filho. Entendo isso, embora seja contra todos os meus principios. Ja olhou bem para as criancas americanas de hoje?

– Ja. Sao toleraveis.

– Essa mulher deve te-lo enfeiticado. Uma advogada! – Grunhiu de novo. – Puxa, eu nunca devia ter deixado voce sozinho! Ela alguma vez esteve na Europa? Isto e… antes deste… deste episodio?

– Ja – respondi.

– Por que voce nao lhe propoe o seguinte: voces se casam, muito bem. Mas ela experimenta viver com voce na Europa durante um ano. As mulheres americanas adoram viver na Europa. Os homens dizem-lhes galanteios ate elas terem setenta anos… principalmente na Franca e na Italia. Deixe-a falar com Lily e, depois, ela que decida. Nada mais justo do que isso, nao acha? Quer que eu fale com ela?

– Pode falar – repliquei -, mas nao a respeito disso. De qualquer maneira, nao e so ela que pensa assim. Eu tambem. Nao quero viver na Europa.

– Voce quer viver em Sag Harbor – suspirou ele, melodramatico. – Por que?

– Por varias razoes… a maioria nao relacionada com ela. – Nao lhe podia explicar o efeito que os quadros de Angelo Quinn tinham tido sobre mim, e nem tentei.

– Posso, pelo menos, conhecer a noiva? – perguntou ele, patetico.

– Se nao procurar convence-la – respondi. – A respeito de nada.

– Voce e mesmo um bom socio – queixou-se ele. – Desisto. Quando posso conhece-la?

– Vou a Sag Harbor amanha de manha.

– Nao va cedo demais – disse ele. – Tenho uns negocios a tratar, a partir das dez.

– Naturalmente – concordei.

– Explico-lhe tudo que tenho feito, ao jantar. Voce vai ficar satisfeito.

– Tenho certeza disso – respondi.

E fiquei a ouvi-lo falar de negocios enquanto jantavamos, num pequeno restaurante frances do East Side, pato com azeitonas, acompanhado por um belo Borgonha. Fiquei sabendo que estava bem mais rico do que quando vira o aviao dele decolar de Cointrin, com o caixao de Sloane no bojo. Naturalmente, Miles Fabian tambem estava mais rico.

Eram quase seis da tarde quando chegamos a casa de Evelyn, atravessando a paisagem rural a beira-mar. Fabian resolvera parar num hotel de Southampton e eu esperara por ele enquanto tomava banho, mudava de roupa e fazia duas ligacoes transatlanticas. Eu lhe dissera que Evelyn o estava esperando e lhe preparara o quarto de hospedes, mas ele retrucara:

– Nao, meu velho. Nao gosto de ficar acordado a noite inteira, ouvindo sons de extase. Principalmente quando se e intimo dos interessados.

Lembrei-me de Brenda Morissey falando sobre o mesmo fenomeno na cozinha do apartamento de Evelyn em Washington, e nao insisti.

Quando nos aproximamos da casa, vimos que o lampiao junto a porta estava aceso. Evelyn nao queria ser apanhada de surpresa.

O lampiao derramava uma luz suave e acolhedora sobre o gramado em frente a casa, que fora construida em cima de um penhasco debrucado sobre o mar. Margeando a propriedade, havia grupos de pinheiros e carvalhos, acoitados pelo vento. Nao se viam outras casas. A distancia, o poente deitava um ultimo fulgor sobre a baia. A casa em si era pequena, feita de ardosia cinzenta no estilo de Cape Cod, com um telhado inclinado e mansardas. Fiquei imaginando se iria viver e morrer la.

Fabian insistira em trazer duas garrafas de champanha como presente, embora eu lhe tivesse dito que Evelyn gostava de uns drinques e certamente teria bebidas em casa. Nao se ofereceu para ajudar-me a carregar minhas malas ate a casa. Achava que duas garrafas de champanha ja eram carga de sobra para um homem da sua posicao.

Ficou olhando para a casa como se para um inimigo.

– Pequena, voce nao acha? – falou.

– Acho que e suficientemente grande – respondi. – Nao partilho das suas manias de grandeza.

– O que e uma pena – disse ele, revirando o bigode.

Percebi, espantado, que ele estava nervoso.

– Vamos! – disse eu.

Mas ele hesitou.

– Nao seria melhor se voce entrasse sozinho? – sugeriu. – Eu podia dar um passeio e voltar daqui a quinze minutos. Nao ha nada que voce queira dizer a moca a sos?

– Agradeco-lhe o tato – respondi -, mas nao e necessario. Disse tudo o que queria dizer pelo telefone, em Vermont.

– Voce tem certeza de que sabe o que esta fazendo?

– Absoluta. – Peguei-o firmemente pelo braco e encaminhamo-nos para a porta.

Nao vou dizer que a noite foi um completo sucesso. A casa estava encantadora, embora decorada e mobiliada com parcimonia, mas era pequena, como Fabian observara. Evelyn pendurara os dois quadros que eu tinha comprado em Roma e eles dominavam a sala de um jeito estranho, quase ameacador. Evelyn estava esportivamente vestida, com calca escura e sueter, marcando bem o fato, talvez ate demasiado, de que nao pretendia fazer nada para impressionar o primeiro amigo meu que conhecia. Agradeceu a Fabian o champanha, mas disse que nao estava com vontade de toma-lo e foi a cozinha preparar martinis.

– Vamos deixar o champanha para o casamento – decretou.

– Nao e o unico champanha que ha no mundo, minha cara – disse Fabian.

– Mesmo assim – retrucou Evelyn com firmeza, entrando na cozinha.

Fabian olhou para mim, como se fosse dizer-me alguma coisa, mas suspirou e deixou-se cair numa grande poltrona de couro. Quando Evelyn voltou com os martinis, ele ficou revirando o bigode, pouco a vontade, e fingiu apreciar o drinque. Eu sabia que ele estava todo preparado para tomar champanha.

Evelyn ajudou-me a levar as malas para o nosso quarto, que ficava em cima. Nao era uma dessas mulheres americanas que acham que a Constituicao lhes garante nunca precisarem de carregar nada mais pesado do que uma bolsa contendo um pente e um talao de cheques. Era mais forte do que aparentava. O quarto era grande, ocupando quase toda a largura da casa, e tinha um banheiro a um dos lados. Havia uma enorme cama de casal, uma penteadeira, estantes de livros e duas cadeiras de balanco de madeira e cana-da-india. Havia tambem abajures, bem colocados, para ler.

– Voce acha que vai ser feliz aqui? – perguntou ela, num tom estranhamente ansioso.

– Muito. – Tomei-a nos bracos e beijei-a.

– Ele e que nao esta muito feliz, o seu amigo – sussurrou ela. – Nao e mesmo?

– Vai ficar. – Procurei fazer com que minha voz soasse confiante. – De qualquer maneira, nao e ele que vai se casar com voce, e sim eu.

– Espera-se – disse ela, ambiguamente. – Faminto de poder. Conheci muitos assim em Washington. A boca se contrai quando e contrariado. Ele esteve no Exercito?

– Esteve.

– Tera sido coronel? Parece um coronel aborrecido porque a guerra acabou.

– Nunca lhe perguntei.

– Da a impressao de que voces sao muito chegados.

– E somos.

– Como e que voce nunca lhe perguntou qual era a patente dele?

– Nao sei.

– Maneira estranha de ser chegado – disse ela, saindo dos meus bracos.

Fabian estava de pe junto da lareira, olhando para o quadro da rua principal, pintado por Angelo Quinn. Nao fez nenhum comentario, quando nos viu descer a escada para o living, mas estendeu a mao para o martini meio tomado.

– Agora, criancas – disse ele, com falsa animacao -, deixem-me convida-los para um magnifico jantar de mariscos. Ha um restaurante em Southampton que eu…

– Nao e preciso ir ate Southampton – atalhou Evelyn. – Ha um lugar aqui mesmo, em Sag Harbor, que serve as melhores lagostas deste mundo.

A boca de Fabian se contraiu, mas tudo o que ele disse foi:

– Como voce quiser, minha cara.

Ela subiu para buscar um casaco e eu e Fabian ficamos sozinhos um momento.

– Gosto de uma mulher – disse ele, com um brilho duro nos olhos – que tem opiniao. Pobre Douglas!

– Pobre por que? – retruquei.

Ele deu de ombros, retorceu as pontas do bigode, virou-se para olhar para o quadro sobre a lareira.

– Onde foi que ela comprou isso? – perguntou.

– Em Roma – respondi. – Eu o comprei para ela.

– Voce? – disse ele, num tom de surpresa nada lisonjeira. – Interessante. Lembra-se do nome da galeria?

– Bonelli. Fica na via…

– Sei muito bem onde fica. Conheco o velho da dentadura. Quando for a Roma, talvez de uma olhada…

Evelyn desceu do quarto, com o casaco no braco, e Fabian correu para ajuda-la a vesti-lo. Via-se que a considerava atraente, pois seus movimentos eram acariciantes, mais de amante do que de maitre. Encarei isso como um bom sinal.

A lagosta era tao boa quanto Evelyn prometera, e Fabian mandou vir uma garrafa de vinho branco americano que, segundo ele, era quase tao bom quanto o vinho branco frances. Tao bom, que mandou vir outra garrafa. A essa altura, a atmosfera estava suficientemente relaxada. Fabian brincou comigo a respeito dos meus ternos romanos, elogiou minha maneira de esquiar e disse a Evelyn que ela devia deixar que eu lhe servisse de instrutor, falou de Gstaad, St. Paul-de-Vence e Paris, contou duas piadas engracadas a respeito de Giuliano Quadrocelli, ouviu-nos, com ar serio, descrever a explosao do iate no cais, nao trouxe a baila os nomes de Lily ou Eunice, nao falou em negocios, em nenhuma altura interrompeu Evelyn e comportou-se como o mais encantador dos anfitrioes. Via- se que decidira conquistar Evelyn, e eu esperava que ele o conseguisse.

– Diga-me uma coisa, Miles – falou Evelyn, quando estavamos terminando o cafe -, voce foi coronel, durante a guerra? Perguntei a Douglas, mas ele disse que nao sabia.

– Nada disso, minha cara! – riu Fabian. – Nunca passei de um obscuro tenente.

– Eu estava certa de que voce tinha sido coronel – disse Evelyn. – No minimo.

– Por que?

– Nao sei – respondeu Evelyn, despreocupadamente. Colocou a mao em cima da minha, sobre a mesa. – Talvez porque voce tenha um ar de comandante de tropas.

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