pronto?

— Esta quase pronto — disse minha mae pousando a costura sobre a mesa e saindo rapidamente.

Levantei-me e segui-a ate a cozinha.

— Entao isto agora e uma pensao? — resmungou ela quando me aproximei. — Veio armado em patrao… meteu as malas no teu quarto, deu-me dinheiro para as despesas…

— Entao nao estas contente?

— Preferia como dantes.

— Bem. Faz de conta que estamos noivos. E depois e provisorio; e uma questao de dias; ele nao vai ficar sempre aqui.

Disse-lhe outras coisas do mesmo genero para a apaziguar, beijei-a e voltei para a sala grande.

Recordarei por muito tempo este primeiro jantar com Jaime la em casa, comigo e com minha mae. Ele esteve sempre a brincar enquanto comia com apetite. Mas a mim as suas brincadeiras pareciam-me mais frias do que gelo e amargas como o fel. Via-se bem que nao tinha senao uma ideia, que esta ideia estava enterrada na consciencia como um espinho na carne e que estas brincadeiras nao faziam senao mergulhar mais profundamente este espinho e reavivar-lhe a dor. Era a ideia do que dissera a Astarito. Nunca na minha vida vi alguem arrepender-se tao sinceramente de uma falta cometida. Somente, ao contrario do que os padres me tinham ensinado quando eu era garota, que o arrependimento lava a falta — este arrependimento parecia nao ter fim, nem consequencia, nem o minimo resultado benefico. Compreendi que Jaime sofria horrivelmente e eu tanto como ele ou talvez ainda mais, porque nao sofria somente a sua dor, mas a minha impotencia para lha tirar, ou pelo menos aliviar.

Comemos em silencio o primeiro prato. Depois minha mae, de pe, disse nao sei o que sobre o preco da carne e entao Jaime levantou a cabeca e respondeu-lhe:

— Nao tenha medo, minha senhora. De ora em diante serei eu quem pensara em tudo; vou ter um bom emprego.

A esta noticia senti um pouco de esperanca.

— Que lugar? — perguntou a minha mae.

— Um lugar na policia — respondeu-lhe Jaime, com uma gravidade contrita —, foi um amigo da Adriana quem mo propos… o Sr. Astarito.

Pousei o garfo e a faca e olhei-o intensamente.

— Descobriu-se — continuou — que eu possuia excelentes qualidades para fazer parte da organizacao.

— E possivel — respondeu minha mae —, mas eu nunca gostei de policias… O filho da lavadeira que mora ca em cima tambem se fez policia. Sabe o que disseram os rapazes que trabalham no deposito de cimento, aqui ao lado? “Podes por-te ao largo porque ja nao te conhecemos!” Alem disso, eles ganham mal.

Fez uma careta, mudou-lhe o prato e apresentou-lhe a carne.

— Mas nao se trata disso — replicou Jaime servindo-se. — Trata-se de um lugar importante, delicado, secreto… Que diabo! Eu para alguma coisa andei a estudar! Estou quase doutorado, falo varias linguas. So os pobres-diabos se tornam agentes, nao pessoas como eu.

Вы читаете A Romana
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату