Fui preso. Ou, pelo menos, pareceu-me, na ocasiao, que havia sido preso.

Estava fazendo a barba, olhando com desgosto para meus olhos amarelos refletidos no espelho, quando bateram a porta. Com o rosto ainda coberto de espuma, fui abrir: Um dos assistentes da gerencia surgiu diante de mim, correto num terno escuro e numa camisa branca, acompanhado por um homem de sobretudo cintado e cabeca de porco-espinho, com cabelo grisalho e cortado bem curto.

– Sr. Grimes – disse o assistente da gerencia -, podemos entrar?

– Estou fazendo a barba – respondi. – E, como veem, ainda nao me vesti. – Estava so com a calca do pijama e descalco. – Nao podem esperar alguns minutos?

O assistente da gerencia falou rapidamente em alemao com o homem do cabelo grisalho, que disse apenas:

– Nein.

– O Comissario Brugelmann diz que nao pode esperar – falou o assistente da gerencia, em tom de quem pede desculpas.

O Comissario Brugelmann entrou no quarto sem pedir licenca.

– Por favor, Sr. Grimes – disse, por sua vez, o assistente da gerencia.

Entrei no banheiro, peguei uma toalha, limpei o rosto e vesti um robe. O Comissario Brugelmann ficou no meio do quarto, percorrendo com olhar gelado o alto da escrivaninha, onde eu tinha a carteira e o relogio, e passando depois para as duas malas, colocadas em compartimentos sob as janelas.

'Didi', pensei. 'Oh, meu Deus, descobriram a respeito de Didi. Ou pensam que descobriram.' Eu nao tinha ideia de qual era a idade minima na Suica. Provavelmente, variava de cantao para cantao, como tudo o mais no pais. Estavamos no cantao de Berna. Podia ser ate vinte e um anos, com todos aqueles colegios de meninas.

– Considero isto uma invasao – disse eu, secamente. – E gostaria de uma explicacao.

De novo o assistente da gerencia falou rapido em alemao com o policial. O comissario assentiu, num gesto de cabeca extremamente rigido. Tinha um pescoco grosso, caindo em pregas sobre o colarinho.

– O Comissario Brugelmann deu-me licenca para explicar – disse o assistente da gerencia. – Em resumo, Sr. Grimes, foi cometido um roubo. Ontem a noite. No quinto andar do hotel. Foi dada falta de um valioso colar de brilhantes.

O quarto de Eunice ficava no quinto andar.

– E que tem isso a ver comigo? – perguntei, aliviado. Pelo menos, Didi Wales nao estava envolvida.

Nova troca de palavras em alemao. 'Antes de viajar para qualquer lugar', pensei, 'nunca mais vou esquecer de tomar aulas na Berlitz.'

– Ontem a noite, bem tarde, o senhor foi visto perambulando pelos corredores do hotel – disse o assistente da gerencia.

– Fui visitar uma amiga – retruquei. – Nao estava, como o senhor diz, perambulando.

– Limitei-me a traduzir – disse o assistente da gerencia, aborrecido. Via-se que nao estava gostando nada de sua tarefa e provavelmente ja estava arrependido de ter aprendido ingles.

O comissario de policia disse algo em voz baixa.

– A senhora que o senhor visitou – disse o assistente da gerencia – saiu do hotel as oito e meia da manha. Por acaso sabe para onde ela foi?

– Nao – respondi, quase sinceramente. Nunca pedira o endereco de Eunice. O bilhete que ela me mandara estava no bolso do meu robe. Esperava que nao aparecesse.

O policial grunhiu varias frases que me soaram desagradavelmente.

– O senhor comissario pede licenca para revistar o quarto – disse o assistente da gerencia. As palavras pareciam sufoca-lo.

– Por acaso ele tem mandado? – perguntei, americano ate o ultimo dos direitos civis.

Nova palestra em alemao.

– Nao tem mandado. Por ora – disse o assistente da gerencia. – Se o senhor insistir num mandado, o comissario diz que tera de leva-lo a delegacia, onde o senhor ficara ate que seja expedido o mandado. Avisa que pode levar muito tempo, talvez dois dias. E nao sera possivel evitar a publicidade. Ha sempre muitos jornalistas estrangeiros no hotel, devido a importancia dos nossos hospedes.

– Ele disse isso? – perguntei.

– Eu acrescentei alguma coisa – confessou o assistente da gerencia. – Para o senhor ter uma base de acao.

Olhei para o Comissario Brugelmann. Ele devolveu-me glacialmente o olhar. Fazia calor no quarto, mas ele nao desabotoara o sobretudo. Devia ter sangue gelado nas veias. Parente de cobras e lagartos.

– Muito bem – falei, sentando-me na poltrona. – Nao tenho nada a esconder. Ele que comece a revistar o quarto. Mas, por favor, rapido. Tenho um compromisso as onze.

O assistente da gerencia traduziu e o Comissario Brugelmann assentiu rigidamente. A primeira coisa que fez foi, com um gesto, mandar que eu me levantasse.

– O que ele quer agora? – perguntei.

– Quer revistar a poltrona.

Levantei-me, admirando a contragosto o talento profissional do Comissario Brugelmann. Naturalmente, se o colar estivesse escondido na poltrona, eu imediatamente me sentaria nela. Afastei-me e vi o policial passar a mao sobre a almofada, levanta-la e apalpar as molas. Depois, recolocou a almofada no lugar, alisando-a cuidadosamente, e fez-me sinal de que poderia sentar-me de novo.

Depois, passou rapidamente em revista todos os meus pertences. Terminando de revistar o armario, tirou para fora as minhas calcas de esquiar e disse algo ao assistente da gerencia, pelo tom de voz, uma pergunta. O assistente brincou nervosamente com o botao do paleto, enquanto traduzia.

– O Comissario Brugelmann deseja saber se estas sao as unicas calcas de esqui que o senhor trouxe.

– Sao – respondi.

– Onde o senhorr estafa antes? – O policial estava ficando impaciente com a demora da traducao e resolveu mostrar que falava uma variante de ingles.

– Em St.Moritz – respondi. – E em Davos.

– Em St.Moritz? So com estas? – O comissario parecia nao acreditar. – E agorra tambem em Gstaad?

– Chegam para os gastos – respondi.

– Quanto tempo o senhorr pensar ter ferrias?

– Tres semanas. Talvez mais.

Solenemente, o comissario voltou a pendurar as calcas no armario. Depois voltou-se para mim, tirando do bolso um bloco com capa de plastico preto e sentando-se a escrivaninha, a fim de poder escrever com conforto.

– Agorra sentir mais algumas perguntas precisar fazer – disse ele. – Enderreco permanente nos Estados Unidos?

Quase disse Hotel St. Augustine, mas acabei dando o endereco da 81st Street, East. Pelo menos, se a Interpol, ou fosse la o que fosse, investigasse, nao poderia acusar-me de estar mentindo.

– Profission? – O comissario anotava diligentemente no seu bloquinho.

– Investidor particular – respondi imediatamente.

– Banco?

Pela expressao do seu rosto, percebi que, mais cedo ou mais tarde, eu teria de me explicar com mais detalhes.

– Union Bank of Switzerland, Zurique. – Agradeci, de todo. o coracao, a Miles Fabian por ter insistido em abrir contas separadas em nossos nomes, para o que ele chamava de 'dinheirinho de bolso'.

– Na America?

– Desisti de aplicar dinheiro na America – respondi. – Estou pensando em residir na Europa. A economia…

– 0 senhorr ja alguma vez foi prreso? – perguntou o comissario.

– Escute aqui – disse eu, apelando para o assistente do gerente. – Sou hospede deste hotel, que e tido como um dos melhores da Europa. Nao pretendo responder a perguntas insultuosas.

– E apenas simples rotina policial. – O botao do paleto do assistente da gerencia estava quase caindo. – Nao ha nada de pessoal. Outros hospedes tambem estao sendo interrogados.

O comissario nao levantou a cabeca do bloco, escrevendo e falando ao mesmo tempo.

– Conhece o Sr. Miles Fabian, nao? – perguntei.

– Claro, o Sr. Fabian e um dos nossos hospedes mais antigos e estimados – disse o assistente.

– Pois bem, ele e meu amigo. Por que nao o chamam e lhe perguntam a meu respeito?

O assistente falou num alemao muito rapido. O policial assentiu e disse:

– Antes ja o senhorr ser prreso?

– Nao, pelo amor de Deus!

– Outra coisa. – O comissario levantou-se. – Gostaria que o senhorr me dafa seu passaporte.

– Para que o senhor quer meu passaporte?

– Parra senhorr non sair de Suica, Herr Grimes.

– E se eu nao lhe der o meu passaporte?

– Enton outras medidas precisar tomarr. Como prrender senhorr. Prisons suicas boa fama, mas prisons.

– Por favor, Sr. Grimes – suplicou o assistente.

Abri a carteira e tirei o passaporte.

– Vou procurar um advogado – disse eu ao comissario, ao mesmo tempo em que lhe entregava o passaporte.

– O senhorr ter toda libertade – disse ele guardando o passaporte num bolso interno do seu sobretudo preto. – Precisar ainda fazerr talfez outras perguntas. Por hoje, serr tuda. – Moveu a enferrujada dobradica do seu poderoso pescoco cantonal e saiu.

O assistente da gerencia torcia as maos de aflicao.

– A gerencia lhe pede mil desculpas. Isto e terrivel para todos nos.

– Para os senhores tambem? – retruquei. Nao pretendia facilitar-lhe as coisas.

– Sao essas mulheres ricas e descuidadas – continuou ele. – Nao tem a menor ideia do valor do dinheiro. Perdem oitenta mil dolares em joias no trem e depois nos ficamos dias procurando reave-las. Felizmente, estamos na Suica…

– O senhor nao faz ideia de como eu me sinto feliz em estar na Suica – falei. Arrependia-me agora amargamente da opcao de compra de terreno que assinaramos, no dia anterior.

– Tudo o que a gerencia puder fazer, Sr. Grimes… – disse, contrito, o assistente. – Envidaremos todos os esforcos.

– A gerencia pode talvez reaver meu passaporte – disse eu. – Quero ir embora. Depressa.

– Compreendo – disse ele, com uma leve inclinacao. – O foench esta soprando. – Levou a mao a testa, como se quisesse ver se tinha febre. – O vento suao. Todo mundo se comporta de maneira

Вы читаете Plantao Da Noite
Добавить отзыв
ВСЕ ОТЗЫВЫ О КНИГЕ В ИЗБРАННОЕ

0

Вы можете отметить интересные вам фрагменты текста, которые будут доступны по уникальной ссылке в адресной строке браузера.

Отметить Добавить цитату
×