Esperei, com o terrivel pressentimento de que ele fosse dizer o nome de Evelyn Coates.

– E aquela moca que trabalha no meu escritorio – murmurou ele. – Srta. Schwartz. Melanie Schwartz. Meu Deus, que nome!

– Apesar do nome – falei -, posso entender. Ela e linda.

– E bem mais do que isso – afirmou ele. – Vou dizer-lhe uma coisa, Doug… se as coisas continuarem assim como estao, nao sei o que vou acabar fazendo. Temos de sair juntos desta cidade… por uma semana, uma quinzena, uma noite… mas temos… Nao quero o divorcio. Estou casado ha dez anos, nao quero… Ora, nao sei por que cargas-d'agua estou lhe contando tudo isto.

– Vou jantar com voces amanha a noite – prometi.

Hale nao disse nada. Parou em frente do hotel.

– Espero voce por volta das sete – disse calmamente, enquanto eu saia do carro.

No elevador, a caminho do meu andar, pensei: 'Afinal de contas, Scranton nao fica assim tao longe de Washington'.

Enquanto me aprontava para ir para a cama, evitei aproximar-me do telefone. Demorei muito tempo para dormir. Acho que estava esperando que o telefone tocasse. Mas nao tocou.

Nao saberia dizer se o telefone me tinha acordado ou se eu tinha aberto os olhos pouco antes de ele comecar a tocar. Tinha tido um pesadelo estranho, no qual eu me escondia e fugia de perseguidores invisiveis e desconhecidos, atraves de florestas escuras, para de repente me ver ao sol, entre fileiras de casas em ruinas. Fiquei, feliz por ter acordado e estendi com gratidao a mao para o telefone. Era Hale.

– Nao o acordei, nao? – perguntou ele.

– Nao.

– Escute – disse ele. – Acho que vamos ter que cancelar o jantar de hoje a noite. Minha mulher diz que fomos convidados para jantar fora. – Seu tom de voz era displicente e despreocupado.

– Nao faz mal – falei, procurando nao mostrar o alivio que sentia.

– Alem disso – continuou ele -, falei com a moca… – O resto da frase foi abafado por um barulho em crescendo.

– Que barulho e esse? – perguntei, lembrando-me do que ele me dissera sobre os telefonemas serem gravados em Washington.

– E um leao rugindo – respondeu ele. – Estou no Jardim Zoologico com meus filhos. Quer vir se encontrar conosco?

– Fica para outra vez, Jerry – disse eu. – Ainda estou na cama. – Apos a confissao no carro, depois do jogo de poquer, nao me agradava a ideia de o ver desempenhar o papel do pai exemplar, dedicando a manha de domingo aos filhos. Nunca gostara de cumplicidades e repugnava-me ser utilizado para enganar criancas.

– Espero por voce amanha no escritorio – disse ele. – Nao se esqueca de trazer a certidao de nascimento.

– Nao vou me esquecer – prometi.

O leao estava rugindo quando desliguei.

Eu estava no chuveiro quando o telefone voltou a tocar. Pingando e ensaboado, enrolei-me numa toalha e atendi.

– Alo! – disse a voz. – Esperei o maximo que pude. – Era Evelyn Coates. No telefone, sua voz era uma oitava mais grave. – Tenho de sair de casa. Pensei que voce talvez estivesse tentado a me ligar ontem a noite, depois do jogo. Ou hoje de manha. – Sua autoconfianca era irritante.

– Nao – disse eu, inclinando-me para tras, procurando evitar que a agua pingasse na cama. – Nao me ocorreu – menti. – Alias, voce parecia algo preocupada.

– O que voce vai fazer hoje? – perguntou ela, ignorando a queixa.

– No momento, estou tomando um banho de chuveiro. – Sentia-me em desvantagem, tentando retrucar aquela voz grave e provocante, com a agua escorrendo-me, fria, pelas costas abaixo e os olhos comecando a lacrimejar por causa da espuma de sabonete que entrara.

– Como voce e gentil! – exclamou ela, rindo. – Saiu do chuveiro para atender o telefone. Sabia que era eu, nao sabia?

– Acho que me passou pela cabeca.

– Posso convida-lo para almocar?

Hesitei, mas nao por muito tempo. Afinal, nao tinha nada de melhor a fazer naquela tarde em Washington.

– Seria uma boa ideia – disse.

– Encontro-o no Trader Vic's – disse ela. – E um restaurante polinesio, no Mayflower. Agradavel e escuro, para voce nao poder ver as minhas olheiras. A uma hora?

– A uma hora – confirmei.

Espirrei e ela riu.

– Volte para o chuveiro e depois se enxugue bem. Nao queremos que voce espalhe germes de resfriado entre os republicanos.

Espirrei de novo, apos desligar, e voltei tateando para o banheiro, os olhos ardendo do sabonete. Um restaurante escuro tambem me convinha, porque tinha certeza de que meus olhos ficariam vermelhos toda a tarde. Estava comecando a sentir que tinha de estar no maximo da minha forma fisica e mental, sempre que fosse encontrar-me com Evelyn Coates.

– Grimes – disse ela, quando terminavamos de almocar e o garcom chines, ou malaio ou taitiano, derramava rum flambe no nosso cafe. – Voce me da a impressao de ser um homem com algo a esconder.

Aquilo me pegou inteiramente de surpresa. Ate entao, nossa conversa fora quase que absolutamente impessoal… a respeito da comida, das bebidas (ela tomara tres enormes drinques a base de rum, sem qualquer efeito aparente), sobre o jogo de poquer da noite anterior (ela me dera os parabens e eu Os retribuira), sobre os varios niveis sociais de Washington e a quais deles os parceiros da noite anterior pertenciam, sobre o tipo de conversa frivola e polida usado por uma mulher sofisticada e cortes para preencher uma hora com um visitante de fora, enviado por algum amigo mutuo. Estava vestida de maneira simples e encantadora, com um tailleur de tweed e uma blusa azul, de gola alta, e puxara o cabelo louro-escuro para tras, amarrando-o com uma fita azul, num penteado juvenil. Eu falara pouco e, embora estivesse pensando por que razao ela me havia telefonado, nao o demonstrara. Ela nao tinha mencionado a noite que passaramos juntos e eu resolvi nao ser o primeiro a traze-la a baila.

– Algo a esconder – repetiu ela. As perguntas que eu lhe fizera na noite em que nos conheceramos nao tinham, portanto, sido esquecidas. Haviam sido arquivadas na sua mente desconfiada, alerta, para utilizacao futura.

– Nao sei do que voce esta falando – disse eu, fugindo ao olhar dela.

– Claro que sabe! – retrucou. Esperou que o garcom terminasse de colocar as canecas cheias de cafe fervente, cheirando a rum e a canela, diante de nos. – Esta e a terceira vez que estamos juntos e veja o que ainda nao sei a seu respeito: de onde voce vem, para onde esta indo, o que esta fazendo aqui, qual a sua ocupacao, por que razao voce nao telefonou para mim. – Bebeu um gole de cafe, sorrindo para mim sobre a caneca. – Qualquer outro homem que eu visse tres vezes numa semana me contemplaria com sua biografia completa… como o pai nao se comunicava com ele, como era importante, que acoes tinha comprado, quais as pessoas influentes que conhecia, os problemas que tinha com a mulher…

– Nao sou casado.

– Bravo! – exclamou ela. – Ja consegui saber um fato. Preste atencao, nao estou querendo que voce me de informacoes a seu respeito. Nao sou assim tao curiosa nem voce me interessa tanto. Apenas me ocorreu, de repente, que voce deve estar escondendo alguma coisa. Por favor, nao me diga o que e. – E levantou a mao, como para evitar que eu falasse. – Posso achar que voce e muito menos interessante do que parece. Ha so uma coisa que eu gostaria de lhe perguntar, se nao se incomoda.

– Nao me incomodo. – Era o minimo que eu podia dizer.

– Voce vai ficar aqui em Washington?

– Nao.

– Segundo Jeremy Hale, voce vai viajar.

– Eventualmente – falei.

– O que quer dizer com isso?

– Em breve. Talvez dentro de uma semana.

– Por acaso voce vai a Roma?

– Acho que sim.

– E sera que me faz um favor?

– Se eu puder.

Ela olhou para mim como quem considera, batendo distraidamente com uma unha na superficie da mesa. Pareceu chegar a uma decisao.

– No decurso de meus deveres – disse ela – deparei com certos memorandos particulares de consideravel interesse. Tomei a liberdade de mandar tirar xerox deles. O xerox e a arma secreta de Washington. Ninguem esta seguro, se houver um xerox em seu escritorio. Acontece que tenho uns relatorios de delicadas negociacoes que algum dia me poderao ser muito uteis. E tambem para um amigo… um grande amigo meu. Trabalhou comigo e gostaria de protege-lo. Esta lotado na Embaixada americana em Roma. Quero fazer chegar a ele uns papeis, muito importantes para mim e para meu amigo, sem que se percam. Nao confio nas malas diplomaticas daqui e nem nas de Roma. Meu amigo me contou que suspeita de que sua correspondencia esteja sendo aberta, tanto na Embaixada como em sua casa. Nao fique tao espantado. Se voce conhecesse esta cidade como eu… – Nao acabou a frase. – Nao ha ninguem aqui em quem eu realmente confie. As pessoas falam sem parar, pressoes sao exercidas, a correspondencia e aberta, os telefonemas sao gravados… imagino que seu amigo Jeremy Hale lhe tenha dito a mesma coisa.

– Falou. E voce acha que pode confiar em mim?

– Acho. – Sua voz era dura, quase ameacadora. – Para comecar, voce nao vai estar em Washington. E, se estiver escondendo qualquer coisa importante, como eu acredito que esteja… Vai negar?

– Prefiro nao responder – retruquei. – Por ora.

– Por ora – repetiu ela, sorrindo. – Como eu ia dizendo, se voce estiver escondendo algo de importante, por que razao nao iria fazer um pequeno favor secreto para uma amiga? Algo que nao lhe levasse mais de meia hora? – Enfiou a mao na grande bolsa de couro que pousara no chao, debaixo da mesa, e dela tirou um grande e grosso envelope, fechado com fita gomada. Colocou-o na mesa, entre nos dois. – Como ve, nao ocupa muito espaco.

– Nao sei quando vou a Roma – disse eu. – Talvez so daqui a meses.

– Nao ha pressa – falou ela. Empurrou o envelope na minha direcao com a ponta do dedo. Era uma dessas mulheres as quais e muito dificil dizer nao. – Desde que seja antes de maio.

Nao havia nome ou endereco no envelope. Ela tirou uma lapiseira dourada e um caderninho da bolsa.

– Eis o endereco e o telefone do meu amigo – disse. – Telefone para a casa dele. Preferiria que voce nao entregasse isto na Embaixada. Tenho certeza de que voce vai gostar dele. Conhece todo mundo em Roma, e voce podera conhecer pessoas interessantes por seu intermedio. Gostaria que voce me escrevesse, depois de ter estado com ele, para eu saber que a encomenda foi entregue.

– Escreverei – prometi.

– Isso e que e um bom menino. – Empurrou o envelope ainda mais na minha direcao. – Pelo jeito, voce gostaria de me ver de vez em quando, nao?

– Gostaria.

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