Mas havia limites. E Didi Wales alcancara-os. Disse a mim mesmo que me portara honradamente – nenhum homem decente se aproveitaria da paixao adolescente de uma infeliz menina. Mas ali, no silencio do bar a meia-noite, uma pequena duvida me assaltou. Se Eunice nao tivesse entrado no quarto comigo e descoberto Didi na cama, porventura eu estaria agora no bar? Ou no meu quarto? Em retrospecto, ali sentado, olhando para o copo, tive que confessar que a jovem era muito atraente. O arrependimento estava latente no mais recondito da minha consciencia. Que teria Miles Fabian feito, numa situacao semelhante?

Rido e dito 'Que visita encantadora'? Pensado 'Este e o meu ano de sorte' e subido para a cama? Sem duvida.

Resolvi nao lhe dizer nada do que acontecera. O seu desprezo, mesclado com piedade pelos meus escrupulos, seria insuportavel. Podia quase ouvi-lo dizer, paternalmente: 'Puxa, Douglas, e preciso aprender as regras do jogo'.

Eunice. Comecei a suar frio so de pensar na manha seguinte, quando, reunidos a mesa do cafe da manha, eu, Lily e Miles ouvissemos Eunice dizer, como se nada significasse: 'Ontem a noite, quando eu e Alma Gentil voltamos da festa, aconteceu uma coisa incrivel…'

Terminei meu drinque, assinei a conta e encaminhei-me para a porta. Quando ia saindo, Lily entrou com tres homens enormes, todos com mais de dois metros. Reparara neles na festa e vira-a dancando com um. Aquela parecia estar sendo uma grande noite para ela, em todos os sentidos. Parou, quando me viu.

– Pensei que voce tivesse saido com Eunice – disse ela.

– Sai.

– E agora voce esta sozinho?

– Estou.

Ela sacudiu a cabeca, um brilho divertido no olhar.

– Homem estranho – comentou. – Que tal beber conosco?

– Nao sou suficientemente grande – respondi.

Os tres gigantes riram, quase fazendo tilintar os copos sobre o balcao.

– Voce viu Miles? – perguntou Lily.

– Nao.

– Ele disse que procuraria estar aqui a uma, para um ultimo drinque. – Deu de ombros. – Deve estar tao interessado em tirar o ultimo centavo daquele idiota do Sloane, que nem se lembra de mim. Que tal, gostou da festa?

– Esplendida – respondi.

– Ate parecia que estavamos no Texas – disse ela, ambiguamente. – Vamos beber algo, rapazes?

– Vou pedir champanha – disse o mais alto dos gigantes, passando por entre as mesas a caminho do balcao como um transatlantico zarpando de uma doca.

– Boa noite, Alma Gentil – disse Lily. – Insista. – Inclinou-se e beijou-me o rosto. Recordacoes! Despedi-me e sai.

'No ponto', dissera ela a respeito de Didi Wales. Como tinha razao!

Um minuto mais tarde, eu estava a porta de Eunice. Fiquei um momento a escuta, mas la dentro nao havia nenhum ruido. Nem eu sabia o que esperava ouvir. Choro? Riso? Ruidos de L p? Bati na porta, esperei, voltei a bater.

A porta se abriu e Eunice apareceu, num peignoir de renda.

– Oh, e voce – disse ela, num tom nem acolhedor, nem desencorajador.

– Posso entrar?

– Se quiser.

– Quero.

Ela abriu a porta um pouco mais e eu entrei. Suas roupas estavam jogadas ao acaso por todo o quarto. A janela estava aberta, deixando entrar a fria brisa alpina. Estremeci, minha resistencia aos elementos enfraquecida pelos acontecimentos da noite.

– Nao sente frio? – perguntei.

– Nao se esqueca de que sou inglesa – respondeu ela. Mas fechou a janela. Cheia de corpo, descalca, coberta de renda.

– Posso sentar-me?

– Se quiser. – Indicou-me uma poltrona. – Jogue essas roupas em qualquer lugar.

Peguei no vestido de seda que ela usara na festa. Imaginei que ainda estivesse quente da pele dela. Coloquei-o cuidadosamente sobre uma pequena escrivaninha. Sentei-me na poltrona e ela recostou-se nas almofadas da cama, fazendo o peignoir abrir-se e revelar as pernas. Longas, como as da irma, porem mais cheias. Mais bem torneadas. Havia no ar um leve cheiro de sabonete. Via-se que ela tinha lavado o rosto, sua pele brilhava a luz do abajur. Lamentei a noite perdida.

– Eunice – disse eu. – Vim explicar-lhe.

– Nao precisa explicar. Houve uma confusao de intencoes, mais nada.

– Voce nao vai pensar que eu convidei aquela meninazinha a subir ao meu quarto…

– Nao penso nada. So sei que ela estava la. E nao e tao meninazinha assim. Bem desenvolvida, me pareceu. – Seu tom era seco, cansado. – Uma de nos estava demais. E achei que era eu.

– Esta noite – disse eu – achei que, por fim…

– Eu tambem achei – disse ela, sorrindo melancolicamente.

– Devia ter sido mais ousado – falei -, mesmo antes desta noite. So que nao consigo ser diferente. E, ainda por cima, estavamos sempre acompanhados por Miles e por sua irma.

– Minha irma nao lhe disse que comigo nao eram necessarias preliminares? – perguntou ela, com voz subitamente dura.

– Nao lhe vou dizer o que sua irma me disse.

– Ela gosta de dar a impressao de que eu sou a maior farrista de Londres. Bruxa!

– Como? – perguntei, espantado.

– Nada, nao. – Tapou o rosto com os bracos cruzados e foi falando, numa voz estrangulada. – Se quer saber, nao fui a Zurique por sua causa… embora lhe deva dizer que voce se revelou muito mais simpatico do que eu poderia imaginar num americano, Alma Gentil.

– Obrigado.

– Sinto te-lo desapontado.

– Podiamos esquecer o que aconteceu no meu quarto.

Vi a cabeca dela abanar por tras dos bracos.

– Nao. Eu ate devia sentir-me grata aquela mocinha gorda, porque a verdade e que tinha resolvido ir a seu quarto por motivos escusos.

– O que voce quer dizer com isso?

– Nao fui la por sua causa. Ou por mim.

– Por quem, entao?

– Por Miles Fabian – disse ela, amargamente. – Tinha decidido ter o maior caso com voce… so para mostrar a ele…

– O que?

– So para mostrar que ja nao ligava para ele. Que podia ser tao voluvel e cinica quanto ele. – Por tras dos bracos, Eunice chorava. Era a minha noite de ver mulheres chorarem.

– Acho melhor voce se explicar, Eunice – disse eu, lentamente.

– Nao seja burro, americano – retrucou ela. – Estou apaixonada por Miles Fabian. Desde o dia em que o conheci. Pedi-o em casamento ha anos atras. E ele fugiu. Fugiu para os bracos da bruxa da minha irma.

– Oh! – foi tudo o que consegui dizer.

Ela destapou o rosto. As lagrimas tinham-lhe deixado marcas brilhantes nas faces. Mas sua expressao era calma, aliviada.

– Se voce se apressar – disse ela -, talvez a meninota gorda ainda esteja no seu quarto. Pelo menos, voce nao tera perdido a noite.

Mas Didi ja tinha ido embora, deixando sobre a mesa um bilhete em letra de colegial. 'Levei seu casaco. Queria ter uma lembranca sua. Talvez um dia voce queira reave-lo. Sabe onde me encontrar. Sua Didi.'

Quando eu estava acabando de ler, o telefone tocou. Meu primeiro impulso foi nao atender. A noite nao estava para receber boas noticias pelo telefone. Acabei atendendo.

– Douglas? – Era Fabian.

– Sim?

– Espero nao o ter interrompido em algo serio – disse ele, numa voz ironica.

– Nao me interrompeu.

– Achei que voce gostaria de saber como foi a noite.

– Claro que gostaria!

Ouvi um suspiro do outro lado da linha.

– Acho que nao fui tao bem como esperava, meu velho. Sloane teve uma sorte louca. Amanha vamos ter que ir ao banco.

– Quanto voce perdeu?

– Uns trinta mil – disse Fabian, com a maior naturalidade.

– Francos?

– Dolares, Alma Gentil.

– Safado! – exclamei e desliguei.

CAPITULO XIX

De manha, as seguintes coisas me aconteceram: Na bandeja do cafe, que mandei subir as dez horas porque nao conseguira dormir senao quase de manha, havia um bilhete de Eunice: 'Querido Alma Gentil, vou-me embora de Gstaad no trem das nove. Tenho certeza de que voce entende por que estou fazendo isto. Um beijo'. Eu entendia.

Miles Fabian ligou para mim, pedindo-me que me encontrasse com ele na cidade, as onze, em frente ao Union Bank of Switzerland.

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