desaparecera. Sentia falta de Lily e Fabian, das suas vozes falando em ingles, sentia falta de muitas outras coisas, algumas vagas e indefiniveis.

Dei o numero a telefonista. Pouco depois, uma voz masculina disse:

– Pronto.

– Meu nome e Douglas Grimes – disse eu. – Evelyn…

– Sei – atalhou ele. – Onde voce esta?

– No Grand Hotel – respondi.

– Dentro de quinze minutos estou ai. Voce joga tenis?

– Bem… – Estaria ele falando em codigo? – Um pouco.

– Estava de saida para o clube. Precisamos de um quarto jogador.

– Nao trouxe nada…

– Tudo se arranja no clube. E eu tenho uma raquete extra. Encontro-me com voce no bar. Meu cabelo e vermelho, dou na vista.

E desligou abruptamente.

Um homem alto, magro e ruivo entrou no bar, com passos ao mesmo tempo desengoncados e energicos. Tinha o cabelo muito comprido, pelo menos para um diplomata, rosto vincado, sobrancelhas grossas, tambem ruivas, e um senhor nariz. Como ele bem dissera, dava na vista. Apertamos as maos um do outro. Ele devia ter aproximadamente a minha idade.

– Encontrei uns tenis velhos – foi logo dizendo. – Que numero voce calca?

– 43 – respondi.

– Otimo. Como eu.

O carro dele, um pequeno e elegante Alfa Romeo azul, conversivel, de dois lugares, estava estacionado bem em frente ao hotel, atrapalhando o transito. Um policial olhava para o carro com ar de sofrimento. O guarda ralhou com Lorimer numa voz musical, mas o americano acenou para ele com um sorriso e enfiamo-nos no transito. Ele guiava a romana e quase batemos umas dez vezes antes de chegarmos ao clube de tenis, situado as margens do Tibre. Guiar, principalmente aquela velocidade, parecia exigir toda a sua atencao, de modo que pouco falamos. Em dado momento, ele disse:

– Estes sao os jardins da Villa Borghese. – E entramos num parque verdejante. – Voce precisa dar uma olhada no museu.

– Vou dar – prometi. Estava comecando a gostar de museus. Fabian ficaria satisfeito quando eu lhe dissesse que tinha visitado o Museu Borghese. Fazia parte da sua lista. 'Preste atencao nos Ticiano', dissera ele.

Quando atravessamos os portoes do clube, Lorimer estacionou o carro a sombra de uns platanos. Havia outros carros estacionados, mas nao se via ninguem. Quando eu ia abrir a porta do meu lado, Lorimer estendeu a mao e segurou-me o braco.

– Esta com voce?

– Esta. – Meti a mao no bolso interno do paleto e tirei o envelope, que entreguei a Lorimer. Sem sequer o examinar, ele enfiou-o no bolso interno do seu paleto.

– Evelyn escreveu dizendo que voce me ligaria – disse Lorimer. – Obrigado por nao ter telefonado para a embaixada.

Saimos do carro, Lorimer carregando uma velha sacola de tenis. Quando nos dirigiamos para a sede do clube, ele disse:

– Ainda bem que voce veio. E dificil arranjar parceiros a esta hora. Gosto de jogar antes do almoco, e os italianos so jogam depois do almoco. Diferencas fundamentais entre duas civilizacoes. Irreconciliaveis. Como se estivessemos em lados opostos de um abismo. – Cumprimentou dois homens baixos e morenos que jogavam num dos courts. – Daqui a um minuto! – gritou.

Os dois homens estavam apenas treinando, mas pareciam otimos jogadores.

– Acho que vou prejudicar seu jogo – disse eu. – Ha anos que nao sei o que e tenis.

– Nao se preocupe – retrucou ele. – Eles nao aguentam a mao por muito tempo. – Riu, um riso simpatico e amigo.

Os tenis cabiam-me perfeitamente, e o short e a camisa estavam mais ou menos, um pouco grandes, talvez.

– Carregue tudo o que voce tiver de valor para a quadra – aconselhou Lorimer. – Podia deixar no balcao, mas tem havido queixas. E nao deixe o seu passaporte a mostra por ai, ou um dia tera a desagradavel surpresa de ler no jornal que um siciliano chamado Douglas Grimes foi preso contrabandeando heroina. – Reparei que ele nao so carregava a carteira, os niqueis e o relogio, como tambem o envelope de Evelyn.

Duvido que os dois homens com quem jogamos tivessem entendido o meu nome. Lorimer apresentou-nos, mas falou em italiano e eu nao consegui entender os nomes deles.

Gostei mais de jogar do que pensara. Esquiar mantivera-me em boa forma fisica e os reflexos nao me haviam abandonado. Alem do mais, conforme o Dr. Ryan garantira, minha visao em nada prejudicava a pratica de esportes. Lorimer parecia um furacao na quadra, irregular mas intermitentemente eficiente. Dividimos os dois primeiros sets com os italianos, que, conforme Lorimer predissera, nao aguentaram a mao por muito tempo. Eu proprio fiz uma bolha no polegar no terceiro set e tive que parar. Mas a bolha nada era, comparada com o prazer de jogar tenis ao sol calido de Roma, a beira do rio em que, de acordo com Shakespeare, Cesar nadara com a armadura posta. Fazia tempo que nao chovia e o rio parecia pequeno e inocente, bom para eu nadar.

Enquanto nos vestiamos, apos um bom banho de chuveiro, os italianos convidaram-nos a almocar la mesmo, no clube, antes de voltarem para o trabalho.

– Escute aqui, parceiro – perguntou-me Lorimer -, e a primeira vez que voce vem a Roma?

– O primeiro dia – respondi.

– Entao nao vamos comer aqui. Vamos a um lugar frequentado por turistas. O Tre Scalini, na Piazza Navona. – Concordei. Tambem estava na lista de Fabian. – Sempre que alguem vem a Roma – disse Lorimer – aconselho-o a nao esquecer que e turista. A ver e a fazer tudo o que esta nos guias de turismo. O Vaticano, a Capela Sistina, o Castelo SantAngelo, o Moises, o Foro, etc. Afinal de contas, por algo figuram nos guias. Depois, a pessoa pode tracar seus proprios programas. Para ler, sugiro Stendhal. Voce le frances?

– Nao.

– Que pena!

– Bem que gostaria de voltar a escola.

– So voce? – retrucou ele.

– Gostou do almoco? – perguntou Lorimer. Estavamos sentados no terraco, olhando para a grande fonte, com as quatro enormes figuras femininas representando os rios. Sem duvida uma ideia muito melhor do que comer um sanduiche e beber uma cerveja no bar do clube.

– Muito – respondi.

– Nao diga isso em voz alta – aconselhou Lorimer. – Em certos circulos sofisticados, fica bem dizer que a comida aqui e intragavel. – Riu. – Voce ficaria marcado como um americano de paladar inculto e teria dificuldade em conhecer uma principessa.

– Bem, posso dizer que gostei da vista, nao?

– E melhor dizer que passou pela Piazza Navona por acaso. A noite. Isso, se o assunto vier a baila. – Ficou um momento olhando para a fonte. – Impressionantes, nao?

– O que?

– Essas quatro mulheres. E uma das razoes por que prefiro Roma a Nova York, por exemplo. Aqui, voce se s esmagado pela arte e pela religiao, nao pelo aco e o concreto das companhias de seguros e das corretoras.

– Ha muito que voce esta aqui?

– Nao tanto como eu gostaria. E os filhos da mae estao procurando remover-me. – Levou a mao a altura do bolso interno do paleto, onde guardara o envelope que eu lhe dera. Tinha-o tirado, aberto e passado os olhos pelas paginas enquanto esperavamos que nos servissem. Quando tinham trazido o primeiro prato e o vinho, ele enfiara as folhas de volta no envelope sem comentarios. – Esta tudo aqui – disse, indicando novamente o bolso interno. – Estao querendo pegar-me. Eu sei e eles sabem que eu sei. Estamos todos esperando que alguem de o primeiro passo. Mandei algumas recomendacoes que nao foram recebidas… bem… com entusiasmo em certos setores. Forcei alguns contratos. Evelyn tambem esta envolvida e a sua cabeca tambem esta em jogo. Tentamos fazer chegar o dinheiro a quem de direito, neste belo e lamentavel pais, com seu povo desesperado… nao as pessoas erradas. Uma diferenca de opiniao, possivelmente fatal. Nao ande por ai dizendo que me conhece. Ha espioes por todo lado. Quando eu voltar a minha mesa, os papeis terao sido remexidos. Pareco paranoico, nao?

– Nao sei – respondi -, embora Evelyn insinuasse…

– Nao e a primeira vez que acontece – disse Lorimer – e tenho certeza de que nao vai ser a ultima, com o que esta havendo em Washington. O que McCarthy fez vai parecer brincadeira de crianca, comparado com o que o pessoal que esta na Casa Branca e capaz de fazer. Orwell enganou-se. Seu livro nao devia chamar-se 1984, e sim 1973. Voce acha que vao conseguir tirar aquele sujeito da Casa Branca?

– Nao tenho acompanhado os acontecimentos – respondi, dando de ombros.

Lorimer olhou para mim com expressao estranha.

– Americanos – disse, meneando a cabeca. – Aposto como ainda vai estar la nas proximas eleicoes. Com o pe nos nossos pescocos. Meu proximo posto sera provavelmente em algum pequeno pais africano, onde a cada tres meses haja um golpe de Estado e matem os embaixadores americanos. Venha me visitar. – Riu e encheu um copo de vinho. Parecia tudo, menos assustado. – Acho que nao lhe vou poder dedicar muito tempo, esta semana. Vou ter que ir a Napoles. Mas no sabado estarei de volta para jogarmos tenis, e a noite ha um joguinho de poquer, quase todos jornalistas, ninguem da embaixada… Evelyn mandou dizer que voce era otimo jogador de poquer…

– Sinto – repliquei -, mas nao vou estar em Roma. No sabado tenho de estar em Porto Ercole.

– Em Porto Ercole? – disse ele. – Vai hospedar-se no Pellicano?

– Para falar a verdade, ja tenho reserva la.

– Para um cara que acabou de chegar a Italia, voce esta bem informado. O Grand Hotel em Roma, o Pellicano em Porto Ercole…

– Indicacoes de um amigo – expliquei. – Muito bem informado.

– Voce vai gostar – disse Lorimer. – Sempre que posso, vou la passar os fins de semana. Ha uma otima quadra de tenis. Estou com inveja de voce. – Olhou para o relogio e depois tirou a carteira para pagar.

– Por favor – disse eu -, deixe comigo.

Ele guardou a carteira.

– Evelyn me disse que voce era rico. E verdade?

– Mais ou menos – respondi.

– Que sorte! Nesse caso, deixo-o pagar o almoco. – Levantou-se. – Quer que eu o leve de volta ao hotel?

– Acho que prefiro caminhar.

– Bem pensado – disse ele. – Quem me dera ter tempo de lhe mostrar a cidade! Mas os carrascos estao a minha espera. Arrivederci, amigo. – E saiu na direcao do carro, rapido e americano, as estatuas contemplando-o, rumo a mesa onde os papeis tinham sido remexidos na sua ausencia.

Terminei lentamente de tomar o cafe, paguei e fui andando sem pressa na direcao do hotel, pensando que Roma, vista por um pedestre, era bem diferente e muito melhor do que vista de um

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