murmurando a nosso respeito, surpreso de que alguem vestido como eu estivesse num grupo tao alinhado. O comentario de Didi Wales sobre o meu habitat natural fizera algum efeito.

La em cima, no azul brilhante do ceu, uma grande ave planava. Podia bem ser uma aguia. Fiquei pensando que presa ela encontraria naquele vale de ricos.

– Que tal a manha? – perguntei a Fabian, enquanto ele beijava as mocas e mandava trazer tambem um bloody-mary para si.

– So o tempo dira – respondeu. Ele gostava dos seus misteriozinhos.

Procurei nao parecer preocupado.

– Espero que voce nao fique aborrecido, Douglas – disse Fabian. – Mas marquei encontro para nos na cidade, depois do almoco.

– Se as senhoras me derem licenca… – falei.

– Tenho certeza de que encontrarao quem esquie com elas – retrucou Fabian.

– E, sem duvida – concordei.

– Vai haver uma grande festa esta noite – disse Lily. – De qualquer maneira, marcamos hora no cabeleireiro…

– Estou convidado? – perguntei.

– Claro! – respondeu ela. – Todo mundo sabe que somos inseparaveis.

– Gentileza sua – falei.

Ela olhou severamente para mim.

– Receio que Alma Gentil nao esteja se divertindo como devia. – Tambem Lily me chamava agora de Alma Gentil. – Talvez prefira a companhia de mocas mais jovens. – Ela nao tinha dito nada, mas a minha subida na cadeira aerea com Didi Wales nao passara despercebida.

– Ela e filha de velhos amigos meus – retruquei, com dignidade.

– O que nao a impede de estar no ponto – disse Lily. – Bem, que tal entrarmos e almocarmos? Esta frio, aqui fora.

O encontro que Fabian marcara era com um corretor imobiliario que tinha um pequeno escritorio na rua principal da cidade. Antes de entrarmos na sala, ele me explicou que nessa manha estivera olhando terrenos a venda.

– Talvez seja um bom investimento para nos – disse ele. – Como voce ja deve ter visto, a minha filosofia e muito simples. Vivemos num mundo em que certos elementos basicos estao ficando cada vez mais raros. Soja, ouro, acucar, trigo, petroleo, etc. A economia do planeta esta sofrendo de excesso de populacao, medo, guerras, consciencia pesada e uma superabundancia de dinheiro. E so somar essas coisas para o homem moderadamente sensato e pessimista ver que a escassez tende a piorar, e concluir que deve comprar de acordo com essa tendencia. A Suica e um pais minusculo, com um governo estavel e praticamente sem qualquer possibilidade de se envolver em aventuras militares. Em breve, estarao vendendo terra aqui, em troca de dinheiro apavorado, a peso de ouro. Sei de dezenas de pessoas, dentre as minhas relacoes, que adorariam ser donas de um pedacinho que fosse. No momento, devido a lei suica, nao podem comprar. Mas nos temos uma companhia suica, ou melhor, sediada no Liechtenstein, o que vem a dar na mesma, e nada nos impede de comprar uma opcao por seis meses de um bom pedaco deste belo pais e espalhar por ai que estamos pensando em construir um chale de luxo, com varios apartamentos de alto nivel, para aluga-los adiantadamente por, digamos, um periodo de vinte anos. Com o emprestimo que podemos obter de um banco, poderemos ser proprietarios de um imovel altamente lucrativo que, no fim, nao nos custara nada e onde ate podemos ter um pequeno pied-a-terre, sem qualquer despesa, para as nossas ferias. O que voce diz da minha ideia? Acha sensata?

– Como sempre – respondi. Na verdade, era mais sensata do que de costume. Eu proprio tinha visto a maneira louca pela qual os precos de pequenas terras abandonadas tinham subido em Vermont, quando se haviam construido telefericos.

– Caro socio – disse Fabian, sorrindo. – Alma Gentil.

Ao fim da tarde, tinhamos feito uma oferta para uma opcao de seis meses visando a compra de um terreno montanhoso afastado da estrada, a uns oito quilometros de Gstaad. Seria preciso algum tempo, informou-nos o corretor, para tratar do contrato, mas ele tinha certeza de que nao topariamos com obstaculos importantes.

Eu nunca possuira nada exceto roupas, mas, quando voltamos ao hotel para o cha, eu estava quase certo, segundo Fabian, de ser co-proprietario de um predio que dali a um ano valeria bem mais de meio milhao de dolares. Ao atravessar a cidade ao volante do Jaguar, olhei para ela com um novo interesse de proprietario, nao despojado de tensoes. Fabian parecia apenas satisfeito com as gestoes do dia.

– Estamos apenas comecando, Alma Gentil – foi tudo o que disse, enquanto eu estacionava o carro diante do hotel.

Estava me vestindo para a festa quando o telefone tocou. Era Fabian.

– Surgiu algo – disse ele – que me impede de ir com voces. Importa-se de acompanhar as mocas?

– O que foi?

– Acabo de encontrar Bill Sloane no hall.

– Oh! Era so o que me faltava! – Senti um arrepio.

Bill Sloane nao contribuira para as minhas lembrancas mais agradaveis da Europa.

– Um dia, tem que me dizer o que houve entre voces dois.

– Um dia – prometi.

– Ele esta sozinho. Mandou a mulher de volta.

– Foi a melhor coisa que ele podia fazer. Mas o que ele tem a ver com voce nao poder vir conosco?

– Esta querendo jogar cartas esta noite – respondeu Fabian.

– Voce nao me disse que nunca mais jogaria bridge? – Agora que ele me introduzira a ciencia das altas financas, jogar bridge me parecia desnecessariamente arriscado. Um baralho nao era como lingotes de ouro, arrobas de soja ou um terreno na Suica.

– Ele nao quer jogar bridge – disse Fabian. – Esta farto de bridge.

– O que ele quer jogar, entao?

– Poquer, e para valer – respondeu Fabian. – No quarto dele.

– Puxa, Miles! Voce nao pode lhe dizer que esta ocupado?

– Ganhei tanto dinheiro dele – explicou Fabian -, que sinto que lhe devo uma revanche. E tambem devo algo a minha reputacao de cavalheiro.

– A mim, voce nao deve.

– Confie em mim, Alma Gentil – disse Fabian.

– Que tal e voce no poquer?

– Nao fique tao preocupado. Sei cuidar de mim. Principalmente com Bill Sloane.

– Famosas ultimas palavras – disse eu. – Todo mundo pode ter sorte uma noite.

– Se voce esta assim tao preocupado, por que nao vem assistir ao jogo?

– Meus nervos nao estao muito bons – repliquei. – E duvido de que o Sr. Sloane gostasse de me ver.

– Seja como for, explique a minha ausencia as mocas, sim?

– Explicarei – falei, secamente.

– Otimo! Puxa, Douglas, se voce esta assim tao cetico, aposto apenas o meu dinheiro.

Hesitei, tentado, mas logo senti vergonha.

– Pode deixar – respondi. – Entro com a metade.

– Esplendido! – exclamou ele.

– E – falei.

Desliguei pensando que a festa teria que ser muito boa, para que eu fosse capaz de me divertir.

CAPITULO XVIII

Havia cinquenta convidados na festa, sentados a mesas de seis e oito lugares instaladas no enorme living do chale, todo ele decorado em estilo rustico e confortavel, apesar do seu tamanho. No menu, lagostas frescas, mandadas nessa mesma tarde, de aviao, da Dinamarca. Dois Renoir e um Matisse, nada rusticos, adornavam as paredes. As luzes eram baixas, para favorecer as damas, mas nao tao tenues que nao se visse o que se comia. Quanto as damas, nenhuma delas precisava de luz baixa. Todas pareciam ja ter sido fotografadas pelo meu amigo do Women's Wear Daily. A acustica da sala devia ter sido perfeitamente planejada, porque, mesmo quando todo mundo parecia estar falando ao mesmo tempo, o som nunca ultrapassava um polido e agradavel zumbido.

O anfitriao, homem alto e grisalho de cara de ave de rapina, era, segundo me tinham dito, um banqueiro aposentado de Atlanta. Uma agradavel cadencia sulista lhe suavizava a maneira de falar, e tanto ele quanto sua jovem esposa, uma beldade sueca, pareciam genuinamente encantados de que eu estivesse presente. O motivo da festa era comemorar os seus quinze anos de casamento. Se Didi Wales tivesse sido convidada, poderia ter modificado as suas ideias a respeito dessa instituicao.

Havia um ar geral de saude bronzeada e simpatica camaradagem entre os convidados e, embora eu prestasse atencao as conversas, nao ouvi ninguem falando mal de outrem. Por mais que secretamente conjeturasse sobre como tantos homens adultos podiam encontrar tempo para conseguir aquele uniforme bronzeado de montanha, nao fiz perguntas; nem me perguntaram qual era a minha profissao.

Olhando em volta da sala para os homens impecaveis e as mulheres elegantissimas, todos evidentemente privilegiados e em otimos termos com a fortuna, senti, com maior intensidade ainda, o poder dos argumentos de Miles Fabian em favor da riqueza. Se havia diferenca, antipatias, ciumes, nao transpareciam, pelo menos aos meus olhos. Reunidos em comemoracao, os convidados formavam uma alegre companhia de amigos, seguros contra desastres, acima das preocupacoes mesquinhas. Ao sentar-me ao lado de Eunice, radiante num longo de seda, tao bela e elegante quanto qualquer outra das mulheres presentes, prestei mais atencao nela. Apertei-lhe a mao por baixo da mesa e recebi dela um sorriso quente e sensual.

A conversa a mesa em que eu e Eunice nos sentamos era em grande parte inconsequente – as costumeiras anedotas sobre neve e pernas quebradas que sempre se ouvem nas estacoes de esqui, intercaladas de criticas de pecas representadas em Paris, Londres e Nova York e de filmes recentes de varias nacionalidades. No espaco de meia hora, o que se falou naquela mesa sugeriu varias viagens internacionais.

Eu nao vira nenhuma das pecas e assistira a poucos dos filmes mencionados, de modo que guardei um silencio discreto, entrecortado apenas por comentarios sussurrados para Eunice, que vira todas as pecas representadas em Londres e em Paris e falava com autoridade, sendo ouvida com respeito. Lily estava sentada a outra mesa e, na ausencia da irma, Eunice falava com muito mais seguranca e liberdade. Pelo visto, em determinada epoca ela quisera ser atriz e estudara por algum tempo na Academia Real de Arte Dramatica. Observei-a com renovado interesse. Se ela nao me contara esse fato importante da sua vida, que outras surpresas poderia reservar para mim?

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