dos seus ombros, abriu-ma inteiramente e entrou. Segui-o ate a sala grande. Foi por-se junto da mesa ao pe da janela. Nao trazia chapeu, e ainda nao tinha entrado ja eu sentia sobre mim os seus olhos fixos. Fechei a porta de comunicacao e perguntei-lhe afectando indiferenca:

— Porque vieste?

— Denunciaste-me, hem?

Encolhi os ombros e sentei-me na beira da mesa:

— Nao te denunciei.

— Deixaste-me, desceste a escada e foste chamar a policia.

Estava tranquila. Se sentia algum sentimento era mais colera que medo. Ja nao me inspirava qualquer receio, mas sentia-me possuida de um grande furor contra ele e contra todos os que como ele impedem os outros de serem felizes.

— Deixei-te — disse-lhe — e fui-me embora porque amo outro e nao quero ter mais relacoes contigo. Mas nao foi para chamar a policia. Eu nao sou delatora! Os policias vieram por sua conta. Procuravam outro.

Aproximou-se de mim, agarrou-me a cara entre dois dedos e apertou-ma com uma forca terrivel levantando-ma a altura da sua e forcando-me a descerrar os dentes.

— Agradece ao teu Deus o seres uma mulher! — disse-me. Continuava a apertar-me a cara, obrigando-me a fazer uma careta de dor que eu sentia que era feia e ridicula. Enfurecida, pus-me de pe, repeli-o e gritei:

— Vai-te embora, imbecil!

Ele tornou a meter as maos nos bolsos, aproximando-se ainda mais de mim e olhando-me, como sempre, fixamente nos olhos. Tornei a gritar:

— Nao passas de um imbecil… com os teus musculos… os teus terriveis olhinhos azuis… a tua cabecorra! Vai-te embora! Desaparece, cretino!

“E realmente um imbecil”, pensava eu quando vi que nada dizia, mas que, com um ligeiro sorriso nos seus labios finos e tortuosos, avancava para mim, olhando-me. Corri para o outro lado da mesa, empunhei um ferro de engomar — um ferro de alfaiate muito pesado — e gritei-lhe:

— Desaparece, cretino, ou atiro-te com isto ao focinho!

Hesitou um momento e parou. Nesse instante a porta da sala abriu-se atras de mim e Astarito apareceu. Evidentemente que encontrara a porta aberta e entrara. Voltei-me para ele e disse-lhe:

— Diz-lhe que se va embora… Nao sei o que me quer… Diz-lhe que se va embora!

Nao sei porque, mas senti um grande prazer ao notar a elegancia de Astarito. Vestia um sobretudo cinzento, que parecia novo, e uma camisa com riscas encarnadas sobre fundo branco que parecia de seda. Uma bonita gravata cinzento-prata e um fato azul. Olhou-me, enquanto eu brandia o ferro, fixou Sonzogne e disse com voz tranquila:

— Esta menina disse-te que te fosses embora… porque esperas?

— Esta menina e eu — respondeu Sonzogne, em voz baixa —, temos varias coisas a dizer e e melhor que o senhor desapareca.

Astarito, ao entrar, tirara o chapeu, um feltro preto debruado de seda. Sem pressa colocou-o sobre a mesa e avancou ate a frente de Sonzogne. A sua atitude deixava-me estupefacta. Um brilho combativo parecia cintilar nos seus olhos negros e melancolicos. A sua boca, que era grande, alargou-se ainda mais num sorriso de satisfacao e desafio. Mostrava os dentes. Disse martelando as silabas:

— Ah! Nao queres ir? Pois bem! Eu, pelo contrario, digo-te que vas, e o mais depressa possivel!

O outro abanou a cabeca em sinal negativo, mas, com grande admiracao minha, recuou. Astarito deu um passo em frente. Estavam agora um em frente do outro, os dois quase da mesma altura.

— Vamos la a saber! Quem es tu? — disse-lhe Astarito sempre com o mesmo ricto. — O teu nome! E depressa!

O outro nao respondeu.

— Nao queres dizer, hem? — insistiu Astarito num tom quase voluptuoso, como se o silencio de Sonzogne lhe desse prazer. — Nao queres dizer e nao te queres ir embora… E isto?

Esperou um momento, depois levantou a mao e esbofeteou Sonzogne, primeiro numa face, depois na outra. Eu mordi o pulso. “Sonzogne mata-o!”, pensava fechando os olhos. Mas ouvi a voz de Astarito, que dizia:

— E agora desaparece! Quanto mais depressa melhor!

Abri os olhos e vi Astarito empurrar Sonzogne para a porta, segurando-o pela gola. Sonzogne tinha ainda as faces encarnadas e inchadas, mas parecia nao resistir. Deixava-se levar como se pensasse noutra coisa. Astarito arrastou-o para a porta da sala, depois ouvi fechar a porta com violencia e Astarito reapareceu na sala.

— Mas quem e? — perguntou-me tirando maquinalmente um grao de poeira da banda do sobretudo e olhando-se como se receasse ter comprometido a sua elegancia pelo esforco violento que acabara de fazer.

— Nunca soube o seu nome todo. So sei que se chama Carlos.

— Carlos! — repetiu abanando a cabeca.

Depois aproximou-se de mim. Eu estava no vao da janela e olhava atraves dos vidros. Astarito passou-me o braco a volta da cintura e perguntou-me num tom de voz ja mudado — E tu como vais?

— Bem, obrigada — respondi sem o olhar.

Foi ele quem me olhou fixamente, depois apertou-me com forca contra ele, sem dizer nada. Repeli-o docemente e disse-lhe:

— Foste bem gentil comigo. Telefonei-te para te pedir outro favor.

— Diz.

Continuava a olhar-me e parecia nem sequer ouvir-me.

— Aquele rapaz que tu interrogaste… — comecei eu.

— Ah! Sim! — interrompeu fazendo uma careta. — Ainda esse! Nao se revelou um heroi.

Tive curiosidade de saber a verdade sobre o interrogatorio de Jaime.

— Porque? Ele teve medo?

Astarito abanou a cabeca.

— Nao sei se teve medo — respondeu-me —, o que e certo e que a primeira pergunta disse logo tudo. Se ele tivesse negado, eu nada teria podido fazer… Nenhuma prova havia.

“Entao”, pensava eu, “passou-se tudo como Jaime me contou. Uma especie de brusca ausencia, como se se tivesse afundado, sem razao, sem que o provocassem”.

— Bem! — continuei. — Suponho que escreveram aquilo que ele disse. Queria que tu fizesses desaparecer aquilo que ficou escrito.

— Foi ele quem te pediu, hem? — trocou.

— Nao, sou eu quem pede! — respondi.

E jurei-lho solenemente:

— Eu morra agora mesmo se nao e verdade!

— Todos querem ver os processos desaparecer — declarou ele. — Os arquivos da policia e o seu peso da consciencia. Desaparecido o processo, nao ha mais remorsos!

Lembrei-me de Jaime e respondi-lhe:

— Isso podera ser verdade! Mas desta vez receio bem que te enganes!

Puxou-me outra vez, apertando o meu ventre contra o seu; e perguntou-me, todo tremulo e balbuciante:

— E tu em troca que me das?

— Nada — respondi-lhe simplesmente. — Desta vez, absolutamente nada.

— E se eu recusasse?

— Davas-me um grande desgosto porque amo esse homem, e tudo o que lhe acontece e como se acontecesse a mim.

— Mas nao me tinhas dito que serias gentil comigo?

— Tinha… mas mudei de ideias.

— Porque?

— Porque sim.

Estreitou-me de novo, e falando-me ao ouvido e gaguejando, suplicou-me que cedesse ao seu desejo

Вы читаете A Romana
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату