– E nao era mesmo. Tudo aconteceu por sua culpa – falei.

– Como assim? – perguntou ele, espantado.

– Pensei que Sloane era voce – expliquei.

– O que?

– Pensei que ele apanhara minha mala. – E falei-lhe dos sapatos marrons e da gravata de la vermelha, no trem de Chur.

– Puxa, que azar o seu! – exclamou Fabian. – Perder uma semana com a Sra. Sloane. Realmente, sinto-me culpado. Ela tambem enfiava a lingua na sua orelha?

– Mais ou menos.

– Eu tambem passei por isso. No ano passado. Como foi que voce descobriu que nao se tratava de Sloane?

– Prefiro nao responder. – No que me dizia respeito, a historia de Sloane me encontrando com uma perna boa engessada, tentando enfiar meu pe no seu sapato e ele jogando o meu sapato e o relogio da mulher dele pela janela afora ia morrer comigo.

– Voce prefere nao responder – repetiu Fabian, ofendido. – Somos socios, lembra-se?

– Lembro-me. Fica para outra vez – prometi. – Quando estivermos precisando dar umas boas risadas.

– Imagino que algum dia vamos precisar – falou Fabian. Permaneceu algum tempo em silencio, enquanto avancavamos atraves de pinheirais admiravelmente preservados.

– Posso fazer-lhe uma pergunta, Douglas? – disse ele, por fim. – Voce tem lacos afetivos nos Estados Unidos?

Nao respondi imediatamente. Pensei em Pat Minot, em Evelyn Coates, no meu irmao Hank, no lago Champlain, nas montanhas de Vermont, no quarto 602. Pensei tambem em Jeremy Hale e na Srta. Schwartz.

– Acho que nao – respondi. – Por que?

– Falando francamente – disse ele -, e por causa de Eunice.

– Como assim? Ela falou alguma coisa?

– Nao. Mas voce deve admitir que se tem mostrado muito reticente.

– Ela se queixou?

– A mim, nao – disse ele. – Mas Lily insinuou que ela esta intrigada. Afinal de contas, veio especialmente da Inglaterra… – Deu de ombros. – Voce sabe o que quero dizer.

– Sim, eu sei. – Estava comecando a me sentir mal.

– Voce gosta de mulheres, Douglas?

– Ora, que e isso? – Lembrei-me do meu irmao em San Diego e entrei numa curva mais depressa do que o necessario.

– Estava so perguntando. Hoje em dia, nunca se sabe. Ela e bem bonita, voce nao acha?

– Acho. Escute aqui, Miles – falei, mais indignado do que devia. – Se nao me engano, a nossa sociedade nao tem nenhuma clausula segundo a qual eu tenha de fazer papel de garanhao.

– Que maneira mais crua de se expressar! – disse ele, mas riu. – Embora eu deva confessar que, no meu caso, de vez em quando nao me tenha recusado a isso.

– Puxa, Miles! – exclamei. – Conheco a moca ha so alguns dias. – Disse isso e logo me envergonhei da hipocrisia a qual ele me obrigava. Conhecia Lily havia quatro horas, quando fora ao quarto dela, em Florenca. Quanto a Evelyn Coates… – Se voce quer saber – disse eu -, nao gosto do papel de amante publico. – Finalmente, estava me aproximando da verdade. – Acho que fui educado de maneira diferente da sua.

– Ora! – disse ele. – Lowell nao e assim tao diferente de Scranton.

– Voce esta brincando, Miles? – retruquei. – Nem que procurassem com uma lupa, encontrariam em voce o menor residuo de Lowell.

– Como voce se engana! – disse ele. – Como voce se engana! Douglas, acreditaria em mim se eu lhe dissesse que simpatizo muito com voce, que os seus interesses me preocupam?

– Em parte – respondi.

– Para ser mais cinico – acrescentou ele -, principalmente quando os seus interesses coincidem com os meus.

– Ai, talvez – disse eu. – Mas aonde voce quer chegar?

– Acho que deviamos coloca-lo no mercado de casamentos – declarou ele, num tom que traduzia uma decisao longamente meditada.

– Voce esta perdendo uma bela paisagem – disse eu.

– Estou falando serio. Preste atencao. Voce tem trinta e tres anos, nao e mesmo?

– Sim.

– Dentro de um ou dois anos, devera se casar.

– Por que?

– Porque e o que todo mundo faz. Porque voce e bastante bem-parecido. Porque vai ter pinta de solteiro rico. Porque alguma garota vai querer voce para marido e vai escolher o momento exato para tomar a iniciativa. Porque, como voce ja me disse, esta farto de viver so. Porque vai querer ter filhos. Nao acha que tenho razao?

Lembrei-me, dolorosamente, do sentimento de privacao e inveja que tivera quando telefonara a Jeremy Hale e sua filha atendera, dizendo numa voz pura e fresca: 'Papai, e para voce'.

– Sim, acho que tem – admiti.

– So estou sugerindo que voce nao deixe tudo nas maos do acaso, como fazem os idiotas. Controle seu destino.

– Como e que eu vou fazer isso? Sera que voce vai me arrumar casamento e me fazer assinar um contrato? E assim que se faz, hoje em dia, no Principado de Lowell?

– Pode soltar as piadinhas que quiser – disse Fabian, calmamente. – Sei que elas se originam de um sentimento de embaraco, de modo que nao me ofendem.

– Nao seja tao irritantemente superior, Miles! – preveni.

– A palavra-chave, repito, e 'controle' – disse ele, ignorando minha explosao.

– Se a memoria nao me falha, voce se casou por dinheiro – lembrei. – E o resultado nao foi assim tao maravilhoso.

– Eu era jovem e ambicioso – retrucou ele – e nao tinha um homem mais velho e experiente para me orientar. Casei-me com uma idiota simplesmente porque ela era rica e estava disponivel. Faria tudo quanto estivesse nas minhas maos para evitar que voce caisse no mesmo erro. O mundo esta cheio de mocas lindas e encantadoras, com pais ricos e indulgentes, que nada mais querem da vida senao casar-se com um jovem bonito, bem-educado e culto, e suficientemente rico para nao estar atras do dinheiro delas. Numa palavra, um rapaz como voce. Puxa, Douglas, voce sabe: e tao facil amar uma moca rica quanto uma pobre.

– Se estou assim tao rico como voce diz – insisti -, para que me preocupar com tudo isso?

– Questao de seguranca – respondeu Fabian. – Nao sou infalivel. Sem duvida, dispomos, no momento, de uma quantia que aos seus olhos parece substancial. Mas, aos olhos de homens verdadeiramente ricos, nao passamos de dois pobrezinhos, Douglas.

– Tenho fe em voce – disse eu, com um toque de ironia. – Voce nos salvara de terminar a vida num asilo.

– E o que espero – retrucou ele. – Mas nao ha garantias. As fortunas sao feitas e desfeitas. Vivemos numa era de revolucoes. – Meneou a cabeca, tristemente. – Estamos sujeitos a catastrofes ciclicas. Quem sabe se agora mesmo nao estamos a vespera de uma tormenta? E melhor prevenir do que remediar. E, sem querer trazer a baila assuntos desagradaveis, voce e mais vulneravel do que a maioria. Nao se pode ter a certeza de que nao acabe sendo descoberto. A qualquer momento, algum sujeito extremamente desagradavel podera apresentar-lhe uma conta de cem mil dolares. Seria conveniente que voce pudesse paga-la na hora, nao acha?

– Sem duvida – falei.

– Uma esposa bonita e rica, de boa familia, seria um excelente disfarce. Seria necessaria muita imaginacao para se desconfiar de que um rapaz bem-educado e elegante, frequentador da melhor sociedade internacional e casado com uma solida fortuna inglesa, tenha comecado surrupiando um pacote de notas de cem dolares de um cadaver num hotel de ma morte em Nova York. Esta me entendendo?

– Estou – respondi, relutantemente. – Mas voce estava falando em interesses mutuos. O que voce teria a lucrar? Nao ia esperar que eu lhe pagasse uma comissao sobre o dote da minha esposa imaginaria…

– Nada tao grosseiro como isso, meu velho – disse Fabian. – So esperaria que nossa sociedade nao acabasse. A coisa mais natural deste mundo seria que sua esposa se sentisse grata se voce a aliviasse do peso de manejar o seu dinheiro. E, como eu conheco as mulheres, ela preferiria que voce se encarregasse disso, em vez de ter que depender da conhecida corte de corretores, procuradores e banqueiros astutos.

– E e ai que voce entraria?

– Exatamente – sorriu ele, como se acabasse de me dar um presente de grande valor. – Nossa sociedade continuaria como antes. Qualquer capital novo que voce trouxesse ficaria, e claro, reservado para voce, mas os lucros seriam compartilhados. Coisa simples e justa. Espero ter-lhe provado a minha utilidade no campo dos investimentos.

– Prefiro nem comentar – disse eu.

– O trabalhador vale o que ganha – declarou ele, sentenciosamente. – Nao acho que lhe seria dificil explicar isso a sua esposa.

– Depende da esposa.

– Depende de voce, Douglas. Espero que escolha uma moca ajuizada, que confie em voce, ame-o e queira dar-lhe uma prova concreta do seu amor.

Recordei o meu curriculum vitae no que dizia respeito a mulheres.

– Miles – falei -, acho que voce tem uma ideia exagerada dos meus atrativos.

– Como ja lhe disse, meu velho – retrucou ele -, voce e demasiado modesto. Perigosamente modesto.

– Certa vez, namorei uma garconete em Columbus, Ohio, durante tres meses – contei. – E ela so me deixou segurar-lhe a mao no cinema.

– Voce esta subindo na esfera social, Douglas – disse Fabian. – As mulheres que voce vai encontrar daqui por diante sao atraidas pelos ricos, de modo que inevitavelmente se veem rodeadas por homens mais velhos, ocupados quase que vinte e quatro horas por dia com negocios, e com muito pouco tempo para dedicar a elas. Por outro lado, ha os homens que tem tempo para dedicar as mulheres, mas cuja masculinidade muitas vezes e ambigua, para nao dizer outra coisa. Ou cujos interesses sao transparentemente pecuniarios. Sua garconete de Columbus nem sequer iria ao cinema com um deles. Nos ambientes em que voce vai circular agora, qualquer homem abaixo dos quarenta, com fortuna aparente e sinais evidentes de virilidade, que tenha tempo para um almoco de tres horas com uma mulher, e recebido com enorme gratidao. Pode crer, meu velho, basta ser natural, ser voce mesmo, para obter um grande sucesso. Um dos beneficios que pretendo incutir em voce e um novo conceito do seu valor. Confio em que me convide para ser padrinho do seu casamento.

– Voce e um calculista cinico, nao? – falei.

– Sou calculista, sim, e pretendo ensina-lo a calcular, tambem – respondeu ele, calmamente. – Acho absurdo que o verbo 'calcular' tenha tao ma reputacao no mundo atual. Deixe a mania de romancear para as colegiais e os soldados, Douglas. Voce, calcule.

– Tudo me parece tao… tao imoral – argumentei.

– Esperava que voce nunca usasse essa palavra – disse ele. – Acha que foi moral fugir com todo aquele dinheiro do Hotel St. Augustine?

– Nao.

– Foi moral, da minha parte, ficar com sua mala, quando vi o que havia nela?

– Acho que nao.

Вы читаете Plantao Da Noite
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату
×