fazendo efeito em mim. Desde que os vira pela primeira vez, com a sua optica dura e melancolica do meu pais de origem, vinha lutando contra a certeza de que algum dia eu teria de voltar. Algumas pessoas, descobrira, nasceram para ser estrangeiras, adoram ser estrangeiras. Eu, nao. Essa era uma das coisas que os quadros me tinham provado. 'Diabo', pensei, 'nunca aprenderei outras linguas. Nem mesmo uma outra lingua.' Talvez tivesse sido por acaso que eu entrara na galeria de Bonelli, naquele dia, talvez tivesse sido uma coincidencia os quadros serem tao bons, mas quadros ou nao quadros, no fim, sabia agora, fosse com Evelyn ou sem ela, eu acabaria voltando. Tinha certeza de que Fabian nao aprovaria. Podia ate imaginar os seus argumentos. 'Pense bem, meu velho, voce vai acabar com uma bala na cabeca!' Mas eu nao podia passar a vida procurando a aprovacao de Miles Fabian.

– Nao estou dizendo que nao vou viver nos Estados Unidos – falei. – Na sua casa de Sag Harbor, se voce quiser. Mas, se eu lhe dissesse que tenho razoes, que prefiro nao explicar, para querer viver no estrangeiro, razoes que talvez eu nunca lhe diga, voce ainda assim se casaria comigo?

– Nao gosto de aceitar as pessoas em confianca – disse ela. – Nem mesmo voce. Nao tenho assim tanta fe nas pessoas.

– Agora sou eu que pergunto: voce continuaria querendo casar-se comigo?

– Nao vou responder ja – disse ela, rindo. Uma risada dura.

– Quando, entao? – perguntei.

– Hoje a noite, dentro de alguns dias, daqui a um mes…

Andamos mais um pouco em silencio. Ao atravessar a rua, quase fomos atropelados por um enorme Mercedes, correndo para aproveitar o sinal. De repente, senti que estava farto de Roma.

– Por falar nisso – disse Evelyn -, quem e Pat?

– Por que voce me pergunta a respeito de Pat?

– Sei que voce conhece uma moca chamada Pat.

– Como e que voce sabe que e uma moca? – Fora apanhado de surpresa e tentava ganhar tempo. Nunca falara em Pat com Evelyn. – E um nome de homem.

– Nao da maneira como voce o diz – objetou Evelyn.

– Quando foi que o disse?

– Duas vezes. Ontem a noite, dormindo. E, da maneira pela qual voce o disse, nao podia estar se referindo a um homem.

– Oh! – Eu parara de andar.

– E. Oh!

– E uma moca que eu conheco. Conhecia – corrigi.

– Voce falou como se a conhecesse muito bem.

– Falei?

– Falou.

– Pode ser.

– Voce a amava?

– Achava que sim. As vezes.

– Quando foi que voce a viu pela ultima vez?

– Ha tres anos.

– Mas voce ainda a chama em sonhos.

– Se voce diz que sim…

– Ainda a ama? – perguntou ela e sorriu. – As vezes

Esperei um bocado, antes de responder:

– Nao sei.

– Nao acha que seria melhor reve-la e ficar sabendo?

– Acho – respondi.

CAPITULO XXIII

A viagem de volta a Porto Ercole, na manha seguinte, foi bastante silenciosa. Nenhum dos dois falou muito. Eu estava ocupado com meus pensamentos e acho que Evelyn tambem estava com os dela. Ia sentada no extremo do assento, maos no colo, rosto grave. Pat, nao mencionada e a milhares de quilometros de distancia, nas neves de Vermont, era uma presenca escura na ensolarada manha italiana. Eu tinha dito a Evelyn que iria a Vermont ve-la. 'Quanto mais cedo, melhor', retrucara Evelyn. Eu teria de telefonar para Fabian, dizendo-lhe que chegaria a Nova York. Via Nova Inglaterra.

Quando chegamos ao Pellicano, disseram-me que Quadrocelli tinha estado a minha procura na noite anterior. Pedi a moca da recepcao que me ligasse com ele.

– Bem-vindo! – disse Quadrocelli, quando ouviu minha voz. – Que tal, gostou de Roma?

– Mais ou menos.

– Voce esta ficando blase – falou ele, rindo. Nao parecia um homem cuja grafica fora sabotada. – Esta uma linda manha. Achei que seria um bom dia para irmos a Genuttri. O mar esta calmo. Que tal a ideia?

– Vou perguntar a minha amiga. – Evelyn estava a meu lado. – Ele quer levar-nos a dar um passeio no seu barco. Voce quer ir?

– Por que nao? – retrucou Evelyn.

– Otima ideia – disse eu ao telefone.

– Muito bem. Minha mulher vai nos preparar um lanche. Infelizmente, nao nos acompanhara. Odeia barcos e transmitiu esse odio as filhas dela! – Tudo isso ele disse numa voz entrecortada de risos. – Estou sempre a cata de boa companhia. Sabe onde fica o cais do Iate Clube?

– Sei.

– Sera que podem estar la dentro de uma hora?

– Quando voce quiser.

– Dentro de uma hora, entao. Vou preparar o barco. Tragam agasalhos, pode esfriar…

– Por falar nisso, foram muitos os estragos na grafica? – perguntei.

– Normais – respondeu ele. – Para a Italia. Por acaso, sabe de alguem que queira comprar uma grafica muito bem montada, mas a beira da falencia?

– Nao – respondi.

– Nem eu. – Ainda estava rindo quando desligou.

A ideia de navegar ate a ilha que se via no horizonte me atraia. Nao tanto pelo passeio em si, como pelo fato de que, durante uma tarde inteira, eu e Evelyn nao ficariamos a sos. Resolvi convidar Quadrocelli e sua esposa para jantarem conosco. Isso daria conta da noite, tambem.

Evelyn subiu para mudar de roupa e eu pedi uma ligacao para Fabian. Enquanto esperava, li o Rome Daily American daquela manha. Numa coluna social, havia uma noticia sobre David Lorimer. Ia ser transferido para Washington, e estavam organizando uma festa de despedida em sua honra. Joguei fora o jornal. Nao queria que Evelyn o lesse.

– Puxa vida, homem! – exclamou Fabian, quando ouviu minha voz. – Voce sabe que horas sao?

– Meio-dia.

– Na Italia – retrucou Fabian. – Aqui sao seis da manha. Que pessoa civilizada e capaz de acordar um amigo as seis da matina?

– Desculpe – disse eu. – Estava ansioso por lhe dar a boa noticia.

– Que boa noticia? – perguntou ele, num tom desconfiado.

– Vou voltar aos Estados Unidos.

– E o que ha de bom nisso?

– Eu lhe direi quando nos virmos. Assunto particular. Esta me ouvindo? A ligacao esta pessima.

– Estou ouvindo, sim – disse ele. – Bem demais.

– A verdadeira razao por que lhe estou telefonando e para saber onde voce quer que eu deixe o carro.

– Por que voce nao espera ai onde esta ate que eu volte e possamos falar calmamente?

– Nao posso esperar – falei. – E estou calmo.

– Nao pode esperar. – Ouvi-o suspirar do outro lado do fio. – Muito bem… pode levar o carro ate Paris? Peca ao recepcionista do Plaza-Athenee que o guarde na garagem para mim. Preciso tratar de uns negocios em Paris.

Podia ter mencionado um lugar mais conveniente: por exemplo, Fiumicino. Era um homem que tinha negocios em todas as partes – Roma, Milao, Nice, Bruxelas, Genebra, Helsinqui. Estava sendo propositalmente inconveniente para me punir. Mas eu nao estava com vontade de discutir com ele.

– Esta bem – disse eu. – Deixo o carro em Paris.

– Sabe que me estragou o dia, nao sabe?

– Vai haver outros dias – retruquei.

Quando chegamos ao porto e estacionamos o carro, avistei Quadrocelli enrolando corda no deck do seu pequeno iate branco, ancorado na doca do Iate Clube. A maioria dos outros barcos estava ainda coberta com encerados e, exceto por ele, a doca estava deserta.

Evelyn ia cantarolando, a caminho da doca. Fizera-me parar numa farmacia e comprar Dramamine. Desconfiei de que ela gostava tanto do mar quanto a Sra. Quadrocelli.

– Tem certeza de que nao vai me afogar, quando estivermos no meio do mar? – perguntou ela. – Como aquele fulano no filme Uma Tragedia Americana, quando descobre que Shelley Winters esta gravida?

– Montgomery Clift – disse eu. – So que nao sou Montgomery Clift nem voce e Shelley Winters. E o filme nao se chamava Uma Tragedia Americana e sim Um Lugar ao Sol.

– Disse isso so de brincadeira – falou ela, sorrindo para mim.

– Que brincadeira! – Mas sorri tambem. Fora uma brincadeira sem graca, mas pelo menos mostrava que ela estava pronta a fazer um esforco para nao estragar o resto dos nossos dias na Europa. O longo percurso atraves da Franca seria dificil, se ela ficasse sentada no canto do carro, calada e distante, como fizera nessa manha ao virmos de Roma. Depois de falar com Fabian,

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