fara mais!

— Mas porque nao queres? — perguntou-me Jaime negligentemente.

— Porque e a ti a quem amo.

— E muito possivel — disse no mesmo tom indiferente que se tu nao quiseres aceder aos seus desejos ele se recuse a destruir o interrogatorio… E entao?

— Ha-de destrui-lo, nao tenhas receio.

— Mas se nao o fizer senao com essa condicao?

Estavamos ja na escada. Parei e declarei-lhe:

— Farei o que tu quiseres.

Segurou-me pela cintura e disse-me lentamente:

— Pois bem! Ouve o que quero. Que facas com que Astarito venho ca e que o leves para o teu quarto com o pretexto de ires para a cama com ele… Eu estarei a espreita atras da porta e quando ele entrar mata-lo-ei com um tiro de revolver. A seguir empurramo-lo para debaixo da cama e nos e que nos amaremos toda a noite!

Livres pela primeira vez da nevoa que os embaciara durante os dias antecedentes, os seus olhos brilhavam agora. Assustei-me, sobretudo porque sentia que havia uma logica nesta proposta e tambem porque daqui em diante so esperava desgracas cada vez maiores e definitivas e este crime tinha todo o ar de se poder executar.

— Tem pena de mim, Jaime! — gritei. — Nao digas isso nem a brincar!

— Nem a brincar! — repetiu. — Com efeito estava a brincar!

Eu admitia que talvez ate mesmo nao brincasse. Mas o que me tranquilizou um pouco era a ideia de que o revolver de que se serviria estava vazio, porque eu as escondidas lhe tirara as balas.

— Esta descansado — disse-lhe. — Astarito fara tudo o que eu quiser. Mas nao fales mais dessa maneira, que me assustas!

— Entao agora ja nao tenho o direito de brincar? — disse num tom ligeiro penetrando em casa.

Desde que chegamos a sala grande notei que fora tomado de uma brusca excitacao. Comecou a passear de um lado para o outro, com as maos nos bolsos, segundo o seu habito, mas com uma atitude diferente, mais energica, com uma expressao que parecia denotar uma profunda e lucida reflexao e nao a sua costumada apatia. Atribui esta mudanca ao alivio que sentia ao saber que esses documentos bem depressa seriam destruidos; mais uma vez abri o coracao a esperanca e disse-lhe:

— Veras que tudo se arranjara!

Olhou-me como se nao me conhecesse e repetiu num tom mecanico:

— Sim, com certeza… tudo se ha-de arranjar!

Tinha mandado minha mae fazer compras para o jantar. Tive de repente uma onda de optimismo. Pensava que de facto tudo se arranjaria talvez ate melhor do que se esperava. Astarito anuiria ao meu pedido, se nao o tinha feito ja; e em cada dia que passasse Jaime veria diminuir o seu remorso, retomaria o gosto pela vida, tornaria a olhar o futuro com confianca. Os homens tem este traco comum; na infelicidade contentam-se em sobreviver; mas logo que a sorte parece querer mudar, acalentam os planos mais vastos e mais ambiciosos. Dois dias antes sentia-me capaz de renunciar a Jaime se isso fosse necessario para que ele fosse feliz; agora, que confiava na possibilidade de lhe poder oferecer rapidamente esta felicidade, nao so ja nao pensava em deixa-lo, mas estudava ate a maneira de o prender. O que me levava a fazer estes planos nao eram calculos inteligentes, mas um impulso obscuro da minha alma, que espera sempre e nao suporta por muito tempo a mortificacao e a dor. Tive a impressao de que no ponto em que estavam as coisas nao havia para nos mais do que duas solucoes: ou nos separariamos ou nos uniamos para toda a vida. Como nao queria nem a sonhar a primeira solucao, perguntava a mim propria se nao haveria um meio de conseguir a segunda.

Nao gosto da mentira; posso contar no numero das minhas raras qualidades uma franqueza quase excessiva. Se naquele momento eu mentia a Jaime era porque nao tinha a impressao de mentir, mas de dizer a verdade. Uma verdade mais verdadeira do que a propria verdade; uma verdade segundo a alma e nao baseada em factos materiais. De resto em nada pensei; foi como que uma inspiracao.

Continuava a andar de um lado para o outro; estava sentada ao pe da mesa. Chamei-o subitamente!

— Ouve, para um momento… tenho uma coisa para te dizer.

— O que?

— Havia ja um tempo que nao me sentia bem; um destes dias fui ao medico… Estou gravida.

Parou, olhou-me e repetiu:

— Estas gravida?

— Estou. E tenho a certeza de que e de ti.

Ele era inteligente. Nao podia adivinhar que eu mentia, como compreendeu de repente e perfeitamente a verdadeira razao desta noticia. Pegou numa cadeira, sentou-se ao pe de mim, fez-me uma festa afectuosa na cara e disse-me:

— Suponho que esta devia ser mais uma razao… ou, melhor, a razao principal… para me fazer esquecer tudo o que se passou… nao e?

— Que queres dizer? — perguntei-lhe fingindo nao perceber.

— Vou tornar-me “pai de familia”. — continuou. — O que nao queria fazer por ti vou ter de o fazer por amor desse pequenino, como voces dizem, as mulheres.

— Faras o que quiseres — disse-lhe, encolhendo os ombros, fingindo indiferenca. — Digo-te isto porque e verdade, mais nada.

— Um filho — continuou no seu tom meditativo, como se pensasse em voz alta —, pode ser uma razao para viver… Um filho e um bom pretexto. Pode ate chegar-se a roubar e a matar pelo proprio filho!

— Mas quem te pede que roubes ou assassines? — interrompi, indignada. — Peco-te apenas que estejas contente… se nao podes, paciencia!

Olhou-me e acariciou-me de novo a face com afeicao:

— Se estas contente, eu tambem estou. Estas contente?

— Eu estou! — respondi com seguranca e orgulho. — Em primeiro lugar porque gosto muito de criancas e depois porque e teu.

Riu e disse-me:

— Que finoria me saiste!

— Porque finoria? Por estar gravida?

— Nao, mas tens de reconhecer que neste momento e nestas circunstancias foi um golpe de mestre! Estou gravida… por conseguinte…

— Por conseguinte?

— Por conseguinte e preciso que aceites o que fizeste! — gritou bruscamente muito alto, saltando e agitando os bracos. — Por conseguinte e preciso que vivas! Que vivas! Que vivas!

Nao saberei descrever o tom da sua voz. Senti um aperto no coracao e os olhos encheram-se-me de lagrimas.

— Faz o que quiseres! — balbuciei. — Se me queres deixar, deixa-me…

Pareceu arrepender-se do seu movimento, aproximou-se de mim e acariciou-me, dizendo:

— Desculpa… nao facas caso do que eu disse… pensa no teu filho e nao te preocupes comigo.

Segurei-lhe a mao e passei-a pela minha cara molhando-a com as minhas lagrimas e solucando:

— Oh! Jaime… como posso nao me preocupar contigo? Ficamos muito tempo assim em silencio: ele de pe, junto de mim, passando a mao pela minha cara, eu beijando-lha e chorando.

Depois ouvimos bater a porta.

Ele afastou-me de mim; tive a impressao de que empalideceu; mas de momento nao percebi porque e nao tive a ideia de lho perguntar. Levantei-me e disse-lhe:

— Foge! Deve ser o Astarito! Sai! Depressa!

Foi para a cozinha deixando a porta entreaberta. Limpei rapidamente os olhos, arrumei as cadeiras e passei para o vestibulo. Senti-me de novo tranquila e perfeitamente segura; enquanto caminhava as escuras no vestibulo, lembrei-me de que poderia dizer a Astarito que estava gravida; com isso ele deixar-me-ia sossegada, e se nao me quisesse fazer por amor o que lhe iria pedir, com certeza o faria por piedade.

Abri a porta e dei um passo atras: em vez de Astarito era Sonzogne que estava na soleira da porta. Tinha as maos nos bolsos como era seu habito; ao gesto maquinal que fiz de fechar a porta, ele, com uma leve pressao

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