se precipita em direcao ao mar. O saco nao voltou. As seis outras ondas nao tiveram forca suficiente para devolve-lo a costa e, quando a setima se forma, a cerca de 300 metros, o saco ja deve ter passado do ponto onde ela nasce, porque nao o vejo mais.

Cheio de alegria e de esperanca, volto para o presidio. Ai esta, descobri uma largada perfeita. Nada de aventuras nesse golpe. Vou fazer mesmo um ensaio mais serio, com os dados exatos: dois sacos de cocos bem amarrados um ao outro e, em cima, 70 quilos de peso, divididos entre duas ou tres pedras. Falo com Chang, o chines, meu camarada de Poulo Condor, que escuta minhas explicacoes com os ouvidos bem abertos.

– E bom, Papillon, Acho que voce descobriu. Eu ajudar voce no ensaio de verdade. Esperar mare alta de 8 metros. Logo equinocio.

Ajudado por Chang, aproveitando a mare do equinocio, de mais de 8 metros, jogamos na famigerada onda dois sacos de cocos carregados com tres pedras que devem ter uns 80 quilos.

– Como chamar a menina que voce quis salvar em Saint-Joseph?

– Lisette.

– Nos chamar a onda que um dia levar voce: Lisette. Certo?

– Certo.

Lisette chega com o estrondo de um trem entrando na estacao. Formou-se a mais de 250 metros e, aprumada como um penhasco, avanca crescendo a cada segundo. E realmente muito impressionante. Ela arrebenta com tanta forca, que Chang e eu somos varridos do rochedo e, sozinhos, os sacos cairam dentro do abismo. Percebendo imediatamente numa fracao de segundo que nao podiamos ficar em cima do rochedo, jogamo-nos para tras, nao escapamos do jato de agua, mas tambem nao caimos no abismo. Fazemos este ensaio as 10 da manha. Nao ha perigo, porque os tres guardas estao ocupados no outro lado da ilha com uma vistoria geral. O saco foi embora, distingue-se claramente, bem longe da costa. Sera que foi jogado mais longe do ponto onde nasce a onda? Nao temos indicacao para saber se foi mais longe ou mais perto. As seis ondas que vem depois de Lisette nao chegam a pega-lo no seu impulso. Outra vez, Lisette se forma e torna a vir. Nao traz mais os sacos consigo. Portanto, eles sairam de sua zona de influencia.

Subindo depressa no banco de Dreyfus para conseguir enxerga-los mais uma vez, temos a alegria de ve-los por quatro vezes; apareceu muito longe, na crista das ondas, nao na direcao da Ilha do Diabo, mas indo para o oeste. Indiscutivelmente, a experiencia e positiva. Partirei para a grande aventura no dorso de Lisette.

– La esta, olhe.

Uma, duas, tres, quatro, cinco, seis… e la vem Lisette.

O mar fica sempre agitado na ponta do banco de Dreyfus, mas hoje esta particularmente de mau humor. Lisette avanca com seu barulho caracteristico. Parece mais enorme ainda, deslocando, sobretudo na base, ainda mais agua do que habitualmente. Essa massa monstruosa vai atacar o rochedo mais rapidamente e mais aprumada do que nunca. E, quando rebenta e se precipita no espaco contra as enormes pedras, o golpe parece ainda mais ensurdecedor do que em todas as outras vezes.

– E la que voce diz que a gente vai se jogar? Bom, companheiro, voce escolheu o lugar a dedo. Eu nao vou. Quero sair daqui, e verdade, mas nao me suicidar.

Sylvain fica muito impressionado com a apresentacao de Lisette, que acabo de lhe fazer. Esta na Ilha do Diabo ha tres dias e, naturalmente, propus a ele partirmos juntos. Cada um numa jangada. Assim, se ele aceitar, terei um camarada para prosseguir a fuga no continente. No mato, sozinho, nao e nada divertido.

– Nao tenha medo antes do tempo. Reconheco que, a primeira vista, qualquer um da para tras. Mas e a unica onda capaz de levar a gente bastante longe, de maneira que as outras ondas que vem atras nao terao a forca de nos jogar de novo sobre os rochedos.

– Calma, olhe, nos experimentamos, diz Chang. E certo, depois que voce for, nao pode voltar a Ilha do Diabo, nem chegar a Royale.

Levei uma semana para convencer Sylvain. Um sujeito cheio de musculos, 1 metro e 80, bem proporcionado em todo o seu corpo de atleta.

– Bom. Admito que vamos ser arrastados para bem longe. Depois, em quanto tempo voce acha que a gente chega a Terra Grande, com as mares?

– Francamente, Sylvain, nao sei. A deriva pode ser mais ou menos longa, vai depender de muita coisa. O vento quase nao vai influir, vamos estar muito dentro da agua. Mas, se houver mau tempo, as ondas serao mais fortes e nos levarao mais depressa para a mata. Com sete, oito, ou dez mares, no maximo, devemos ser jogados na praia. Portanto, vai levar de 48 a sessenta horas.

– Como e que voce calcula?

– Das ilhas direto ate a costa, nao sao mais de 40 quilometros. A deriva, e como a hipotenusa de um triangulo retangulo. Veja o sentido das ondas. Mais ou menos, precisamos fazer de 120 a 150 quilometros, no maximo. Quanto mais a gente se aproximar da costa, mais diretamente as ondas vao nos dirigir e jogar sobre ela. A primeira vista, voce nao acha que um destroco a esta distancia da costa vai a 5 quilometros por hora?

Ele me olha e ouve atentamente minhas explicacoes. Este rapagao e muito inteligente.

– Nao, voce nao esta falando besteira, reconheco. Se nao fosse pelas mares baixas, que vao nos fazer perder tempo, porque sao elas que vao nos levar ao largo, com certeza a gente chegaria em menos de trinta horas a costa. Com as mares baixas, acho que voce tem razao: entre 48 e sessenta horas, a gente chega a costa.

– Voce se convenceu, vai comigo?

– Quase. Suponhamos que a gente esta no continente, no mato. O que e que a gente faz?

– Precisamos chegar perto de Kourou. La tem uma aldeia bastante importante de pescadores, seringueiros e garimpeiros. E preciso aproximar-se com cuidado, porque tem tambem uma colonia penal estrangeira. Deve ter certamente umas picadas no mato para chegar ate Caiena e ate um presidio de chineses, chamado Inini. Precisamos pegar um preso ou um civil negro e obriga-lo a levar a gente ate Inini. Se o cara se portar bem, damos para ele 500 pratas – e que desapareca. Se bancar o durao, vamos obriga-lo a fugir conosco.

– Que e que vamos fazer em Inini, nesse presidio especial para indochineses?

– O irmao de Chang esta la.

– E, meu irmao estar la. Ele fugir com voces, ele encontrar com certeza barco e comida. Se voces encontrar Cuic-Cuic, voces ter tudo para fuga. Um chines nunca faz jogo policia. Tambem qualquer chines voces encontrar no mato, voces falar com ele e ele avisar Cuic-Cuic.

– Por que e que chamam seu irmao de Cuic-Cuic? – diz Sylvain.

– Nao sei, os franceses batizar ele Cuic-Cuic.

E continua:

– Atencao. Quando voces quase chegar Terra Grande, voces encontrar areia. Nunca pisar na areia, ela nao boa, ela chupar voces. Esperar que outra mare leve voces dentro do mato para poder agarrar cipos e galhos arvores. Senao, voces fodidos.

– Ah! e, Sylvain. Nunca pisar na areia, nem bem perto da costa. Precisamos esperar ate alcancar um galho ou um cipo.

– Ta bom, Papillon. Resolvi.

– Fazendo as duas jangadas iguais, mais ou menos, como temos o mesmo peso, com certeza nao vamos ficar muito longe um do outro. Mas nunca se sabe. No caso de a gente se perder, como e que vamos nos encontrar de novo? Daqui nao se ve Kourou. Porem quando estava em Royale, voce deve ter reparado que a direita de Kourou, aproximadamente a 20 quilometros, ha umas rochas brancas que se enxergam bem quando o sol bate nelas.

– Sei.

– Sao os unicos rochedos de toda a costa. A direita e a esquerda, ate o infinito, e so areia. Essas rochas sao brancas por causa da merda dos passaros. Como ninguem jamais vai ate la, e um esconderijo para se refazer antes de afundar na mata. A gente pode comer ovos e os cocos que levar. Nao se pode acender nenhum fogo. O primeiro que chegar espera o outro.

– Quantos dias?

– Cinco. E impossivel que em menos de cinco dias o outro nao chegue no lugar combinado.

Fazemos as duas jangadas. Usamos sacos duplos, para que sejam mais resistentes. Pedi dez dias a Sylvain para ficar o maior tempo possivel treinando a montar a cavalo num saco. Ele faz a mesma coisa. Percebemos que, quando os sacos estao a ponto de virar, e necessario um esforco suplementar para o montador ficar em cima. Sempre que possivel, vai ser preciso deitar em cima do saco. Cuidado para nao dormir, porque a gente pode perder o saco, caindo na agua e nao conseguindo mais agarra-lo. Chang costurou um saquinho impermeavel que vou prender no pescoco com uns cigarros e um isqueiro. Vamos ralar dez cocos cada um para levar. Sua polpa nos permitira aguentar a fome e tambem matar a sede. Parece que Santori tem uma especie de bexiga de couro para por vinho. Ele nao usa isso. Chang, que as vezes vai ate a casa do guarda, tentara passar a mao nela.

Vai ser domingo as 10 da noite. A mare, com a lua cheia, tera 8 metros. Lisette estara pois em toda a sua forca. Chang vai dar de comer sozinho aos porcos domingo de manha. Eu vou dormir sabado o dia todo e todo o domingo. Partiremos as 10 horas da noite, a vazante deve comecar duas horas depois,

E impossivel que meus dois sacos se separem um do outro. Estao amarrados com cordas de canhamo trancado, arame, e costurados um ao outro com uma linha grossa para velas. Encontramos sacos maiores que os outros e a boca de um esta encaixada na boca do outro. Os cocos nao vao escapar.

Sylvain nao para de fazer ginastica e eu me deixo massagear as coxas pelas ondas pequenas, que batem sobre elas durante longas horas. Com os golpes repetidos da agua sobre minhas coxas e as contracoes que sou obrigado a fazer para resistir a cada onda, criei pernas e coxas de ferro.

Num poco abandonado da ilha ha uma corrente de cerca de 3 metros. Prendi-a as cordas que seguram meus sacos. Um parafuso de ferro passa atraves dos aneis. Se por acaso nao aguentar mais, eu me amarro aos sacos com a corrente. Talvez assim eu possa dormir sem correr o risco de cair na agua e perder minha jangada. Se os sacos virarem, a agua vai me despertar e eu os colocarei novamente na posicao certa.

– Entao, Papillon. Mais tres dias.

Sentados no banco de Dreyfus, olhamos para Lisette.

– E, mais tres dias, Sylvain. Eu tenho fe que a gente vai conseguir. E voce?

– E certo, Papillon. Terca de noite ou quarta de manha, vamos estar no mato. E entao vai ser sopa.

Chang vai ralar dez cocos para cada um. Alem das facas, levamos dois sabres roubados do deposito de ferramentas.

O presidio de Inini fica a leste de Kourou. Somente andando de manha, contra o sol, vamos ter certeza de seguir a direcao certa.

– Segunda de manha, Santori vai ficar bobo – diz Chang. – Eu nao falar que voce e Papillon desaparecidos antes de segunda 3 horas da tarde, quando guarda acabar sesta.

– E por que e que voce nao pode chegar correndo e dizer que uma onda carregou a gente enquanto a gente pescava?

– Nao, eu nada complicacoes. Eu dizer: “Chefe, Papillon e Stephen nao vir trabalhar hoje. Eu sozinho dei comer aos porcos”. So isso.

A EVASAO DA ILHA DO DIABO

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